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Ficha completa do filme

Comédia

O Discreto Charme da Burguesia (1971)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 15/07/2008
Nota 5



Premiado com Oscar de Filme Estrangeiro, concorreu também como Roteiro. Essa comédia, entre muitos filmes de Buñuel, merece ser citada dentre os melhores filmes do século 20 . Nela, o cineasta retorna ao melhor do espírito crítico surrealista. Não que a fita traga alguma coisa de inovadora, mas o fantástico é ver Buñuel retomar os mesmos temas e maneiras e encontrar novas maneiras de dizer as mesmas coisas.

O estilo ainda é clássico, quase "quadrado". Os personagens poderiam muito bem ter saído de "O Anjo Exterminador", em que convidados de uma recepção não conseguem deixar uma sala de estar, sem explicações lógicas; ou de "O Estranho Caminho de São Tiago", um resumo da vocação de Buñuel como "ateu histórico" . Essa coerência é visível até para o público leigo, que mesmo quando não compreendendo totalmente o filme pressente respeitosamente "só Buñuel poderia fazer isso".

Neste filme , Buñuel fez uma divertida e inteligente "brincadeira de salão". Seu alvo é a respeitabilidade e a hipocrisia burguesas, particularmente a Francesa. É nisto que se resume o "charme" dessa burguesia, discutir trivialidades do horóscopo, trocar mesuras e gentilezas e discutir profundamente sobre "qual a melhor maneira de se servir um carneiro ou tomar um vinho Borgonha".

Durante todo o tempo, esses aristocráticos felizes fazem tentativas frustradas de se banquetearem. Sempre alguma coisa sai errada. A data desencontrada, o almoço interrompido pelo desejo súbito, o chá na confeitaria esgotada, o jantar cortado pelo Exército em manobres, pela polícia em ação ou pelos Terroristas em revolta. Nada , absolutamente nada, interfere no sagrado ritual burguês. Mas por fim, a burguesia vai muito bem, obrigado. Sempre sorridente e bem arrumada. Continuará caminhando incessantemente por uma estrada asfaltada e sem fim.

A burguesia não morrerá nunca, afirma Buñuel. Essa afinal é a interpretação daquelas três seqüências que mostram os seis burgueses andando. O resto é parte das brincadeiras que o diretor faz com sarcasmo e ironia. Uma narração pode ser simplesmente interrompida porque um tenente de ar triste resolve contar sua infância ou um militar decide narrar o sonho macabro da noite anterior. Buñuel chega ao cúmulo de fazer um personagem sonhar que outro estava sonhando.

"Parte-se um sonho, cai-se noutro. Acredita-se estar no real, mas estamos no irreal", diz Buñuel. Essas quebras são pequenas armadilhas para o espectador, pistas falsas que todos se apressam em decifrar. No fundo, sem maior importância porque as coisas sérias Buñuel está dizendo às claras. Quando há algum diálogo mais comprometedor, Buñuel opta ele mesmo pela auto-censura, coloca um barulho de carro ou avião, um ruído externo cortando a conversa.

As críticas sérias permanecem. Os burgueses risonhos são traficantes de drogas com malas diplomáticas ou que praticam o adultério com elegância. A Igreja é arquiinimiga do diretor que ele aponta como a " última expressão do surrealismo". Mais contundente é crítica à política. A Polícia tortura impunemente, todos morrem de medo do "Fantasma do Brigadeiro Sangrento" e as ditaduras latino-americanas são condignamente representadas pelo Embaixador de um lugar chamado Miranda. Como ele afirma, "tudo vai muito bem em Miranda, os guerrilheiros já fazem parte de seu folclore, os estudantes são como moscas varejeiras e a Justiça não pode ser comprada".

Prossegue o embaixador: "Perdão, mas trinta homicídios por dia é um exagero! Miranda continua caminhando a passos largos em direção ao desenvolvimento, qualquer outra afirmação será um insulto pessoal". Qualquer semelhanças de discursos de outrora e de agora não são é mera coincidência.

Buñuel é mesmo um gozador. As coisas vão muito bem em Miranda e a burguesia iria para aquele país curtir sua temporada de verão - de onde certamente sairia outro filme genial. Com um elenco irrepreensível , destaque para a maravilhosa Delphine Seyrig (Marienbad) e Fernando Rey (Tristana como o Embaixador). Como é bom ver alguém consagrado lutando pelas mesmas verdades de sua juventude.

Uma curiosidade a respeito do filme: quando foi exibido no Brasil, a censura cortou uma frase numa cena em que um militar oferece maconha durante o jantar , deixaram apenas a resposta: "então, é por isso que no Vietnã bombardeiam tantos lugares errados!".

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