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"O Hobbit" e o dia em que um avião sobrevoou a Terra Média, mas ninguém viu

Divulgação
Imagem: Divulgação

Diego Assis

Do UOL, em Wellington (Nova Zelândia)*

07/11/2014 09h00

A Batalha dos Cinco Exércitos está pegando fogo. Diante de uma cidade destruída, Gandalf e Bard resistem, atravessando orcs com suas pesadas espadas medievais. "A ponte foi tomada! Chame mais arqueiros", grita o velho mago, enquanto um avião sobrevoa a cena. Um o quê?!

Quando o filme chegar aos cinemas, em dezembro deste ano, o público de "O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos" jamais verá a aeronave comercial que invadiu a gravação naquele 13 de junho de 2013, em que o UOL acompanhou o dia de trabalho no set do filme, na Nova Zelândia. Não porque a tomada de número 4 não tenha sido boa, mas porque tudo, cada milímetro de imagem captado para o longa, pode ser eliminado, retocado ou alterado pelo time de efeitos especiais da Weta Digital, o premiado estúdio local que cresceu junto com o sucesso das duas trilogias de Peter Jackson.

"Nosso papel aqui é reunir toda informação que precisarmos para usar mais tarde: fazemos fotos 3D de todos os atores, de todos os cenários e objetos de cena. Temos uma versão digital integral já pronta de tudo o que está sendo filmado", revela Eric Saindon, que trabalha ao lado do diretor no set, como supervisor de efeitos visuais. Com a ajuda desses scans e de telas de fundo verde espalhadas pelo cenário, ele e o pessoal da Weta podem dar fim àquele avião invasor como se exterminassem uma mosquinha inconveniente e irritante.

A tecnologia não para
Último dos seis filmes de Jackson dedicado à obra de J.R.R. Tolkien, "A Batalha..." é também o que se beneficiou mais dos avanços tecnológicos na indústria cinematográfica na última década. Se a trilogia "O Senhor dos Anéis" foi gravada em película e com imagens em 2D no final dos anos 90, para adaptar "O Hobbit", dez anos depois, o diretor decidiu filmar tudo em 3D, de maneira 100% digital e com inéditos 48 quadros para cada segundo de cena - o que, entre outras vantagens, garante cenas de ação menos "borradas", mas exige o dobro de trabalho.

"A gente sempre está mudando, mesmo dentro dos filmes da trilogia. Essa é uma coisa que muitas companhias de efeitos especiais não gostam de fazer, mas nós achamos que a única maneira de estar na vanguarda é evoluindo", defende Saindon. "De verdade, todo mês nós mudamos algo nas nossas ferramentas de trabalho. Para a fase de pick-ups [quando Jackson reconvocou o elenco para refazer cenas que não foram feitas na primeira leva de filmagens do 'Hobbit'], nossos scanners 3D são diferentes do que os que usamos naquela época. Quando escaneávamos um cenário, tínhamos uma resolução de 1 mm; agora, estamos chegando a 0,1 mm de resolução nas texturas", compara.

Mesmo com a complexidade aumentando, no entanto, a corrida nos corredores da Weta Digital é para que os problemas sejam resolvidos em um espaço cada vez mais curto de tempo. Na primeira trilogia, o estúdio neozelandês levou dois anos para trabalhar em Gollum - personagem criado por computador que acabou se tornando uma das faces mais conhecidas das adaptações de Tolkien no cinema -, enquanto que, nos dias de hoje, uma criatura digital como o vilão Azog (visto de costas na foto acima) fica pronta em menos de um mês.
 
"Nos 'Anéis', fazíamos todas essas coisas à medida que apareciam os problemas. A gente ia aprendendo realmente enquanto as filmagens avançavam", lembra o artista de efeitos visuais veterano Joe Letteri, diretor do Weta Digital e vencedor de quatro Oscars ("As Duas Torres", "Retorno do Rei", "King Kong" e "Avatar"). "Dez anos depois disso, a gente aprendeu como consolidar tudo isso."
 
Entre as novas tecnologias mais importantes usadas na trilogia mais recente, Letteri destaca o software Tissue, que simula um avançado sistema de esqueletos e músculos para cada monstro ou criatura virtual vistos na tela.
 
"Nós construímos uma anatomia interna, que é o único modo de ter certeza de que elas estarão fisicamente corretas quando se movimentarem. Cada um dos personagens tem um esqueleto se movendo dentro dele, um sistema muscular completo e, sobre eles, uma camada de gordura e outra de tecido. Tudo é feito para simular cada um desses elementos, funcionando simultaneamente. Você vê os músculos se movendo, a gordura balançando, os tecidos e cada fio de pelo sobre eles. Tudo interagindo dinamicamente como deve ser no mundo real", resume.

VEJA O SEGUNDO TRAILER DE 'O HOBBIT: A BATALHA DOS CINCO EXÉRCITOS'

Cabeças de orcs vão rolar
Quem tem a chance de acompanhar o trabalho no set do novo "Hobbit" percebe que não são só eventuais aviões indesejados que terão de ser apagados mais tarde pelos profissionais da Weta. Enquanto a reportagem assistia a gravações de algumas das cenas da Batalha dos Cinco Exércitos - um conflito épico envolvendo diversas das raças criadas por Tolkien na saga dos anéis - era comum enxergar inúmeras marcações em forma de pontinhos ou cruzes coloridas, que servem para guiar o trabalho dos profissionais de pós-produção e efeitos.
 
"No mundo [da filmagem em] 3D, nós temos de colocar cada coisa exatamente no lugar e na profundidade certa, até a neblina. É preciso muito mais planejamento na preparação dos efeitos visuais, por isso coletamos tanta informação", justifica o supervisor de set Saindon, enquanto aponta para um sujeito que caminha pela cena carregando duas bolas, uma cinza e uma prateada, que servem para registrar a luz que incide nos objetos do cenário e depois recriá-la em estúdio para iluminar eventuais inserções digitais.
 
Assim como o homem das esferas, muitos dos figurantes contratados como orcs que circulavam pelo set naquele dia com a região dos olhos pintada de tinta preta e gorros de lã preta na cabeça também não poderão mostrar aos filhos alguma cena em que efetivamente aparecem em "O Hobbit - A Batalha dos Cinco Exércitos". Ao menos, não integralmente.
 
"Para cenas assim, a gente dá uma turbinada neles. Alguns não estavam tão bem, algumas expressões duvidosas. Então a gente vai lá, corrige coisas no corpo e troca as cabeças de alguns desses caras", entrega Saindon.
 
O procedimento é prática corriqueira desde o primeiro "Hobbit" e afeta outras criaturas da história, como explica Letteri. "Quando usavam máscaras, eles não sabiam para onde estavam caminhando, então veio a ideia de remover as cabeças e substitui-las depois. Mas, uma vez que chegamos tão longe, pensamos, quer saber?, a gente poderia recriar alguns de forma mais interessante se fizermos tudo digitalmente e não nos restringirmos ao que um ator dentro de uma fantasia consegue fazer. Criamos essas versões animadas dos goblins. [Os atores] foram completamente substituídos", lembra o chefão da Weta, em cuja Terra Média não tem Santos Dumont, mas tem muito Charles Darwin.
 
* O jornalista viajou a convite da Warner Bros.