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Conheça Görlitz, cidade alemã que foi cenário de "O Grande Hotel Budapeste"

Estefani Medeiros

Do UOL, em Görlitz (Alemanha)

03/07/2014 06h00

Os termômetros marcam menos dez graus em Görlitz, cidade da Alemanha com clima interiorano que faz fronteira com a Polônia. Bill Murray pede uma bratwurst, o tradicional petisco da cozinha alemã, que se resume a uma linguiça frita nadando na mostarda em um pratinho de papel descartável. "Bem apimentado, por favor", pede, simpático, para a garçonete da lojinha de rua.

Enquanto espera, o ator que interpreta M. Ivan em "O Grande Hotel Budapeste", filme que estreia nesta quinta-feira (3) no Brasil, faz piada com duas crianças na calçada. Em qualquer centro urbano, Murray estaria cercado por paparazzi ou curiosos, mas em Görlitz esta é uma cena corriqueira. A cidade escolhida por Wes Anderson para dar vida a Zubrowka, a república fictícia de seu novo longa, é famosa por ter hóspedes como George Clooney, Quentin Tarantino e Brad Pitt frequentando seus hotéis e restaurantes.

Em filmes como "Bastardos Inglórios" e "Caçadores de Obras-Primas", a praça principal de Görlitz virou palco da Segunda Guerra Mundial. Mas a verdade é que esta é uma das poucas cidades alemãs que escapou quase intacta dos bombardeios durante o conflito e das transições políticas seguintes.

Hoje reúne 4.000 construções góticas, renascentistas, barrocas e casarões abandonados que servem como um retrato preservado da Europa pré-guerra, com a vantagem de ser menos agitada que Praga, na República Tcheca, ou Bruxelas, na Bélgica. A discrição dos moradores unida à arquitetura tradicional e ao preço acessível das locações já atraiu diretores de 69 filmes.

Ajuda dos moradores da cidade

Para "O Grande Hotel Budapeste", Anderson pediu cerca de mil figurantes. Na produção, estima-se que empregou mais 500, além de encomendar acessórios, figurinos e doces de artesãos e confeiteiros locais. Foi o suficiente para criar um burburinho na cidade com pouco mais de 55 mil habitantes, que fez um baile no salão principal da localidade, com todos vestidos em trajes da década de 1920 para comemorar a estreia do filme.

Com jeitinho acolhedor, a confeiteira alemã Anemone Müller-Grossmann também deixou sua marca. A encomenda do diretor era a criação de um doce tradicional vistoso. A chocolateira criou cerca de mil profiteroles caramelizados de três andares que são servidos na fictícia doceria Mendl's. Infelizmente, no seu Cafe Care, o "courtesan au chocolat" não está disponível.

"Eles são bonitos de se ver, mas são extremamente doces e tem muito corante. Muitas pessoas me perguntam sobre eles, mas não dá para vender. A equipe do filme comeu e achou gostoso, mas na maior parte do tempo eles eram usados nas filmagens", disse ao UOL em sua charmosa loja. Para compensar, ela gravou um vídeo disponibilizando a tão pedida receita na internet, que inspirou fãs do longa em Portland, nos Estados Unidos, a tentarem a criar suas versões.

Por uma vaga na produção

A estudante chinesa Youyou Yahn se apaixonou pelos filmes de Anderson após "A Vida Marinha de Steve Zissou" (2004). Morando em Bremen, cidade ao norte da Alemanha, descobriu que a equipe passaria dois meses gravando no país. Com pouco dinheiro e a ajuda de amigos, decidiu fazer uma viagem de cinco horas de ônibus para acompanhar alguns dias das gravações e criar sua oportunidade de trabalhar nos bastidores da produção. Seu objetivo era mostrar um vídeo que produziu inspirada pelos filmes de Wes.

No Facebook, ela pediu a ajuda dos amigos para criar táticas de aproximação, e a perseguição resultou em dois encontros. No primeiro, ela conta ao UOL que "ele falou devagar e firme que não era o momento certo". "Na hora me deu um branco. Me senti estúpida por não ter pensado realmente no que dizer, mas acho que é porque, no meu subconsciente, nunca achei que aconteceria", disse.

No mesmo dia, seguiu o mini carrinho de golf que o diretor usava para dirigir pela cidade, e descobriu acidentalmente o set do filme. Espiou o seu trabalho por detrás de cercas, tentou arriscar um alemão com os seguranças, ficou amiga de assistentes técnicos, até que Anderson a viu pela segunda vez. "Algumas pessoas riram e falaram algo como: 'Olha ela aí de novo'. Então ele se aproximou, me chamou pelo nome e pediu que eu mostrasse o material a sua sorridente assistente e passou a mão pela cerca para me cumprimentar".

Sobre a vaga de trabalho, Youyou brinca que "até hoje não responderam". Mas a experiência e o material coletado no set renderam um currículo elaborado, que inclui três trailers alternativos para o longa, além do "Guia da Seguidora Inofensiva de 'O Grande Hotel Budapeste'", com suas entrevistas com moradores locais.

Trailer legendado de "O Grande Hotel Budapeste"

Hollywood europeia

Nas ruas da cidade, muitos moradores já tiveram encontros com as celebridades e conhecem os pontos favoritos dos artistas. É sabido que Murray adora a loja de molhos artesanais e salsichas a dois euros, e que um dos passeios favoritos do lobby boy Tony Revolorie era cruzar a ponte do rio Neisse em cinco minutos para jantar na Polônia. Ou a equipe do filme ia nos finais de semana para o único boliche da cidade tentar ganhar de F. Murray Abraham, o Mr. Moustafa do longa.

Nas agências de viagens, os guias são instruídos a valorizar o desenvolvimento cinematográfico. As paradas indicam de qual janela Jackie Chan saltou durante as gravações de "Volta ao Mundo em 80 Dias", o que levou uma cervejaria a batizar sua rua com o nome do ator chinês. E ainda revela em suas praças e esquinas cenários de filmes como "O Leitor" e "A Menina que Roubava Livros".

Nas lojinhas de souvenir, os cartões postais estampam uma fotomontagem da montanha Hausberg com um letreiro inspirado no ponto turístico mais conhecido de Beverly Hills: para quem mora ali, Görlitzer já virou Görliwood.