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Produtor "dono" do Homem-Aranha no cinema conta como foi a gênese do novo filme

O produtor Avi Arad durante a pré-estreia de "O Espetacular Homem-Aranha" em Londres (18/6/12) - Neil Hall/Reuters
O produtor Avi Arad durante a pré-estreia de "O Espetacular Homem-Aranha" em Londres (18/6/12) Imagem: Neil Hall/Reuters

Roberto Sadovski

Do UOL, em São Paulo

02/07/2012 15h48

Em julho de 2006, o produtor Avi Arad levou as primeiras imagens de "Homem-Aranha 3" para a plateia da Comic Con, em San Diego. Naquela altura, contratos estavam sendo assinados e acordos selados. Enquanto a plateia se deleitava com a primeira visão de Venom, um dos vilões do filme, Arad aproveitava seus últimos meses como chefão da Marvel Studios. De "X-Men" às aventuras do Aranha, passando por "Demolidor", "Hulk", "Motoqueiro Fantasma" e "Quarteto Fantástico", o produtor assinava suas últimas adaptações de personagens da editora --"Homem de Ferro" e "O Incrível Hulk"-- e passava o bastão para Kevin Feige: a Marvel assinaria seus próprios filmes e, à exceção das marcas atreladas a outros estúdios por contratos leoninos, se tornaria uma potência que culminou meses atrás com "Os Vingadores". Menos o Homem-Aranha. “Este eu vou manter na família”, confidenciou o produtor.

ARANHA RENOVADO

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    "O Espetacular Homem-Aranha" traz um novo Peter Parker (Andrew Garfield) e renova a saga do aracnídeo, mas mantém a essência do personagem apresentado nos três primeiros filmes.

Corta para o Rio de Janeiro, pouco mais de cinco anos depois. Avi Arad, o produtor Matt Tolmach e a atriz Emma Stone encontram-se na cidade para parte da maratona de divulgação de "O Espetacular Homem-Aranha", marco zero das aventuras do herói aracnídeo no cinema, que recomeça sua jornada em pratos limpos para encarar uma plateia às vezes cética (“Cinco anos é pouco tempo para um reboot”, bradam alguns), pessimista (“O novo Aranha vai se perder entre 'Vingadores' e o terceiro 'Batman'”, agouram outros) e também empolgadíssima. A recepção dos fãs na pré-estreia do filme em São Paulo, seguida de um chat ao vivo com o novo Aranha, Andrew Garfield, acompanhado de Emma Stone, foi um festival de gritos empolgados e suspiros apaixonados. É o tom que Arad apostou para o filme lá atrás, quando a ideia de um reboot começou a tomar forma, que ele detalha aos poucos a seguir.

Zerar é o novo preto
“Eu queria fazer o filme com Sam [Raimi] e Tobey”, conta Avi Arad, em um bate-papo exclusivo com o UOL quando o produtor passou pelo Rio de Janeiro ao lado de seu parceiro, Matt Tolmach. “A gente queria um 'Homem-Aranha 4', o roteiro estava sendo esboçado, e parecia que tudo daria certo.” Mas não deu. O coração de Sam Raimi não estava mais com o herói, e Tobey Maguire parecia disposto a encarar mais um apenas ao lado do amigo. “Sam achava que havia contado uma história completa, a origem, o momento de dúvida e o lado negro”, explica. “Ele não tinha mais histórias que o empolgasse.” A opção lógica para o estúdio, já que estamos falando de uma franquia que rendeu cerca de 2 bilhões e meio de dólares, era tocar a continuação com outra equipe. Manter a cronologia. Mas Avi não viu desta forma.

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    O ator Tobey Maguire em cena de "Homem-Aranha 2", de Sam Raimi

“A gente podia abandonar o projeto de vez ou repensar tudo”, continua.

“Eu vi a chance de modernizar o herói, recriar sua jornada com outra sensibilidade, criar uma trama em que não teríamos apenas um novo vilão para o Aranha combater.” Assim, o estúdio adiou o projeto por um ano para que Arad e Tolmach achassem uma solução. Ela veio por Marc Webb, que tinha no currículo o drama romântico "(500) Dias Com Ela" e a sensibilidade que os produtores buscavam. Logo, o novo filme foi batizado ("O Espetacular Homem-Aranha", e sabe-se lá como será a continuação...) e um novo herói, encontrado: Andrew Garfield, de "A Rede Social", 28 anos e fã ardoroso do herói. As peças estavam tomando forma.

