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Com releitura de "Bravura Indômita", irmãos Coen realizam o desejo de fazer um "western"

ANA MARIA BAHIANA

Especial para o UOL, de Los Angeles

23/12/2010 13h04

Em 2008, na entrevista que, ritualmente, se segue a cada vitória no Oscar, alguém perguntou aos irmãos Joel e Ethan Coen o que eles pretendiam fazer, agora que estavam com as mãos cheias de estatuetas por Onde os Fracos Não tem Vez. Em uníssono - como costumam fazer - os Coens responderam: “Um western!”

Muita gente arregalou os olhos - para todos os efeitos, "Onde os Fracos Não Têm Vez" era de fato um western, uma atualização da paisagem humana, psicológica e geográfica dos dramas da fronteira guiada pelo livro de Cormac McCarthy. Os irmãos, contudo, tinham em mente (como sempre, aliás) um foco absolutamente preciso e delineado.

"O que nos interessa em geral é um tempo e um lugar específico e, como consequencia, biotipos, linguagem e cultura precisas", diz Joel Coen, o mais falante dos dois. "Neste caso, Oklahoma nos anos 1870, e um universo ainda moldado por valores estritamente protestantes, embora eles estivessem flutuando numa espécie de vácuo social, onde as leis eram muito tênues e raramemte obedecidas. Sim, isso configura um western…"  "Mas não no sentido estético do termo”, Ethan completa. “Nesse caso teríamos que pensar em John Ford ou Sergio Leone, para mencionar as  referencias mais saborosas. Mas, concsientemente pelo menos, não existe um traço das obras deles no nosso filme."

Nem deles, nem de outro filme com o mesmo título do western que os irmãos realizaram e que estreiou nesta quarta (22), nos Estados Unidos: "Bravura Indômita", de Henry Hathaway, lançado em 1969 e responsável pelo único Oscar de melhor ator da carreira de John Wayne. Joel e Ethan admitem ter visto o filme – "Quando foi lançado pela primeira vez, nós dois éramos adolescentes”, diz Ethan. Mas garantem não ter nenhuma “memória substancial” do filme. “Para nós a atração era o livro de Charles Portis. Temos essa mania com linguagem, e um bom texto é quase sempre nosso ponto de partida.”

O livro de Portis ,lançado inicialmente  em 1968 como um seriado encartado na revista semanal Saturday Evening Post, foi substancialmente alterado, na época,  para garantir o sucesso junto a plateias de todas as idades e tambem para acomodar as exigências de Wayne, ainda uma estrela de grande porte. Os aspectos mais irônicos e sombrios da obra foram removidos, o papel de Wayne – Rooster Cogburn, um xerife caolho, alcóolatra, de ética dúbia – foi aumentado e criou-se um clima de flerte entre a  personagem Mattie, uma menina de 14 em busca do assassino de seu pai, e o ranger Le Boeuf, que se junta à perseguição.

“O livro é completamente moderno”, diz Joel. “Não envelheceu em nada. Tem um ritmo todo seu, que parece que não vai a parte alguma e, de repente, você nota que está preso na trama. Tem uma linguagem maravilhosa, seca, irônica, com um ouvido perfeito para o detalhe. Queríamos sobretudo recuperar os elementos essenciais do livro”.

Para isso, os Coens restauraram a menina Mattie  (a estreante  Hailee Steinfeld, uma das grandes estreias da temporada) como protagonista, e  centraram nela toda a narrativa. “O ponto de vista é o dela”, diz Ethan. “Essa é a essência do livro, e por isso a essência do filme. E ela é uma adolescente extremamente precoce, muito mais madura do que todos acham que ela é, e mais ousada que todos os adultos que a rodeiam – a ironia do filme vem, em grande parte, disso. E ela é uma representante típica da população que ocupou o oeste – familias protestantes, rígidas, muito apegadas a um código pessoal de honra. Mattie fala muito em justiça, mas o que ela quer na verdade é vingança – sob seu verniz de rigidez protestante ela é tão audaz quanto Rooster.”

Na versão dos Coens o papel de Rooster foi para um velho amigo e associado dos irmãos, Jeff Bridges. Como seus diretores, Bridges é enfático ao dizer que não pretendeu, de forma alguma, tomar o lugar de John Wayne. “Não há nenhuma referência ao trabalho dele, no meu. Seria insensatez, e um desespeito. Poderia descambar para a caricatura. Seguindo a proposta de Joel e Ethan, voltamos ao texto, a como Rooster aparece no livro - e no livro ele aparece pelos olhos de Mattie, da menina. O interessante é como o livro é naturalmente "coenesco”. Quem poderia imaginar uma conexão tão grande…”