Nazarin (1958)

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2005

Nota 4

Uma das obras mais polêmicas de Buñuel, ainda em seu exílio no México e contando mais uma vez com a bela fotografia de Gabriel Figueroa, que só estreou no Brasil com 22 anos de atraso. Também é um de seus mais contundentes e sutis ataques ao catolicismo.

O padre Nazário, interpretado pelo espanhol Francisco Rabal, é um idealista alienado, cujas ações baseadas nos princípios da caridade e humildade cristãs produzem efeito oposto ao desejado. Ao agir sem refletir no contexto de seus atos, o padre cria um mundo de superstição, conflito e sofrimento, ao invés das desejadas paz e harmonia.

Buñuel se preocupou em salientar que o problema não está na mensagem de Cristo, e sim em seus intermediários, ao mostrar a prostituta jogando na fogueira uma imagem de São José, mas poupando o pequeno Jesus que ele carrega. É um filme perturbador e complexo, com várias leituras, e que Buñuel sempre se esquivou de explicar (em especial o enigmático e muito debatido final). Ele se limitava a debochar dos que equivocadamente interpretavam o filme como pró-católico.

Ganhou o Grande Prêmio Internacional em Cannes, criado especialmente para ele. Um grande e imperdível clássico, valorizado pela cópia de boa qualidade. Perde-se porém, a informação de que a ação se passa em 1900, durante a ditadura de Porfírio Diaz (semelhante a de Franco na Espanha).

Buñuel aparentemente foi fiel ao livro original de Benito Perez Galdos (o mesmo de quem adaptou depois "Tristana" e conhecido como o Charles Dickens espanhol). Mas faz outro tipo de leitura, enquanto no livro ele é exemplo de humildade e fé, aqui ele é uma espécie de Don Quixote. Sua vontade de fazer o bem só provoca desastres.

A seqüência mais ambígua é a final, aberta a várias interpretações. Sem ser exatamente blasfemo, o filme deixa clara a convicção do diretor no fracasso de toda ação inspirada no cristianismo.