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Oscar não louva qualidade, mas revela tendência da indústria cinematográfica

Ana Maria Bahiana

Do UOL, em Los Angeles

27/02/2012 08h26

Se alguém tivesse alguma dúvida de que este era o ano de "O Artista" e "A Invenção de Hugo Cabret", bastava olhar para o cenário e o ambiente do teatro do complexo Hollwyood & Highland: no palco, painéis em estilo art nouveau lembravam os primeiros anos da Academia. Ali, do outro lado do Hollywood Boulevard, no hotel Roosevelt; na plateia, moças vestidas como as vendedoras de cigarros e balas dos palácios do cinema dos anos 1920 e 30 ofereciam sacos de pipoca aos ilustríssimos espectadores; e nas mesas do lobby e dos bastidores, grandes vasos de rosas vermelhas substituíam os arranjos tropicais dos anos anteriores.

  • Mike Blake/Reuters

    Jean Dujardin sobe no palco com o cãozinho Uggie, vencedo do prêmio Coleira de Ouro, depois de "O Artista" ser consagrado como melhor filme no Oscar 2012 (27/2/12)

Tudo falava de um tempo longínquo, quando a indústria engatinhava e a Academia era recém-nascida. Os anos 1920- 1930 – quando "O Artista" e "Hugo Cabret" se passam – foram os anos formadores do cinema, o ano da expansão das companhias europeias e da criação dos primeiros estúdios do que viria a ser Hollywood. Há alguns meses, a Academia deu a partida a um ciclo de celebrações dessa era da inocência com a exibição do primeiro filme a ganhar um Oscar – "Asas", uma produção da Paramount de 1927. E, até a noite de domingo, o primeiro e único filme mudo a ganhar um Oscar.

Esse é o poder da nostalgia, da vontade de voltar ao básico do cinema. Se, um ano atrás, em plena recessão e com a anglofilia de "O Discurso do Rei" dominando a temporada-ouro, alguém dissesse que as glórias de 2012 seriam divididas entre dois filmes sobre as origens do cinema, e que um deles seria mudo e preto e branco, seria tomado como louco.

É bom lembrar sempre que Oscar nunca é sobre louvar “excelência e qualidade” na produção do ano –é sobre tendências que, de alguma forma, falam do que está se passando no coração da indústria.

BRASIL NO OSCAR

  • Reuters

    Depois de perder o Oscar de melhor canção original para "Os Muppets", Carlinhos Brown, um dos autores de "Real in Rio", da trilha sonora da animação "Rio", não se deixou abalar e tuitou: "Não foi dessa vez, mas valeu muito!"

E servem também para medir quem tem o poder. Em termos puramente de mercado, Fox, Sony e Warner Brothers dominam, respectivamente em primeiro, segundo e terceiro lugares em volume de bilheteria, neste momento. Em termos de prestígio, os irmãos Harvey e Bob Weisntein estão de novo no topo, retomando o lugar de reis da selva que tinham nos áureos tempos de 1990.

As oito estatuetas que a Weinstein Co. levou na noite de domingo – cinco para "O Artista", dois para "Dama de Ferro" e uma para longa documentário "Undefeated" – não vieram à toa, mas como resultado de uma longa estratégia, cuidadosamente implementada há meses. No caso de "O Artista", desde que os irmãos viram o filme de Hazanavicius no festival de Cannes. Nos outros dois, com um tremendo corpo a corpo que se intensificou nas últimas semanas de votação, e que levaram Meryl Streep a um triunfo que lhe escapava há anos (e ultrapassando a primeira favorita, Viola Davis, que contava com os amplos cofres da Disney no apoio a "Histórias Cruzadas").

E, embora distribuído pela Paramount, "Hugo Cabret" e seus cinco Oscars sublinham o poder de outro independente, o produtor Graham King, que desde "Gangues de Nova York" é o estrategista financeiro de Martin Scorsese.

A história acaba sempre lembrando quem realmente faz sentido na trajetória do cinema – e foi muito bom ver, em tempos politicamente complicados, a Academia se erguer acima de tudo e laurear o puro poder cinematográfico de "A Separação", primeiro filme iraniano a ganhar um Oscar. No calor do momento, o que os prêmios revelam é, de certa forma, o inconsciente da indústria. Não o que ela diz, ou faz, ou planeja. Mas, por mais estranho que possa parecer, o que ela sente.