Sophia Loren chega aos 80 anos como mito maior do que Marilyn e Bardot
Se a América teve Marilyn Monroe e a França teve Brigitte Bardot, a Itália teve Sophia. Teve e tem, diga-se, já que chega neste sábado (20) aos 80 anos tendo atrás de si uma das mais fascinantes carreiras do cinema europeu.
Ao contrário de BB e Marilyn, porém, Sophia Loren não foi um mito instantâneo. Foi aos poucos que seu nome foi se impondo. Filha ilegítima de um engenheiro e de uma professora de piano, Sophia nasceu e cresceu pobre, nas proximidades de Nápoles.
Tendo ido morar em Roma aos 16 anos, logo participou do concurso de Miss Itália. Na época, o concurso era uma fábrica de estrelas do cinema italiano. Por lá passaram, apenas no ano de 1947, Lucia Bosè, Silvana Mangano, Gina Lollobrigida, Eleonora Rossi Drago e Gianna Maria Canale --todas estrelas de primeira linha da época de ouro do cinema italiano.
Casamento e escândalo
Sophia ficou em segundo lugar no concurso de 1950: era o bastante para conseguir alguns pequenos papéis na Cinecittà. Quem a nota, em 1952, e imediatamente a lança na primeira linha do cinema italiano, no entanto, é Carlo Ponti, ao lado de Dino DeLaurentiis, o principal produtor de cinema do país. Ponti, aliás, logo se separa da mulher para ficar com Sophia.
Em 1954, ela consegue o principal papel feminino em “Duas Noites com Cleópatra”, de Mario Mattoli, e nos anos seguintes se firma trabalhando com diretores de primeira linha (Alessandro Blasetti, Dino Risi, Mario Soldati).
O prestígio que obtém não evita o escândalo que foi o casamento com Ponti por procuração, no México. Explica-se: na Itália não existia divórcio, de maneira que Carlo Ponti passou a ser perseguido por poligamia, enquanto Sophia era considerada meramente sua concubina. O escândalo forçou Ponti a transferir seus negócios para Paris, enquanto Sophia passaria os próximos anos de sua carreira nos Estados Unidos.
Como a maior parte das atrizes italianas nos EUA (a começar por sua concorrente, Gina Lollobrigida), a maior parte dos filmes em que trabalhou não se notabilizaram, com exceção de “A Orquídea Negra”, de Martin Ritt, e da superprodução “El Cid”, de Anthony Mann.
O mito
Foi filmando na Itália, no entanto, que obteve seu maior sucesso como atriz. Foi a partir do reencontro com Vittorio de Sica, com quem filmara anteriormente “O Ouro de Nápoles” (1954), que o mito de Sophia começou de fato a nascer: com “Duas Mulheres” (1960), ela ganha pela primeira vez o David de Donatello, maior prêmio do cinema italiano, de melhor atriz (ganharia outras cinco vezes). Ganha também o prêmio de interpretação feminina no festival de Cannes e, em seguida, o Oscar.
O que pedir mais? A partir daí não era vista apenas como uma bela comediante, mas também como uma bela atriz. Cada vez mais bela, aliás. Já tinha em seu currículo trabalhos com galãs como Cary Grant e Clark Gable, diretores como George Cukor e Martin Ritt. Ao longo dos anos 1960 haveria ainda Marlon Brando e Charlie Chaplin (“A Condessa de Hong Kong”), sem contar as parcerias com De Sica (sete filmes) e Marcello Mastroianni (12 filmes).
Não havia mais dúvida: Sophia Loren era a própria imagem da Itália, deixando para trás Claudia Cardinale e Monica Vitti, entre outras tantas atrizes belas e talentosas do período.
Talvez para completar, em 1966, após a anulação do primeiro casamento de Carlo Ponti (o divórcio só seria legalizado na Itália a partir dos anos 1970), ela pôde se recasar, desta vez para sempre, com esse homem 22 anos mais velho do que ela, e que Sophia ainda tinha na conta do pai que nunca tivera.
A carreira seguiria triunfal ao longo dos anos 1960 e 70, com sucessos como “Ontem, Hoje e Amanhã” (1963), “Matrimônio à Italiana” (1964), “Os Girassóis da Rússia” (1970) --todos com De Sica e Mastroianni--, culminando com “Um Dia Muito Especial” (1977), de Ettore Scola (e de novo com Mastroianni, que lhe deu, pela última vez, o David de Donatello.
Não seria este, no entanto, seu último prêmio. Entre outros, receberia em 1995 o Oscar honorário, ocasião em que foi chamada de “um dos verdadeiros tesouros do cinema mundial”.
Sim, Sophia foi aos poucos, mas é preciso admitir que se tornou um mito talvez até maior do que Marilyn e Brigitte.
*Inácio Araújo é crítico de cinema do jornal Folha de S.Paulo
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