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Ficha completa do filme

Drama

Chico Xavier (2010)

Resenha por Márcio Ferrari

Márcio Ferrari

Da redação 13/08/2010
Nota 1

Embora o Brasil ainda carregue o status de maior país católico do mundo, e apesar da prosperidade das igrejas "evangélicas", sucesso de bilheteria mesmo é o espiritismo, para dissabor dos líderes das duas tendências majoritárias. Nicho seguro nas novelas de TV e nas editoras de livros populares, o veio só há pouco foi descoberto pelo cinema.

Começou com o êxito de um filme muito modesto, "Bezerra de Menezes", e logo chegou à inevitável biografia do médium Chico Xavier (1910-2002), figura imensamente popular, carismática e fenômeno "midiático" (autodefinido no filme como um carteiro que recebe e entrega mensagens).

Um dos achados da produção dirigida por Daniel Filho é tomar como eixo do roteiro exatamente uma aparição (trocadilho intencional) de Chico Xavier num programa de entrevistas ao vivo da TV Tupi nos anos 60. O diretor de imagens (Tony Ramos), enquanto tenta organizá-las como acha melhor, percebe que sua mulher (Christiane Torloni) está na plateia. O casal perdeu um filho e não se conforma. Ela busca conforto no médium e procura convencer o marido a fazer o mesmo, mas ele se recusa por não acreditar. A entrevista de Chico será o contraponto tanto dos flashbacks que contam sua vida quanto do conflito do casal.

A estrutura engenhosa do roteiro de Marcos Bernstein permite vários cruzamentos de sentidos interessantes, além de dar aos dois atores que fazem o personagem adulto (Ângelo Antônio e Nelson Xavier) a possibilidade de construí-lo com uma laconicidade rara no estilo de interpretação vigente. Mas não evita o problema habitual das cinebiografias: dar conta de vários episódios que tendem a se empilhar sem muito critério.

O problema é agravado pelas limitações de Daniel Filho como diretor. Várias passagens e personagens obscuros se inserem apressadamente na narrativa, que em boa parte não tenta nada além do que localizar o espectador no espaço para poder ir em frente. A opacidade se adensa lá pelo meio do filme, a ponto de a história se arrastar e perder interesse, e é justamente o trecho em que o personagem mais enfrenta conflitos (com a família, com a cidade, com o padre local).

O programa da TV Tupi (chamado "Pinga-Fogo") que o filme reproduz (e depois mostra) é encenado ao estilo tribunal de inquisição. Era esse papel de réu que a imprensa costumava dispensar a Chico Xavier: um emissário divino ou uma fraude? O filme apenas parece embarcar nessa discussão, insistindo em supostas contradições no comportamento do personagem: se transita nas esferas além da morte, por que teme morrer? Se tem o dom da cura, por que não salvou o próprio irmão e procura médicos "terrenos" quando fica doente? Se tem acesso aos mortos, por que as cartas que transcreve ("psicografa") parecem seguir um padrão genérico de texto?

Tanto Daniel Filho quanto o personagem (o de Tony Ramos) que, na história, atesta veracidade final ao trabalho do médium se dizem ateus, o que parece ser oferecido como um atestado de isenção. Mas imparcialidade em ficção é um contrassenso. O filme é tão crente que materializa os espíritos-guias de Chico: primeiro sua mãe (Letícia Sabatella), depois Emmanuel (André Dias), que o "acompanhou" durante toda a vida e seria o dono da voz que lhe ditava os livros póstumos de escritores conhecidos. Além disso, a câmera chama o espectador a adotar o ponto de vista não de Chico, mas dos próprios espíritos, quando, repetidamente, chega do alto, imitando um voo de pássaro, e "baixa" no personagem (na primeira das vezes entrando por seu ouvido).

"Chico Xavier" abre com um colírio pingando de um contagotas (o médium sofria cronicamente da vista) e segue com as falas do personagem na televisão sendo submergidas por outros sons (além disso, por imperfeição técnica, não dá para entender muitos dos diálogos). Desconfie de seus sentidos. É o que o filme nos diz, e até que diz bem.

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