Nunca antes na história deste herói...
Em 2005, a Warner conseguiu um milagre. Ainda com o ranço de "Batman & Robin" e os mamilos no traje do herói que George Clooney defendeu em 1997, o estúdio entregou um de seus “produtos” mais valiosos nas mãos de Christopher Nolan e lhe deu carta branca. Para reinventar o Morcego, o diretor foi atrás de pedaços de sua história que os quadrinhos nunca tocaram propriamente. O resultado foi uma nova base para contar histórias de super-heróis, que encontrou seu ápice três anos depois com "Batman - O Cavaleiro das Trevas". “No mesmo ano, eu produzi 'Homem de Ferro', e foram dois filmes de muito sucesso”, lembra Avi. “Foi quando vi que 'O Espetacular Homem-Aranha' podia ser mais realista como o 'Batman', abordando aspectos que os quadrinhos nunca foram a fundo, sem deixar de lado a fantasia humanizada de 'Homem de Ferro', que é uma característica da Marvel.”

Vi que 'O Espetacular Homem-Aranha' podia ser mais realista como o 'Batman', abordando aspectos que os quadrinhos nunca foram a fundo.

Avi Arad, produtor dos filmes do Homem-Aranha

Assim, o novo filme logo agarrou o conceito de revelar a “história não contada” de Peter Parker. Ou melhor, de seus pais, Richard e Mary Parker. Se nos quadrinhos eles só ganharam uma trama nos anos 1990, passando quase três décadas como nada além de um elemento narrativo para colocar Peter na casa de seus tios, no novo filme o trabalho de Richard (Campbell Scott) como cientista o transforma num alvo --e ele se vê obrigado, ao lado da mulher (Embeth Davidtz), a fugir, deixando seu filho Peter, ainda uma criança, sob os cuidados dos tios. O reencontro nunca acontece porque Richard e Mary são mortos em um acidente. “Quando reencontramos Peter, ele está no colégio, mas sente o peso que todo órfão sente, um vazio que ele não sabe como preencher”, continua Arad. “Isso faz dele um garoto ainda mais retraído. Não é o nerd que apareceu nos outros filmes, embora ele ainda seja um gênio, mas é um rapaz que guarda uma revolta imensa dentro de si. Quando ele ganha seus poderes seus primeiros pensamentos não são altruístas, e sim de alguém que sente raiva e culpa. Essa força só é canalizada para o bem porque Peter é um bom garoto.”


Grande, escamoso e com contas a acertar
Uma das primeiras diretrizes em "O Espetacular Homem-Aranha" era não repetir os vilões apresentados na trilogia de Sam Raimi. “O Aranha tem uma galeria de vilões incrível, podemos fazer vários filmes antes de voltar aos personagens que já foram representados no cinema”, explica o produtor. “O que não significa que o Duende Verde ou o Dr. Octopus não possam ser reinterpretados. Mas isso deve demorar um pouco mais.”

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    O ator Rhys Ifans como o Dr. Curt Connors de "O Espetacular Homem-Aranha"

Como nos filmes de Sam Raimi, a produção comandada por Marc Webb acerta ao escolher um adversário que ajude a contar a jornada de Peter, e não apenas em prover um saco de pancadas. “Na narrativa do filme, Curt Connors é um cientista que trabalha na poderosa Oscorp e foi parceiro do pai de Peter antes de sua morte anos atrás”, empolga-se Avi. “Sua pesquisa ao lado de Richard passou anos incompleta, e com a chegada de Peter tudo vai mudar.” Ao contrário dos gibis, Connors não tem uma família, e se torna uma figura paterna para o herói. Antes, claro, de usar a fórmula dormente há anos para recriar seu braço amputado. Uma experiência que não dá nada certo.

“O que me fascina com os vilões do Aranha é que eles não são maus”, continua. “São homens brilhantes mas que sucumbem à uma tentação, ou à arrogância, ou à imprudência.” E são, claro, fruto da ciência usada de forma errada. Desde que o Homem-Aranha foi criado por Stan Lee e Steve Ditko, o mau uso da ciência tem consequências trágicas. A criação do Aranha é fruto do homem experimentando com forças da natureza.

Coincidentemente, quase todos os seus vilões surgem da mesma fonte --e são correlacionados com algum animal. “O Lagarto estava nos planos de Sam, ele sempre preferiu os personagens clássicos da galeria de vilões do Aranha”, salienta Arad. “Dylan Baker interpretou Curt Connors duas vezes. Mas optamos por usar Rhys Ifans como o personagem para marcar que não há mesmo nenhuma conexão entre o novo filme e as aventuras anteriores do herói no cinema.” Ao menos você vai chamar Baker para a pré-estreia, certo? “Nào tinha pensado nisso, mas devo mandar o convite com uma garrafa de vinho”, diverte-se.

