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Ficha completa do filme

Documentário

Entreatos (2004)

Resenha por Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Especial para o UOL Cinema 01/01/2006
Nota 4

Vi poucos filmes do João, irmão de Waltinho Salles, que tem uma excelente reputação como documentarista. Mas não há dúvida que ele demonstra grande talento neste filme (certamente ajudado pela fotografia e câmera do mestre Walter Carvalho, de tal forma que fica difícil dizer quem fez o quê).

Numa narração curta em voz off, o diretor afirma que teve todo acesso ao então candidato Lula e seu staff, que não exigiu qualquer controle sobre o resultado (mas numa frase solta, ouve-se ele é amigo e obviamente o filme não mostra nada de desagradável ou desabonador, muito pelo contrário).

A idéia não chega a ser original já que nos EUA se fez coisas parecidas com documentários sobre as convenções eleitorais, mas quase sempre com algum apresentador ou fio condutor. Aqui é a própria câmera que vai nos levando por alguns dias atrás de Lula, quando se pensava que ele poderia ganhar ainda no primeiro turno. O diretor não intervém, não faz perguntas.

Ele mesmo admite que com todo o material filmado poderia ter feito filmes diferentes com propostas diferentes. Optou por evitar o Lula público e se fixar nos bastidores, quase um Making of. Lula nunca fala para a câmera, finge se esquecer dela, agindo com total naturalidade. Ou fingida naturalidade, porque tem confiança no resultado. Não esconde possíveis defeitos, assumindo que odiava ser metalúrgico, se gabando que é o único líder político real do Brasil, admitindo que gosta de tomar seus tragos (e criticam Fernando Henrique por não beber), tem frustração em não saber batucar. E com freqüência usa palavrões com naturalidade.

Em qualquer outro país, um presidente desses seria um escândalo. Mas é o Brasil e ele sai com cara de brasileiro, de gente normal e o resultado é extremamente favorável a ele. Não fala errado, demonstra bastante conhecimento e ponderação. Não me venham dizer que num período tão longo ele não tenha dado alguma mancada, o que deve ter sucedido é que optaram por não mostrar nada desabonador. Há apenas um momento onde pedem para falar em particular de portas fechadas (se houve outras, não mostram).

Claro que as cabeças pensantes por trás do presidente acharam que um filme desses seria proveitoso e no futuro será essa imagem que a fita registrou que vai ficar para a História. Claro que manipulado, mas com tal habilidade que resulta uma total impressão de naturalidade e mesmo sinceridade. Afinal, pensem numa coisa semelhante com um Bush por exemplo. Seria assustador?

A intenção do filme é justamente a oposta, humanizar o presidente, deixá-lo contar causos e conversar com as pessoas, ou seja, aquilo que sabe fazer melhor (alguns assessores dele já não se saem tão bem). Visto porém depois dos escândalos com a equipe do presidente, o filme se torna mais revelador, mesmo sem querer. Observem e vejam o que acham.

O realizador consegue belíssimos planos (admirável, aquele em que Marisa descansa nos ombros do marido, ambos sentados no chão vendo documentário sobre ele na Bandeirantes). E conclui de maneira perfeita (com a câmera se afastando da multidão de jornalistas que o atropela). O filme só foi liberado para DVD depois da reeleição de 2006, em disco duplo, com o subtítulo Lula a 30 dias do poder.

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