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Mais do que terror, filme "A Bruxa" é uma discussão sobre feminismo

Mariane Zendron<br>Renata Nogueira

Do UOL, em São Paulo

08/03/2016 13h32

O terror "A Bruxa", em cartaz nos cinemas brasileiros, é um filme assustador. E não só pelas características intrínsecas ao seu gênero, mas também pela mensagem que traz em sua história: as mulheres do século 17 que eram tratadas como bruxas por não se encaixarem em um padrão preestabelecido. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.

"A Bruxa" se passa em 1630 e conta a história do patriarca William (Ralph Ineson), da mulher (Kate Dickie) e dos cinco filhos, expulsos de uma vila regida pelas regras do puritanismo. Apesar da comunidade ser ultraconservadora, o pai, apegado à Igreja com um alto grau de fanatismo, é considerado um sinal de desequilíbrio daquela vila. A família, então, reinicia a vida em um vale, mas passam a ser ameaçados por uma suposta bruxa que mora na floresta ao lado.

Na história, as mulheres da família se tornam suspeitas de bruxaria, desde a caçula de cinco anos até a mãe, uma religiosa fervorosa. Mas a principal suspeita é a filha mais velha, Thomasin (Anya Taylor-Joy), uma adolescente que demonstra ter mais opinião do que lhe era permitido na época.

"No creo en brujas, pero que las hay, las hay"

Estreia de Robert Eggers na direção, que trabalhou com cenografia e figurino de diversos curtas de contos de fada, o filme é uma ficção criada a partir de relatos reais da época pesquisados pelo cineasta, alguns endossados pela Justiça, segundo o próprio Eggers contou ao UOL. O terror também tem uma ligação com o Brasil, já que foi financiado pela produtora RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira.

Tanto para o diretor quanto para a atriz Anya Taylor-Joy, a única explicação lógica para se levar mulheres à fogueira era a crença de que toda mulher tinha obrigação de ser uma santa virtuosa comparável à virgem Maria. "Você tem que entender uma coisa: se uma sociedade inteira acredita em algo, aquilo existe", disse o diretor. "Metafisicamente, hoje em dia não acreditamos em bruxas. Mas este medo do poder feminino e o processo de transformá-lo em algo obscuro e mau, as sombras disso ainda existem hoje."

Nos contos clássicos, a bruxa é sempre uma mulher que mora sozinha na floresta e que sabe lidar com plantas, podendo criar remédios poderosos. Segundo a doutora Carla Cristina Garcia, do departamento de sociologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), o processo de endemonizar mulheres curandeiras é uma campanha de marketing bem-sucedida na Igreja Católica, principalmente no período de Caça às Bruxas, que matou pessoas até o século 18.

"O processo de Inquisição da Igreja foi tornando essas mulheres curandeiras em figuras do mal porque elas eram consideradas as médicas do povo. Sabiam mexer com as plantas. E aquilo que cura também pode matar. Isso dá muito poder à pessoa", afirma a especialista. "Há uma ameaça econômica aí, mas também uma questão de misoginia, que vai colocando a mulher em uma função subalterna. Essas bruxas eram consideradas mulheres do demônio, como as freiras eram as mulheres de Jesus. Porque, afinal, mulher não tem outra função que não seja ser esposa de alguém, não é mesmo?", ironiza a professora. 

Ainda sobre a figura clássica das bruxas, "essa coisa de colocar a bruxa sentada em uma vassoura tem a ver com a irreprimível sexualidade das mulheres". O que se faz, então, é sugerir que essa mulher transa com o demônio. Mas nem sempre foi assim, segundo Carla Cristina. "Até a Idade Média, a divisão do trabalho não tinha hierarquia de gênero. A mulher tinha uma função social importante dentro da economia de uma sociedade que não era capitalista. Com o empurrão da Igreja, nós mulheres fomos perdendo poder e nos tornando invisíveis nesse processo histórico". 

 

Assista ao trailer de "A Bruxa"

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