A garota ao lado

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    Emma Stone como a Gwen Stacy de "O Espetacular Homem-Aranha"

 

Emma Stone, quando testou para participar de "O Espetacular Homem-Aranha", achou que seu papel seria o de Mary Jane, namorada do herói nos filmes de Sam Raimi --ex-mulher do personagem nos quadrinhos. “Quando vi que era Gwen Stacy eu até estranhei”, lembra a atriz. “Eu pensei, vão dar destaque à personagem que Bryce (Dallas Howard) fez?”. Emma, claro, não é fã dos quadrinhos do Aranha, e não sabia que Gwen foi o grande amor de Peter --e também sua maior perda.

Como o novo filme é um reboot, nada mais justo do que corrigir algumas mudanças e recolocar Gwen em seu lugar como o primeiro amor de verdade do herói (mas não sua primeira namorada, esta foi a secretária de J. Jonah Jameson, Betty Brant, mas esta é uma outra história...).

“Eu não queria Gwen como uma mocinha indefesa”, explica Arad, que alçou a moça a assistente de laboratório de Curt Connors, alguém tão brilhante quanto Parker. “Ela está em pé de igualdade com ele, o que estreita ainda mais os laços entre os dois.” Visualmente, Gwen parece que saltou dos gibis dos anos 1960, na época em que John Romita assumiu o traço da série e a popularizou ainda mais. Para o leitor dos quadrinhos, o destino de Gwen é bem conhecido: ela perde a vida nas mãos do Duende Verde no momento mais dramático das quase cinco décadas de aventuras do Homem-Aranha nos quadrinhos. “Eu sei que ela tem esse destino, e estou pronta para ele”, confessa Emma. “Mas não penso nisso agora, é algo que pode ser mostrado no futuro.” Sem falar que, como é uma adaptação em que tantas coisas são diferentes, tudo pode acontecer.

Venon e Vingadores
“Fiquei muito feliz com o sucesso de 'Os Vingadores', até porque eu comecei esse plano com Kevin anos atrás.” É junho de 2012 e Avi Arad está em seu escritório, pouco mais de um mês antes da estreia de "O Espetacular Homem-Aranha". Nos cinemas, a reunião do Homem de Ferro, Thor, Capitão América e Hulk esmigalha recordes de bilheteria e renova, com força de supersônicos, o interesse dos público nos super-heróis do cinema. “Liguei para Kevin e ele está atônito: a gente sabia que seria um sucesso, mas ninguém esperava que seria grande assim.” As lições aprendidas com o planejamento da Marvel para "Os Vingadores" são absorvidas e aos poucos liberadas por Avi. Afinal, ele também tem um universo em mãos: tudo relacionado com o Homem-Aranha para o cinema passa por seu crivo. E nada como expandir e ligar os pontos quando se tem uma caixa de areia tão bacana para brincar.

Fiquei muito feliz com o sucesso de 'Os Vingadores', até porque eu comecei esse plano com Kevin [Feige, presidente de produção dos estúdios Marvel] anos atrás.

Avi Arad, produtor dos filmes do Homem-Aranha

Personagem em questão: Venom. Apresentado no cinema em "Homem-Aranha 3", o “anti-Aranha”, criado por David Michelinie e Todd McFarlane para os quadrinhos do herói nos anos 1990, tornou-se um dos personagens favoritos dos fãs. Antes ainda de "X-Men" ressuscitar a Marvel no cinema, um filme-solo com Venom era uma ideia. Que agora parece estar mais perto de dar frutos. “Eddie Brock, o Venom, não é um vilão, mas também não é exatamente um herói”, explica Arad, que bolou sua origem alienígena na série animada do herói nos anos 1990. “Ele é fundido com o simbionte alienígena e sua cruzada é proteger os inocentes. Mas parte do simbionte funde-se com um assassino em série, Cletus Kassady, que se torna o Carnificina. Venom sente que é sua responsabilidade eliminar Kassady. Não importa de que forma.”

O diretor Josh Trank, que causou sensação com o excelente "Tudo pelo Poder", se diz fã confesso do anti-herói e pode ser o homem atrás das câmeras. A novidade é que "Venom" se passa no mesmo universo de "O Espetacular Homem-Aranha". E que, preso, estará ao lado de outros vilões encarcerados num presídio de segurança máxima. Todos com ódio do Aranha. E todos percebendo que, juntos, podem derrotar o herói. Nos quadrinhos, essa união perversa gerou o Sexteto Sinistro, que juntou o Doutor Octopus com o Abutre, Electro, Kraven, o caçador, Mysterio e o Homem de Areia --todos contra o Aranha. Encarnações mais recentes colocam Venom, o Camaleão e o Rhino na equipe. “'Os Vingadores' provou que a força está nos números”, sugere Arad. “Mas isso fica para nosso próximo bate-papo.”

TRAILER DO FILME "O ESPETACULAR HOMEM-ARANHA"