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Brasileiro permitiu fazer o filme que eu queria, diz diretor de "A Bruxa"

James Cimino

Colaboração para UOL, em Los Angeles (EUA)

02/03/2016 15h42

Filmes de terror que realmente causam medo não são fáceis de encontrar. Por isso, é bom aproveitar este fim de semana para assistir a “A Bruxa”, um destes autênticos filmes de terror que não arrancam gargalhadas nem se limitam a enojar a plateia gratuitamente com cenas e mais cenas de carne dilacerada.

Recontando a colonização da região da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, o filme narra a história de uma família de puritanos ingleses que vieram para a América fugindo da perseguição religiosa em seu país, por volta do ano de 1600. Ao chegar lá, abrem uma clareira na mata, constroem sua casa e abrigam os filhos. Mas a floresta é assustadora e eventos misteriosos e fantásticos começam a acontecer.

Com notas acima de 80% em sites agregadores de críticas e sucesso no festival de Sundance, onde seu diretor Robert Eggers levou o prêmio de melhor direção, “A Bruxa” é resultado da experiência do diretor como designer de figurinos e cenários de curtas-metragens baseados contos de fadas, como “João e Maria”, e da iniciativa do produtor brasileiro Rodrigo Teixeira.

bruxa - Emma McIntyre/Getty Images - Emma McIntyre/Getty Images
Robert Eggers, diretor e roteirista do terror "A Bruxa"
Imagem: Emma McIntyre/Getty Images

Segundo Eggers, foi ele quem “acreditou no projeto” e deu todo o dinheiro necessário à produção. “Levou muito tempo para eu fazer esse filme porque ninguém queria fazê-lo do jeito que eu o imaginei. Basicamente, era gente interessada em produzi-lo com apenas metade do dinheiro necessário. E assim não seria possível transportar a plateia ao século 17 e tornar a história de ‘A Bruxa’ real para eles. Só foi possível graças ao Rodrigo, que acreditou na minha visão e me deixou fazer tudo do meu jeito, desde a escolha dos atores.”

Para quem ainda não conhece, Teixeira é fundador da RT Features, hoje uma das principais produtoras de cinema do país, conhecida por frequentemente se aventurar em projetos internacionais independentes, como o próprio "A Bruxa", "Frances Ha" e o polêmico pornô em 3D "Love", entre outros. No Brasil, foi responsável por títulos como "Tim Maia", "Alemão" e "O Cheiro do Ralo".

"Sempre quis fazer isso [produzir filmes no exterior], mas não sabia muito bem como", contou Teixeira em entrevista ao UOL, em novembro de 2015. "Não conhecia outros produtores brasileiros querendo trabalhar em produções americanas. Mas não via motivo para não fazer. O dólar na época (2008) era baixo. E gosto muito de filmes americanos. Minha infância toda foi pautada por eles e os filmes que produzo são muito baseados no meu gosto pessoal".

Em 2014, o brasileiro se associou a Martin Scorsese para criar um fundo voltado ao financiamento dos primeiros filmes dos jovens talentos do cinema de todo o mundo, e o projeto deve tomar forma de fato este ano.

Mas o dedo de Teixeira já foi fundamental para que Eggers pudesse, por exemplo, contratar dois atores de “Game of Thrones”, mesmo coadjuvantes (Kate Dickie, a Lysa Arryn da série, e Ralph Ineson, o Dagmer Cleftjaw), privilégio nem sempre alcançado por diretores independentes.

“Até tentei fazer com menos dinheiro, fazer as paisagens em estúdio, contratar atores não britânicos, mas não estava ficando autêntico”, diz Eggers, que fez questão de gravar tudo na Nova Inglaterra.

Documentos reais

Além de adicionar elementos de contos de fadas à narrativa, o roteiro se baseia em documentos reais pesquisados pelo cineasta, que continham relatos sobre fenômenos considerados bruxaria, inclusive por juízes da época.

E o resultado não podia ser melhor. O filme segue a tradição de grandes clássicos do cinema de horror, como “O Exorcista” e o “Bebê de Rosemary”, em que mais importa o sugestionar do que mostrar. Em sessão exibida à meia noite de um sábado durante a Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro do ano passado, a premissa atraiu o público, que lotou a "sala de embarque" para o século 17.

“Eu sei o que me assusta e o que não me assusta. Tem uns filmes do Drácula com o Cristopher Lee que a capa dele é tão curta que aparecem os tornozelos. Ou seja, ele não é poderoso. Mas veja ‘O Bebê de Rosemary’, eu não vi o bebê em nenhum momento do filme, mas tem gente que jura que viu. Esse é o lance…”, diz o diretor.

Quem é a bruxa?

A intérprete da personagem Thomasin, que no filme é acusada de bruxaria (se ela é ou não é, só assistindo ao filme) é a também iniciante Anya Taylor-Joy. Nascida em Miami, a atriz revelou o que, em sua visão, poderia ser considerado bruxaria. O relato tanto dela quanto do diretor dão conta de que a única explicação lógica para se levar mulheres à fogueira era a crença de que todo mulher tinha obrigação de ser uma santa virtuosa comparável à virgem Maria.

“Quando eles iam para o mundo real e viam que algumas mulheres não eram assim, acusavam-nas de bruxaria”, acredita a atriz.

Ao serem questionados se, após ler os documentos da época, passaram a acreditar em bruxas, o diretor e a atriz disseram: “Você tem que entender uma coisa: se uma sociedade inteira acredita em algo, aquilo existe. Metafisicamente, hoje em dia não acreditamos em bruxas. Mas este medo do poder feminino e o processo de transformá-lo em algo obscuro e mau, as sombras disso ainda existem hoje.”

Na dúvida, a reportagem pediu dicas para se identificar uma bruxa, de acordo com os relatos do século 17: Não conseguir rezar é uma delas. Ter dentes extras é outra característica. Mas a mais bizarra de todas, ainda segundo esses registros, é ter mamilos extras na parte interior dos lábios vaginais, que serviriam para alimentar seus animais de estimação, como gatos pretos, bodes etc, a quem elas chamavam de familiares.

“Basicamente, para mim, uma bruxa era uma mulher que os homens não conseguiam colocar em uma caixinha, que podia se excitar sexualmente. Ainda hoje existe essa ideia de que a mulher ou tem que ser uma santa ou uma puta, em vez de poder ser um amálgama das duas coisas”, completa Anya.

Assista ao trailer de "A Bruxa"

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