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Ficha completa do filme

Drama

11 de setembro (2002)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2003
Nota 1
11 de setembro

Parecia uma idéia arriscada, e foi uma iniciativa francesa do StudioCanal,pedindo a diversos cineastas do mundo inteiro para realizarem, com inteira liberdade, uma fita em episódios sobre o atentado ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Cada um teria apenas uma limitação de tempo (e certamente, orçamento). O Brasil ficou fora porque Walter Salles recusou, alegando que não saberia o que dizer ou filmar. Azar o dele: o resultado foi muito melhor do que se podia esperar e também mais polêmico,a tal ponto que periga nem passar direito nos EUA.

De qualquer forma, com poucas exceções, o filme surpreende. Começa com uma ridícula arte do mapa-mundi, localizando cada diretor e lugar do mundo. O primeiro episódio é curiosamente o melhor, quase uma obra-prima. Quem o fez foi a iraniana Samira Makhalmabafi, justamente a que estava na pior situação, já que é uma mulher islâmica, de um país inimigo. No entanto,conseguiu se sair lindamente, ao mostrar a repercussão do atentado num grupo de alunos, crianças de um campo de refugiados afegãos no Irã. Quando a professora tenta lhe contar os fatos, eles discutem se Deus poderia ter feito algo assim. O final com a chaminé da olaria é especialmente pungente. Sem discursos, sem panfletarismo, sem atacar ninguém, ela disse tudo, numa visão humana e poética. Palmas para ela.

O segundo episódio é do francês Claude Lelouch e também surpreende, já que ele anda com uma reputação meio duvidosa. Mas é brilhante sua idéia de mostrar uma surda-muda, deficiente mental, em crise com o namorado, um guia de turistas que está saindo para ir ao WTC justamente quando irá suceder o atentado. Ela tem uma intuição e tenta impedi-lo. Quando vai romper o namoro e não vê na TV os acontecimentos (a única vez em que se mostram as imagens reais em detalhes). É muito boa idéia colocar uma deficiente auditiva (ou seja não ouvimos nada, só as legendas). É uma grande sacada também como produção (um único apartamento em estúdio).

O do egípcio Youssef Chahine é dos piores, mais mal realizados, com atores ruins (um deles faz o papel do próprio diretor), mal maquiados. Pretende ser o mais polêmico e autobiográfico, mostrando uma discussão do cineasta (seu alter ego) com o fantasma de um soldado americano (com cara de árabe) que sabe-se lá o porquê, sai das águas. Ficam discutindo o certo e errado, dando algumas alfinetadas nos americanos. Mas é tão inconsistente que mal chega a ser provocador.

Muito fraco O próximo, de Danis Tanovic ("Terra de Ninguém"). É difícil de entender já que não dá explicações. Mostra, no dia do atentado, mulheres que irão participar de um protesto sobre outro massacre, acontecido em 1995(fiquei sabendo isso pela sinopse - já que pela fita não dá). O filme fica perdido no limbo das boas intenções não realizadas. O seguinte é africano de Burkina-Faso e pouco conhecido aqui, Idrissa Oedraogo, e tem o charme e o improviso do país. Único a revelar senso de humor, mostra um garoto estudante que, com mãe doente, acha que viu o Bin Laden em sua cidade e quer capturá-lo com os amigos para ficar com a recompensa e cuidar dela. Diz coisas importantes, por vezes brincando, quase como uma fábula. Muito simpático e inteligente, tem até uma carinha de brasileiro.

O inglês Ken Loach é esquerdista das antigas e tem uma sacada no episódio 6. Relembra que no mesmo dia, anos antes, houve a queda do presidente Allende, do Chile, derrubado por militares de Pinochet - golpe financiado e sabe Deus o que mais pelos americanos, provocando muitas vítimas. Ou seja, golpe nos países alheios eles podem fazer. Mas a moral é clara e até oportuna, tudo isso é mostrado numa carta de um verdadeiro refugiado chileno que vive em Londres, além do filme ser ilustrado com imagens de documentários da época. Tudo como num filme engajado, sem qualquer sutileza, como a esquerda festiva de antigamente. No meu caso, não me apetece este tipo de raciocínio primário e imediato.

O sétimo é o único feito por um latino americano - e também o pior espisódio. Quem o cometeu foi Alejandro Gonzales-Inarritú, de "Amores Perros", que teve a tola idéia de mostrar apenas uma tela escura com ruídos do atentado. As únicas imagens são de pessoas se jogando das torres - justamente aquelas que as TVs evitaram mostrar por serem chocantes demais. É uma experiência (Andy Warhol e Derek Jarman), uma primeira idéia mal desenvolvida e mal transada. Dá vontade de mudar o capítulo do DVD. Voltamos com o do israelense Amos Gitai, que é um tour de force, um plano-seqüência sem cortes, muito difícil de realizar, mostrando a agitação nas ruas de Tel Aviv quando sucede um atentado a bomba, com repórter tentando se intrometer. (A TV não coloca isso no ar porque o aterntado de Nova York é mais importante). Tudo muito gritado, agitado mas bem realizado e curioso,mostrando a relatividade de tudo (o próximo deveria nos atingir mais), com bastante ironia.

E sem fazer discurso,a indiana Mira Nair conta uma história real, de uma família de paquistaneses que procura por seu filho naturalizado americano,que desapareceu no atentado e por isso é considerado suspeito de terrorismo. Final irônico e tocante. Como é o único do gênero,acaba funcionando bem no contexto dos outros. Importante lembrar que Índia e Paquistão estão em guerra. O único curta americano é o do ator Sean Penn, que fez uma espécie de fábula sobre um aposentado solitário que vive com as lembranças da esposa. Todo rodado em estúdio, num único set (um velho apartamento), é um show de interpretação do veterano Ernest Borgnine. No final das contas, trata-se de uma fita poética e sensível (como aliás tudo que faz Penn como diretor).

A fita se encerra com outra visão poética, desta vez do japonês Shoei Imamura, que conta a história de um homem que volta da Segunda Guerra se arrastando como uma cobra. É meio difícil de entender o sentido da situação e porque a ligação com o 11 de setembro. Acaba ficando meio vago mas ao menos há uma condenação ao ser humano (muitas vezes é melhor ser cobra do que homem). No resultado final, fora a bobagem mexicana e o sectarismo de Loach, o filme é sério, sensível, inteligente, não faz louvações patrióticas, e procura discutir (visual e cinematograficamente) as repercussões e razões do atentado, nunca justificando-o ou simplesmente condenando-o. Parece uma prova de capacitação profissional em que quase todos se saíram muito bem.

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