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Com Selton Mello e Riccelli, ''Federal'' intensifica clima de barbárie em Brasília

Selton Mello e Carlos Alberto Riccelli em cena de ""Federal"" - Divulgação
Selton Mello e Carlos Alberto Riccelli em cena de ''Federal'' Imagem: Divulgação

ROBERTO SADOVSKI

Colaboração para o UOL

28/10/2010 07h02

Brasília, agosto de 2006. No corredor de um hospital da capital federal, tiros interrompem o silêncio, enquanto policiais e traficantes enfrentam-se entre macas e enfermeiras. O confronto já dura literalmente a noite inteira, e as janelas denunciam que o Sol está para quebrar a penumbra com seus raios ainda tímidos. “Corta”, finalmente comanda o diretor Erik de Castro, decretando o fim das filmagens de Federal – o breve silêncio só é interrompido pelos aplausos da equipe e pelo soluçar de Erik que, emocionado, abraça seu irmão (e produtor do longa), Christian. E chora.

Cerca de quatro anos depois, Erik lança o filme nos cinemas após ter passado pelo Festival de Cinema do Rio. A partir desta sexta (29), o público poderá acompanhar a ação de um grupo de policiais federais em combate a um traficante de drogas em Brasília. É o fim de uma longa jornada – não muito diferente do processo de pós-produção enfrentado por dezenas de outros filmes brasileiros, que esperam anos para chegar aos cinemas – e o começo de um trabalho. Afinal, Erik está arranhando a porta da frente.

"Federal" é, afinal, um “filme de gênero”, anomalia na cinematografia nacional que, aos poucos, mostra suas garras e surge nas mãos de uma novíssima geração de cineastas. Cinema novo? As influências de Castro inclinam-se mais para Clint Eastwood, o James Cameron de "O Exterminador do Futuro" e o cinema policial dos anos 70, como "Operação França" e "Sérpico". “O tipo de cinema que me fez querer ser cineasta”, revela. Roteirista em primeiro lugar, ele lapidou o texto no Laboratório de Roteiros de Sundance, em 2001, sendo "Federal" traçado antes mesmo que José Padilha invadisse os cinemas com fúria com "Tropa de Elite", de 2007.

E foi com Federal em seu último dia de produção que a reportagem do UOL Cinema aterrisou em Brasília, já no fim de uma tarde morna, para logo depois ser conduzida a um hospital ainda sem sua plena capacidade nos arredores da capital federal. Em seus corredores, a equipe do filme armava a cena – uma sequência em que os capangas do traficante interpretado por Dusek invadem o local para resgatar um advogado que, esperam os federais liderados pelo personagem de Carlos Alberto Riccelli, estrague os planos do bandido. Meticulosamente, pequenas cargas explosivas são espalhadas pelas paredes e objetos à espera da ação – este repórter foi alvo, inclusive, de um estilhaço de uma pequena imagem de Nossa Senhora colocada em uma parede. Cinema verdade é isso!

TRAILER DO FILME ''FEDERAL''


Em cena, Riccelli e o ator Cesario Augusto descarregam seus revólveres em direção aos bandidos – ação logo seguida pela frustração. "Federal", de certo modo, espelha seu “companheiro” cinematográfico, cuja continuação tem batido todos os recordes de bilheteria desde a retomada da produção nacional em 1995, ao abraçar o ponto de vista da polícia. Vital (Riccelli) é o líder de uma equipe da polícia federal incumbida de capturar o traficante Beque Batista (Dusek). Seu braço direito é Dani (Selton Mello), que ainda acredita na integridade de sua profissão mas, aos poucos, percebe que para ser policial no Brasil às vezes é preciso encarar a Besta.

A opção em rodar um filme de ação não é de todo inesperada por parte de Erik de Castro. Seu longa de estréia, o documentário "Senta a Pua!", que retratava a atuação do primeiro grupo de aviadores brasileiros a combater nos céus da Itália durante a Segunda Guerra Mundial, trazia uma urgência que só não foi traduzida em imagens pela pura falta de registros históricos. Erik, então, intercalou as imagens dos pracinhas e suas histórias com ilustrações que reproduziam os hororres e os triunfos enfrentados pelos homens que defenderam nossa bandeira. Ele não hesita, portanto, em colocar "Federal" como um autêntico representante do gênero, mesmo que ele beba em fontes menos cruas e mais contemplativas – a violência ganha tratamento mais reflexivo e menos explícito; e a própria Brasília se torna um personagem, sua geografia, vital na interação dos personagens.

O centro do poder brasileiro, retratado como um Grande Irmão no clímax soturno de "Tropa de Elite 2" – a comparação, além de inevitável pelo tema e pelo gênero, torna-se ainda mais palpável pelo filme de José Padilha estar em cartaz e fazendo barulho bom –, surge aqui sem o mesmo tom acusatório e com mais ambigüidade, com os corredores do poder fechados para quem não o detém. Erik, que mantém sua produtora em Brasília e pretende concentrar sua produção na capital federal, deixa claro que sua preocupação não é apontar culpados, e sim conduzir sua história. Seja nos subúrbios, na miséria das cidades-satélite, na cama doce de diplomatas que adotam nosso país, nos prazeres proibidos de uma metrópole que concentra tanto poder, ou nos corredores de um hospital que, por uma noite inteira, se tornou um campo de batalha. Batalha essa que, para um diretor que se viu às lágrimas quando os raios do Sol atravessaram as janelas quatro anos atrás, finalmente chega ao fim.