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Ficha completa do filme

Terror,Suspense

Encurralado (1971)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2006
Nota 5

Entre outras coisas, um fenômeno. Na época, os filmes produzidos para a TV eram chamados de Premiéres Mundiais. Foi uma proposta da Universal fazer filmes especialmente para essa mídia, com veteranos ou com jovens que assim tinham sua primeira oportunidade. Os filmes se preocupavam apenas em contar uma história livre para menores, respeitando os intervalos comerciais de dez em dez minutos.

"Encurralado" foi produzido assim, e sua excepcional qualidade chamou a atenção da distribuidora CIC, da qual a Universal era sócia, e a pedido deles o filme foi alongado (de 74 para 90 minutos) para exibição nos cinemas europeus (entre as cenas incluídas, estão a do caminhão empurrando o carro contra um trem e a do protagonista telefonando para casa, feita contra a vontade de Spielberg).

Com isso o filme acabou ganhando o prêmio maior do Festival de Cinema Fantástico de Avoriaz, hoje extinto, fazendo boa carreira na Inglaterra e França e, logicamente, precipitando seu lançamento nos cinemas do mundo todo, com um extraordinário sucesso. Por sinal, muito merecido. O jovem diretor Steven Spielberg (então com 24 anos) rodou o filme em apenas 13 dias (o que ele diz que seria incapaz de fazer hoje) e soube dar a dimensão visual exata para o conto de Richard Matheson, que havia sido publicado pouco antes na revista Playboy americana.

Matheson era um dos roteiristas da série "Além da Imaginação", dos filmes que Roger Corman dirigiu baseados em Edgar Allan Poe e o autor de "O Incrível Homem que Encolheu" e "Omega Man: A Última Esperança da Terra" (e, mais tarde, também de "Em Algum Lugar do Passado"). E seu conto é uma daquelas idéias geniais. Quem assistiu "Encurralado" nunca mais será capaz de ultrapassar um caminhão numa estrada perigosa, sem pensar no filme.

As linhas gerais são muito simples. Um homem comum, típico membro da maioria silenciosa, ultrapassa um caminhão-tanque durante uma viagem de negócios de rotina. Quase sem notar, ele se vê num duelo mortal com o caminhão. Não é apenas uma questão de ultrapassagem, é uma luta de gato e rato, caçador e vítima. E aquele sujeito pacato de repente é obrigado a lutar contra um monstro fumegante homicida, do qual não se consegue nem mesmo identificar o condutor. Vemos apenas detalhes: suas botas, um braço, um gesto.

Na verdade é um duelo entre um homem e uma máquina, o caminhão (cujo pára-choque é repleto de placas de carros amassados), que vem decidido a matar, sem ao menos dar uma explicação, um motivo. O filme todo é a história desse duelo, como David Mann (Weaver, das séries de TV "Gunsmoke" e "McCloud") descobre que está encurralado num jogo mortal, cujas regras desconhece. A maior parte das situações já estava esboçada no conto.

Para o cinema, poucas coisas foram acrescentadas. Agora, a identidade do motorista do carro fica mais clara. Ele é um anti-herói, até meio patético, com voz fanhosa, meia-idade, que na noite anterior fugiu de uma briga numa festa e por isso foi desprezado por sua mulher. Suas preocupações são seu carro, o medo de estragar a pintura, de perder seu encontro de negócios. David é um sujeito tão pouco heróico que apanha do homem errado e comete a falta maior: tem medo, aliás, muito.

O filme, além de situá-lo melhor, acrescenta os episódios da bomba de gasolina (com a exposição de répteis), do casal de velhos e do ônibus escolar. Em nada diminui o impacto. Ao contrário, tudo é progressivamente dosado, a situação vai num crescendo (em ciclos, naturalmente, com as pausas para respiração) até o final espetacular. Beira a ficção-científica, como em "Os Pássaros". Um caminhão, mesmo envenenado, não poderia correr àquela velocidade. Pouco importa, o fascinante é a própria situação criada: as pessoas recusando-se a acreditar em David (como se ele tivesse visto um disco voador) e a quantidade de interpretações a que se pode chegar (desde poluição até à luta de máquina contra o homem).

De qualquer forma, Matheson fornece uma. Ele nunca foi homem de deixar passar uma oportunidade para fazer uma parábola. Então o personagem chama-se David Mann (semelhança óbvia com homem, em inglês) e tem de lutar contra o Golias, o gigante-caminhão. Além disso, seu carro carrega uma marca visível: Valiant (valente), uma triste ironia, no caso. Mesmo assim, "Encurralado" não é um filme para ser interpretado. É para a gente sentar na poltrona, mergulhar no clima de terror puro e participar ativamente das emoções deste duelo.

Um filme realmente empolgante e assustador, que deu origem à uma das carreiras mais bem sucedidas e brilhantes do cinema e cujas linhas gerais, Spielberg depois aproveitaria em aspectos de "Louca Escapada" e "Tubarão". Foi indicado ao Emmy de Fotografia. Edição caprichada faz jus ao filme.

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