Gravações feitas por Gonzaguinha convenceram diretor a filmar biografia de Gonzagão
“Gonzaga - De Pai para Filho”, novo filme de Breno Silveira, tem sido classificado como uma cinebiografia do Rei do Baião, que completaria cem anos em dezembro. Mas a história narrada pelo longa, que estreia nesta sexta (27), tem um outro personagem importante, que, na verdade, foi a razão para o início do projeto: Luiz Gonzaga do Nascimento Jr., o Gonzaguinha, filho do sanfoneiro.
“A Maria Rachel [pesquisadora e autora do argumento] chegou nesse processo antes de todo mundo. Como ela era amiga do Daniel Gonzaga, ela resolveu pesquisar o pai dele, que era o Gonzaguinha, e acabou descobrindo o Gonzaga”, conta Breno, que de início não estava convencido a filmar mais uma biografia depois de “Dois Filhos de Francisco”.
“A Maria Rachel e a Márcia [Braga, produtora] estavam querendo me convencer a fazer uma biografia, mas depois de ‘Dois Filhos’ eu não queria, tinha ficado com medo de me tornar o biógrafo do Brasil. Só que elas me falaram: ‘A gente está trazendo a história do Gonzagão e tem umas fitas que seria legal você escutar’. E as fitas me pegaram”, diz o cineasta.
As fitas são gravações feitas por Gonzaguinha, que incluíam conversas com o pai.
“Foi muito emocionante escutar. Eu vi que eram pai e filho conversando sem se entender, sem se conhecer. Tinha um trecho que me emocionou que dizia assim: ‘Estou entrando no sertão. À direita tem uma lua – deve ser ele, o velho Lua, me olhando’. Ele entra em casa e fala: ‘O retrato de Lampião, o lugar onde ele dormia, o lugar onde ele comia’. Eu via que o Gonzaguinha estava chorando. E ele fala: ‘Eu não perdoei meu pai. Eu não conheci meu pai direito. E amanhã é o enterro dele’. Aquilo me deixou tão impressionado que eu resolvi escutar o resto das fitas”, lembra o diretor.
“O que me impressionou nessa história é que de novo eu não tinha uma biografia, eu tinha um drama. Pai e filho de novo, que é um assunto que me interessa. E um drama muito bonito, com muita coisa registrada sobre os dois. Eu acho que a biografia só vai fazer sucesso se ela for universal. A verdade dessa história é que ela é universal. É a história de um filho tentando conquistar seu lugar no coração do pai, com o seu talento. E ao mesmo tempo é a história de um louco matuto que veio para o sul tentar o sucesso”, diz Breno.
Depois de escutar as fitas e conhecer mais da história de Gonzagão e Gonzaguinha, Breno chegou à conclusão de que não poderia haver um filme de um sem o outro, o que não parecia possível de início, já que a família dos músicos estava dividida e não mantinha contato há anos: de um lado, os filhos e as ex-mulheres de Gonzaguinha; do outro, a família de Rosinha, a filha que Gonzagão adotou com a segunda mulher, Helena. “Eu disse para eles: ‘Se vocês se unirem, tem um belo filme. Separados, não tem filme nenhum’. Com o tempo, aquela família começou a se unir de novo e quando assistiram ao filme, há pouco tempo, foi uma emoção que nem eu esperava, uma choradeira geral. Aquilo me deixou muito feliz, porque tem alguma verdade naquela história que conseguiu tocar a família”, conta o cineasta.
Gonzaguinha
Se a procura pelos atores que interpretariam o Rei do Baião em diferentes fases parecia tarefa impossível e quase inviabilizou o projeto, encontrar o intérprete de Gonzaguinha foi muito mais simples. Na verdade, foi o gaúcho Júlio Andrade quem encontrou o filme.
