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Em Brasília,''Transeunte'' e ''A Alegria'' fazem apostas estéticas renovadoras

Cena do filme "A Alegria", de Felipe Bragança e Marina Meliande - Divulgação
Cena do filme "A Alegria", de Felipe Bragança e Marina Meliande Imagem: Divulgação

NEUSA BARBOSA

Do Cineweb

26/11/2010 15h38

Primeiros concorrentes da competição do 43º  Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, os cariocas “Transeunte”, de Eryk Rocha, e “A Alegria”, de Felipe Bragança e Marina Meliande, provocaram várias discussões, estéticas e temáticas, sobre os novos rumos do cinema brasileiro.

Cada um a seu modo, os dois filmes procuram inovação. Primeira ficção da carreira de Eryk Rocha (“Rocha que Voa”, “Pachamama”), “Transeunte” vale-se da experiência do diretor no documentário para contar, numa narrativa rigorosa, com fotografia em preto-e-branco e quase sem diálogos em boa parte de seus 120 minutos, a história de um homem de 65 anos, Expedito (Fernando Bezerra, de “Sargento Getúlio”). Trata-se de um sexagenário em crise, depois da aposentadoria e da morte da mãe, lutando contra a sensação de uma vida vivida em vão.

ASSISTA AO TRAILER DO FILME "A ALEGRIA"

Na coletiva desta sexta, Eryk explicou seu interesse por um protagonista idoso, sendo ele um diretor de apenas 32 anos: “Realmente, existe uma tendência de fazer filmes sobre personagens jovens. Eu mesmo acho curioso que tenha me interessado em retratar alguém mais velho. Mas acho que em qualquer idade a pessoa pensa na morte. Eu penso muito nisso, até porque tive algumas grandes perdas na minha vida, como meu avô e meu pai (Glauber Rocha)”.

Mas não é de morte e sim de vida que “Transeunte” fala, retratando o esforço, em alguns momentos, desesperado, de Expedito para religar-se com a vida. Há muitos elementos lúdicos também, especialmente na trilha sonora que pontua o cotidiano do protagonista, com trechos de programas radiofônicos, sua principal companhia no dia-a-dia. Estes programas foram gravados ao longo de alguns meses antes da filmagem por Edson Secco, desenhista de som do filme. O som, aliás, é um elemento dramático essencial, suprindo a ausência de diálogos em alguns momentos.

A música é outro elemento importante. Parte dela é ouvida ao vivo, na voz de velhos músicos que cantam na Seresta Democracia – um lugar real, que funciona no centro velho do Rio de Janeiro, perto da Praça Tiradentes. Boa parte de “Transeunte”, aliás, se passa nas ruas desse centro carioca, onde o personagem caminha sem parar, expressando sua procura de sentido.

Sonho com Glauber

  • Divulgação/Aline Arruda

    O cineasta Eryk Rocha, diretor do filme "Transeunte", exibido no Festival de Brasília 2010 (25/11/2010)

Uma coincidência incrível uniu o ator Fernando Bezerra e o cineasta Eryk Rocha. Bezerra contou que, ao iniciar o projeto, sequer sabia que o diretor era filho de Glauber Rocha. Levou um susto enorme quando descobriu. O motivo: “Um de meus sonhos na vida era trabalhar num filme de Glauber. Aí ele morreu e eu fiquei frustrado, porque isso nunca mais ia acontecer. Então surge este incrível acaso de atuar num filme do filho dele”.

O ator admite que, ao receber o roteiro, teve outro susto: “Eu pensei:‘Meu Deus, não acontece nada com este cara!’. Aos poucos, fui entrando no seu universo e percebi como a vida dele caminha, evolui e se transforma”. Para ele, o personagem “podia ter qualquer idade”. No entanto, Bezerra considerou positivo que fosse mais idoso. “Na vida, você envelhece e nem percebe, o mundo é que vai te dizendo isso. Mas o Expedito me fez perceber que envelhecer é também abrir perspectivas novas”.

Retrato de geração

Nem por retratar, em sua maioria, personagens jovens, “A Alegria”, de Felipe Bragança e Marina Meliande – que foi exibido na Quinzena dos Realizadores em Cannes 2010 - se pretende um filme voltado a essa faixa etária. “A gente nunca pensou nele como um filme voltado ao público juvenil”, afirmou Bragança, que já assinara com Marina “A Fuga da Mulher Gorila”. O diretor também foi assistente e corroteirista de “O Céu de Suely”, de Karim Ainouz.

Marina, por sua vez, admite que houve também a “vontade de falar da nova geração, da utopia dela, apesar de ser tachada como apática. Queríamos olhar esse mundo de forma não melancólica”.

Uma outra preocupação dos diretores era um diálogo com os filmes de gênero – e a história de “A Alegria”, em torno de uma adolescente (Tainá Medina), seus amigos de escola e um primo (Junior Moura) que sobreviveu a um ataque de violência, remete o tempo todo a uma suspensão do realismo e a um apelo fantástico. Bragança afirma que havia nos diretores uma “vontade de que o cinema brasileiro encontre aí (no cinema de gênero) um espaço de novidade”.

No cinema fantástico, suas referências são M. Night Shyamalan (“O Sexto Sentido”) e, mais ainda, o tailandês Apichatpong Weerasethakul (vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2010 com “Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas”). Por acaso, Bragança e Weerasethakul até têm um certo relacionamento. Uma vez o cineasta brasileiro, na época crítico, o entrevistou e deu-lhe cópias de seus curtas-metragens. A partir daí, os dois trocam e-mails sobre cinema.