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Ficha completa do filme

Drama,Policial

Acossado (1959)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2003
Nota 4

Bastidores: Primeiro longa-metragem do crítico Jean-Luc Godard, que junto com François Truffaut (que co-escreveu com ele o roteiro) e Claude Chabrol (que lhe deu apoio técnico) defendia a chamada "Política dos autores" na revista "Cahiers du Cinema". Embora Truffaut tenha assinado o argumento, pouco teve a ver com o filme, que foi basicamente improvisado dia a dia, usando luz natural, sem som direto (Godard gritava instruções para os atores durante as cenas), sem maquiagem (Jean usa make-up em apenas uma seqüência e chegou a largar o filme no primeiro dia depois de brigar com o diretor).

Foi esta fita que transformou em astro o jovem Belmondo (mais tarde, nos anos 70, seria a maior bilheteria da França) e salvou a carreira da jovem americana Jean Seberg (1938-79), que havia sido descoberta por Otto Preminger (admirado pelo Cahiers) mas fez uma sucessão de fracassos (inclusive "Bonjour Tristesse"). A partir deste filme, virou estrela, tanto em filmes de Hollywood quanto franceses, mas teve um final triste, se suicidando.

Rodado em Paris e Marselha, o filme traz participação especialdo diretor Jean-Pierre Melville (como um escritor inspirado em Vladimir Nabokov - que dá entrevista no aeroporto para Jean) e ponta do próprio Godard (o sujeito que reconhece Belmondo na rua e o denuncia para a polícia). Godard dedicou o filme à Monogram (que era a produtora de filmes B e C,quase sempre policiais, nos anos 30 e 40).

Em 1983, os americanos o refilmaram como "A Força do Amor" ("Breathless"), de Jim McBride, com Richard Gere e a francesa Valèrie Kaprisky, com um resultado curioso mas bem diferente do original.

Este é simplesmente um filme que revolucionou a maneira de fazer cinema. Talvez Godard nem conhecesse muito bem a gramática cinematográfica, mas o fato é que desobedeceu todas as regras vigentes, a ponto de logo nos primeiros minutos do filme, o protagonista virar-se para a câmera e dizer diretamente para o espectador, em francês, é claro "Vá se Fo". Ele usou um mínimo de luz artificial, câmera na mão, trabalhou sem roteiro, improvisando as cenas dia a dia (os diálogos foram dublados depois,mas ainda é possível se perceber a falta de sincronismo de algumas cenas). Enfim, "Acossado" é o que hoje se pode chamar de um filme mal feito. Mas esse amador era um crítico festejado, então o mundo inteiro bateu palmas e resolveu imitá-lo. Ainda mais porque veio com a aura de intelectual, repleto de citações literárias (a certo momento Patricia cita uma frase de William Faulkner: "entre a dor e o nada, eu prefiro a dor") e artísticas (Patricia prega um "affiche" na parede com uma pintura de Renoir e pergunta se ela é parecida com a figura).

O filme é principalmente uma homenagem aos filmes B americanos, em particular a Humphrey Bogart. No começo, Belmondo aparece admirando uma foto do ator (está passando seu último filme chamado lá "PlusDure sera la Chute/ Mais Forte será a Queda"- no Brasil, seu último trabalho levou o nome de "Trágica Farsa"/"The Harder They Fall", 1956). Mais tarde, ele imitará um gesto característico do ator (que é passar um dedo pelos lábios), o que se repetirá novamente na cena final do filme.

O personagem de Michel (que adota o pseudônimo de Lazlo Kovacs durante em parte da trama) é um típico pequeno bandido parisiense da época (e também do Cinema Francês de então), ainda usando chapéu, gravata, paletó e óculos escuros americanizados. Sem qualquer moral ou escrúpulo, ele sabe que vai morrer cedo ("Viver Perigosamente até o Fim", é uma das frases-chaves do filme e noutro momento diz "penso na morte não às vezes, mas o tempo todo") mas insiste em conquistar a jovem americana de apenas 20 anos (os cabelos muito curtinhos de Jean que ela lançou quando interpretou Joanna D'Arc, só a partir deste filme tornariam moda).

O filme é pouco mais do que um suceder de passeios em carros roubados, diálogos pretensiosos, cortes bruscos (é comum cortar de uma pessoa para ela mesma, um tabu na época, como se desse um pulo na imagem, hoje coisa aceita apenas em certos telejornais). Mas é preciso se transportar para o convencionalismo do cinema dos anos 50 para entender como a fita podia ser libertária. Godard estava dizendo que tudo é permitido, é só fazer, romper, quebrar as regras. Ocasionalmente há cenas mais eficientes como a da morte de Belmondo - numa seqüência famosa em que ele sai cambaleando pela rua e antes de falecer, faz algumas caretas para Jean (caretas que tinha feito antes no espelho) e depois puxa com as mãos os olhos para que eles permaneçam fechados. Também é forte a reação dela, olhando diretamente para a câmera, com um vago sorriso, repetindo o gesto de Bogart.

Por isso, é forçoso reconhecer o valor seminal deste filme, inclusive para o Cinema Novo Brasileiro e todo Cinema Moderno que foi beber em sua fonte. Mas poucos admitiram que se "Acossado" ainda mantém um certo charme, é principalmente pela feliz escolha de seus atores, a adorável Seberg e o carismático Belmondo.

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