O ator, que interpretou o mordomo Arthurzinho na novela “Passione”, é fã de Gonzaguinha desde a infância e, quando soube do projeto do filme, começou a espalhar entre amigos e conhecidos que tinha muito interesse em participar. Funcionou, e Júlio foi chamado para um teste.
“Todo teste eu costumo fazer alguma coisa diferente para chamar a atenção. Então, para me destacar, fui com uma peruca, com a roupa do Gonzaguinha, com o violão. Acordei às 7h da manhã e a minha ex-namorada, a Tainá Müller, me maquiou, colocou a peruca, tirou a sobrancelha, cortou meus cílios para criar uma bolsa embaixo dos olhos. E cheguei no teste cheio de confiança, porque todo o resto eu já tinha – a história do Gonzaguinha eu já conhecia, já era admirador da obra. E foi um teste incrível. No meio, eu me emocionei, tive até que parar. Não era nervosismo, era emoção. Quando eu saí de lá, o Breno me disse ‘É só uma questão de ética, porque eu chamei muita gente para fazer esse teste. Mas você arrebentou’. Dois dias depois, me ligaram para dizer que eu tinha conseguido o papel”, conta o ator, que também se dedicou à música antes de escolher a atuação.
Júlio diz que sua relação com o personagem que interpretaria vem desde muito cedo. “Meu pai sempre foi muito fã de Gonzaguinha. A primeira lembrança que eu tenho é meu pai colocando um disco dele para eu escutar e ele cantava e se arrepiava todo. Eu não entendia, mas com o tempo também fui me arrepiando. Já casei com Gonzaginha, já me separei com Gonzaguinha, já me diverti com Gonzaguinha. Sempre me acompanhou”.
Lado feminino
Além da relação turbulenta entre Gonzagão e Gonzaguinha, permeada pelas frequentes ausências do pai, dúvidas sobre a paternidade do garoto e uma madrasta que não o queria por perto, outro aspecto do personagem vivido por Júlio é a relação com a mulher que o criou depois da morte da mãe: Dina (Silvia Buarque), mulher de um grande amigo de Gonzaga, com quem o garoto Luizinho morou, no morro de São Carlos (Rio de Janeiro), durante a maior parte de sua infância e juventude.
“Existe muito pouca informação sobre a Dina”, conta Silvia. “Tem uns dois depoimentos do Gonzaguinha, muito amorosos e muito definitivos sobre quem eram os pais dele. Me parece que o Gonzaguinha era um cara muito fechado, então tudo que eu li de depoimento familiar dele era muito sucinto. Mas ele dizia algo assim ‘Fui criado no morro de São Carlos pelo meu pai Enrique Xavier e minha mãe Dina’. Ele chamava ela de mãe”.
Com a falta de material sobre a personagem real, Silvia se inspirou muito na canção “Com a Perna no Mundo”, em que Gonzaguinha narra sua própria história e menciona Dina. “Eu não tenho muito método de trabalho, mas é normal que eu tente me cercar de coisas que me inspirem. Então, essa música era um prato feito, porque é muito bonita, muito emocionante para quem está vivendo a Dina, para quem sabe da história. E tem muitas versões. Tem uma coisa muito bonita no YouTube que eu fiquei vendo e revendo, que é o jeito que o Gonzaguinha fala, ele dá um sorriso tímido, mas muito carinhoso. Tem uma gravação em que ele diz ‘Ô Dina, Dina minha, Dininha, ô mãe’, coloca uns cacos”, conta.
“É a segunda vez que eu faço uma personagem real e me toquei de como é especial fazer alguém que já existiu. É de uma emoção, você se sente com uma aliança com aquela pessoa. E, no caso da Dina, é uma história de astros, de mitos, é um filme de homens, de gente muito importante. E de repente tem aquela mulher, que a gente não sabe quem era. Mas é uma personagem muito fácil de alcançar, não de fazer, mas de compreender. Porque ela é afeto, doação, feminilidade, mãe, dona de casa”, diz Silvia.
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