Homenagem a monstros japoneses abraça o inverossímil, mas intriga
Homenagem do diretor Guillermo Del Toro aos seriados e filmes japoneses de monstros e robôs – gênero conhecido como tokustasu –, “Círculo de Fogo” é um filme instigante.
Num futuro não muito distante, monstros gigantes (chamados de kaijus) surgem do fundo do Pacífico e começam a atacar as cidades costeiras dos países banhados pelo oceano. Para combatê-los, os governantes criam o Programa Jaeger, destinado a desenvolver robôs igualmente gigantes, capazes de combater os monstros.
Se não é sensacional, o roteiro ao menos cria um universo que, apesar de inverossímil (e aqui vale destacar que o diretor afirmou que não queria ter nenhum compromisso com a realidade), intriga. Por que os alienígenas vêm do fundo do mar, e não do espaço? O que esses monstros querem na Terra? O que existe do outro lado da fenda que faz a ligação entre nosso planeta e o “além”?
As questões são respondidas ao longo do filme, enquanto outros elementos interessantes de ficção científica são adicionados, como a conexão neural entre os pilotos dos Jaegers (e a tentativa de um cientista de fazer o mesmo com um kaiju), as diferenças entre os robôs criados por cada país e as dificuldades em se atacar o problema na sua origem – a fenda.
Outros aspectos da trama, entretanto, são pouco explorados. Em uma produção em que as cenas de luta entre robôs e monstros duram vários minutos, os humanos, nos escassos momentos em que têm o direito de aparecer na tela, precisariam ter histórias muito bem desenvolvidas, mas não é isso que acontece.
Em um exemplo emblemático, quando, após muita luta, a japonesa Mako Mori (interpretada por Rink Kikuchi) consegue desferir um golpe eficaz no kaiju contra o qual está lutando, afirma, com raiva: “Essa é pela morte da minha família”. Mas que família?
Nesse quesito, o personagem Hannibal Chau, vivido pelo ator Ron Perlman (que já trabalhou com Del Toro na franquia “Hellboy”), é um bom respiro. Mesmo que coadjuvante, o comerciante clandestino de restos de kaiju é mais cativante que os heróis cujas falhas parecem perfeitas. Idris Elba, ator conhecido pelo personagem Stringer Bell na série “A Escuta”, também faz boa atuação.
Sem utilizar o recurso de captura de movimentos, pois queria que os robôs se movimentassem como robôs – e não como humanos – Del Toro recorreu quase que unicamente à computação gráfica para as cenas de batalha.
O resultado ficou bonito, mas o excesso de raios, chuvas e outras “impurezas” em todas as cenas levam a pensar se, em vez de criar um clima tenso – como afirmou ser sua intenção – o diretor não estivesse querendo esconder defeitos dos Jaegers e kaijus quando em movimento.
As referências ao universo de monstros e robôs da cultura pop japonesa são outro ponto alto do filme. Desde as origens dos monstros, passando pelas armas e recursos dos robôs até os campos de batalha há paralelos entre “Círculo de Fogo” e séries como Jaspion, Jiraya e o longa “Godzilla”, de 1954.
Com atores pouco conhecidos, sem nenhum super-herói carismático, um visual que pode ser confundido com o de outros filmes de robôs e uma “mocinha” que não tem os olhos azuis padrões de Hollywood, pode parecer difícil encontrar motivos para assistir “Círculo de Fogo”. Mas ao misturar elementos de ficção científica com boas cenas de ação – ainda que os humanos sejam deixados de lado –, Del Toro conseguiu fugir do óbvio usualmente visto nas produções do gênero.
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