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ESTREIA-"Três Lembranças da Minha Juventude" recria ambiente interiorano da França nos anos 1980

25/11/2015 16h28

SÃO PAULO (Reuters) - Em “Três Lembranças da Minha Juventude”, o cineasta francês Arnaud Desplechin volta a temas e personagens do filme “Como Eu Briguei (por minha vida sexual)”, caso de Paul Dédalus (aqui novamente interpretado pelo mesmo Mathieu Amalric que, em 1996, venceu um Cesar como revelação masculina por aquele filme). O novo filme, aliás, venceu o prêmio principal da Quinzena dos Realizadores de Cannes em 2015.

Mathieu encarna Paul em sua versão madura, no momento em que termina um período de dez anos no Tadjiquistão, onde trabalhava como consultor de antropologia. Ao deixar o país, identifica-se um problema com seu passaporte. A polícia de fronteira informa-lhe que existe um outro Paul Dédalus.

O incidente remete a uma das três lembranças do título, uma aventura do Paul adolescente numa misteriosa viagem à então URSS. E sua conversa com um severo inspetor (André Dussollier) desencadeia os flashbacks que compõem esta emocionada viagem no tempo.

Com roteiro assinado pelo próprio Desplechin e por Julie Peyr, “Três Lembranças....” é um refinado mergulho nas vivências do protagonista, que levou uma infância conturbada, na cidade de Roubaix, norte francês, entre uma mãe sensível e amorosa, apesar dos problemas mentais, Jeanne (Cécile Garcia-Fogel), e um pai, Abel (Olivier Rabourdin), fechado emocionalmente, que nunca consegue superar a viuvez que, afinal, lhe sobrevém.

O pequeno Paul (Antoine Bui) escora-se nos irmãos, Delphine (Ivy Dodds) e Ivan (Timon Michel), compensando em sua união uma fragilidade diante do mundo externo.

A busca de um grupo de apoio será, afinal, a tônica da vida deste jovem que, na adolescência (interpretado pelo ótimo estreante Quentin Dolmaire) contará sobretudo com seus amigos, Penélope (Clémence Le Gall), Mehdi (Yassine Douighi) e Kovalki (Pierre Andrau), além do inseparável primo Bob (Théo Fernandez).

O diretor injeta uma notável energia e honestidade no retrato deste grupo, enfatizando a cumplicidade e solidariedade que os mantêm a salvo das arbitrariedades dos adultos.

O foco mais interessante da história, nos anos 1980, fica por conta deste jovem Paul apaixonado pela bela e volúvel Esther (ótima estreante também a bela Lou Roy-Lecollinet).

As idas-e-vindas deste amor, seu carrossel de emoções, traições e busca de liberdade não têm como não emocionar quem algum dia já foi jovem, ou seja, todo mundo.

Recorrendo a uma nítida carga autobiográfica, neste personagem, Desplechin compõe seu próprio Antoine Doinel, o alterego criado nas telas pelo cineasta François Truffaut, numa homenagem assumida àquele seu colega --tanto que Desplechin pediu a Quentin Dolmaire que assistisse a “Beijos Roubados” (68), de Truffaut, antes desta filmagem.

Independentemente da referência, é certo que Paul Dédalus (cujo nome, aliás, é outra homenagem, esta ao escritor James Joyce), é certo que este filme voa mais alto, conquistando sua própria atmosfera e originalidade, demonstrando os surpreendentes fôlego e vitalidade de um diretor que já assinou filmes extraordinários, como “Reis e Rainha” (2004) e “Um Conto de Natal” (2008, em que o personagem Paul Dédalus também faz uma breve aparição).

A história transpira, aliás, um desejo de síntese, talvez de um sincero autoajuste de contas com seu próprio passado, mas que, mesmo sendo tão pessoal, não perde um poder de comunicação muito intenso.

Outro ponto alto é a personagem feminina. A musa Esther é tão livre, contraditória e real que se pode crer que uma mulher assim realmente existiu, e não só.

Acredita-se facilmente que se possa encontrá-la na vida real a qualquer momento, tamanha a verdade que os roteiristas e a jovem atriz Lou Roy-Lecollinet injetaram em sua figura.

(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb