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Ficha completa do filme

Romance

Casablanca (1943)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2003
Nota 5

Uma edição definitiva do grande filme. O cinema muitas vezes é a arte do acaso. Se duvida, veja o caso de "Casablanca", talvez o melhor filme a sair da fábrica de ilusões, que em sua origem era apenas mais uma produção de rotina, com o roteiro feito às pressas, o elenco escalado por acaso e o diretor sem a menor noção de que o projeto poderia dar certo.

A começar pelo próprio nome, foi inteiramente rodado nos estúdios da Warner. Originalmente, era uma peça inédita, nunca montada, chamada "Everybody Comes to Rick's", e a Warner designou três roteiristas para trabalhar na adaptação. Um deles, Julius J Epstein, que faleceu em 2001, contava que as páginas do script eram escritas dia a dia, rodadas em ordem cronológica, de tal forma que os atores tinham que decorá-las às pressas e sem ter noção de como seria o final. Com quem iria ficar Ingrid Bergman: Humphrey Bogart ou ou Paul Henreid? A própria atriz se confessava confusa.

O filme tinha também um papel patriótico, porque era a época da Guerra e era preciso condenar o nazismo e o governo francês colaboracionista de Vichy, representado aqui com muita ironia pelo inspetor Claude Rains (ele tem uma frase famosa: "Mande prender os suspeitos de costume"). O estúdio hesitou muito em escolher o elenco, chegaram em pensar em alternativas tão absurdas como Heddy Lammar, a futura "Dalila" e o cantor Dennis Morgan, dentre muitos outros. Por sorte, foi formada a dupla Bogart e Bergman, a única vez em que trabalharam juntos, inconscientes da química que havia entre eles.

Também a música tema do filme não era inédita, foi composta em 1931, e, por isso, "As Time Goes By" nunca pôde concorrer ao Oscar. Aliás, quase cortaram a canção do filme por insistência do autor da trilha, Max Steiner. E isso só não aconteceu porque Ingrid havia cortado os cabelos para outro filme ("Por quem os Sinos Dobram") e não era possível mais refilmar certas cenas chaves da fita. Dooley Wilson, que faz o pianista, era cantor. Mas curiosamente não sabia tocar o piano, que foi dublado por Elliot Carpenter.

Na época, o filme foi ajudado porque, justamente no momento de sua estréia, as tropas aliadas tomaram a cidade de Casablanca, e acabou levando um inesperado Oscar de Melhor Filme, Direção, para o húngaro Michael Curtiz, e Roteiro. Mas depois foi esquecido e só nos anos 60 é que passou a ser revalorizado. Assim é que descobriram seus diálogos, que são dos mais brilhantes que o cinema já teve. Às vezes com um senso de humor ácido (perguntam a Bogart porque ele veio para Casablanca. "Por causa das águas", ele responde. "Mas estamos no meio do deserto!" - "Fui mal informado", ele conclui), com expressões que se tornaram clássicas e intraduzíveis (quando ele diz brindando "Here's looking at you Kid"), com frases poéticas ("Nós sempre teremos Paris", ou a que diz "Você usava azul e os alemães usavam cinza"). Sem esquecer seu final clássico e super imitado, que teria sido rodado em apenas uma única tomada. E que, na verdade, tem uma conclusão ambígua se a gente prestar atenção no diálogo que pode sugerir uma ligação até homossexual entre os dois ("Meu caro Louie, este é o começo de uma bela amizade!").

Casablanca é um perfeito exemplo do melhor cinema de Hollywood. Excelente cenografia, fotografia expressionista, grandes atores (em particular os coadjuvantes), grande roteiro. Na época, Hollywood estava a serviço de uma causa, daí desculpar-se certos discursos a favor da liberdade (embora o duelo de hinos ainda seja comovente e não falte ao filme uma boa dose de ironia).

Antes de tudo, é um perfeito exemplo de como se contar uma história, com começo, meio e fim, e motivação. Prova também que cinema é um meio de atores, não há um coadjuvante, um extra que não tenha uma cara expressiva, quando não são verdadeiros monstros sagrados transbordando talento. Desde Peter Lorre, Sidney Greenstreet, S Z Sakall (o garçom), o excepcional Conrad Veidt, de Caligari como chefe nazista, e o antigo "Homem Invisível" Claude Rains. A única exceção seria Paul Henreid, mais do que compensado pelos outros. Bogart não poderia ser mais moderno, contemporâneo, e Ingrid não poderia ser mais linda. Uma aula de cinema, documento de uma época.

Curiosamente tem pouco a ver com a inexpressiva cidade marroquina (que como o nome indica é toda pintada de branco). Como sempre, Hollywood deformava a realidade, mostrando a vida não como ela é, mas como deveria ser.

A primeira edição nacional saiu sem qualquer extra mas esta nova vem em dois discos, além do filme restaurado digitalmente. No primeiro, tem introdução feita por Lauren Bacall (viúva de Bogart), trailer de cinema, comentário em áudio auxiliar do crítico Roger Ebert e outro do historiador Rudy Behlmer. No segundo, apenas extras já legendados: o bom documentário "You Must Remember This", apresentado por Lauren Bacall; "Os Filhos Relembram" (depoimento do filho de Bogart e das duas filhas de Ingrid, a atriz Isabella Rossellini e a crítica Pia Lindstrom); o desenho animado de Pernalonga satirizando o filme, "Carrotblanc"; uma hilariante e pobre adaptação do clássico para a televisão estrelada por Charles McGraw e Anita Ekberg; Cenas Inéditas (apenas duas delas e sem grande importância), Cenas alternativas (os chamados Outtakes, mostrando alguns detalhes da gravação - que para uma fita de mais de 60 anos é bem interessante e raro), destaque para a trilha musical; produção (Memoranduns e outros documentos da produção da fita); e um programa de rádio novelizando o filme com o mesmo elenco.

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