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Ficha completa do filme

Comédia

Hitler 3º Mundo (1968)

Resenha por Sérgio Alpendre

Sérgio Alpendre

Da redação 08/10/2010
Nota 4
Hitler 3º Mundo

O chamado Cinema Marginal foi um rótulo criado para tentar dar conta de um grupo de filmes amalucados, realizados principalmente entre 1967 e 1970, na rabeira do Cinema Novo, mas com proposta muito mais transgressora e inventiva.

Ninguém gostava de se associar a esse rótulo, mas é inevitável perceber que tal catalogação impulsionou esses filmes após um tempo, fortalecendo o lado cult e provocando a curiosidade de muitos cinéfilos, o que é sempre positivo.

A coleção Cinema Marginal da Lume é mais uma boa exploração desse estigma - marginal, convém lembrar, é relativo a quem está à margem, deslocado. "Hitler III Mundo" (1968), única obra de José Agrippino de Paula, é a bola da vez, e como todos lançados até agora, permanece com força, se tornando obrigatório para qualquer um que preze o cinema livre de amarras.

Datado? Penso que não, mas se fosse, qual o problema? Uma obra que mostra muito bem as inquietações de sua época, e que se insere com força dentro de um contexto específico, a ponto de ser considerada paradigmática, poderia muito bem ser datada, sendo essa condição parte de sua estrutura.

Só existe problema nessa constatação para aqueles que se apegam a noções estreitas de contemporaneidade, ou a certos modismos, que impedem que se evite a pecha de cafona para obras tingidas pelas conjecturas de seu tempo. Dito isso, uma constatação anterior, a de que o filme ainda provoca, incomoda e agride, faz com que seja difícil considerá-lo datado.

As primeiras imagens do filme de Agrippino mostram um papel que sai de uma máquina de escrever, revelando os nomes dos envolvidos na produção. O som que ouvimos é, inicialmente o de uma pessoa imitando o barulho de uma máquina, mas aos poucos passamos a ouvir uma verdadeira orgia de grunhidos selvagens, como bestas do apocalipse à espreita, vigiando as cenas para que elas nunca sejam comportadas.

O som, por sinal, é um evento completamente tresloucado. É uma prática comum ao dito Cinema Marginal o que "Hitler III Mundo" faz durante toda a projeção. Para driblar a impossibilidade de captar o som direto com pouco dinheiro, coloca-se diálogos narrações e outros barulhos em total desconexão com as imagens. Logo no começo, ouvimos um free jazz alucinado de Frank Zappa, o que condiz exatamente com o tom apocalíptico de todo o filme.

Por vezes o caos provoca um afastamento. Fica aquela cacofonia que só parece interessante de longe, sem que nos aproximemos. É um dos efeitos colaterais da busca incessante pela transgressão. Mas é um filme necessário.

É fundamental voltar a ele para entender algumas coisas do processo artístico brasileiro. Para entender o porquê da transgressão hoje soar tão perfumada, tão bem vestida, cheirando a Shopping Center. Ou para confirmar que Jô Soares tinha versatilidade o suficiente não só para interpretar um americano ultra-capitalista em "O Homem do Sputnik" (1959) ou um marido boçal em "A Mulher de Todos" (1969), mas também uma drag-queen apocalíptica em "Hitler III Mundo". Eram tempos muito mais livres, definitivamente.

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