"Dezesseis Luas" está cheio de mulheres ressentidas, diz Emma Thompson
"A maioria dos papéis que me oferecem se encaixa em duas categorias", conta Emma Thompson. "Uma é a da mulher que fica dizendo para o marido: 'Não os salve. Não faça nada heroico porque precisamos de você', ou seja, a que impede a ação de acontecer. A outra é a que fica repetindo: 'Socorro, socorro'."
JUVENTUDE E FAMÍLIA
A atriz se lembra bem de quando tinha essa idade.
"Meu 16º aniversário foi bem teatral", ela conta. "Eu tinha um namorado, meu primeiro namorado de verdade, mas me apaixonei pelo seu melhor amigo. Na festa ele descobriu e foi um Deus nos acuda. Parecia 'Sonho de uma Noite de Verão', totalmente dramático e muito doloroso."
"Eu me senti totalmente impotente."
Sobre um aspecto de sua vida, porém, ela já tinha assumido o controle --quando decidiu, anos antes, que seria atriz.
"Eu fazia aulas de interpretação depois da escola uma vez por semana", recorda, "e fiz um monólogo inspirado por Lenny Bruce. Tinha 14 anos e me lembro de ter ficado de queixo caído com a reação do público. Ver todo mundo rindo aqueceu meu coração".
"Foi uma experiência tão fantástica que decidi que era o que faria para o resto da vida."
Não foi um choque para os pais, já que sua mãe é a atriz Phyllida Law e seu pai, Eric Thompson, que morreu quando ela tinha 23 anos, era ator e escritor. Sua irmã caçula, Sophie, também é atriz.
"Sentia uma confiança tremenda, graças aos meus pais, que foi reforçada pelo meu otimismo natural", ela conta. "Acho que por isso sempre passei a impressão de ser tão forte."
"Optei por aquilo que muitas mulheres da minha geração escolheram", prossegue a atriz, que se formou pela Universidade de Cambridge, em 1980. "Eu queria educação. Queria uma voz. Queria ganhar meu próprio dinheiro. Queria me sustentar sozinha, sem ter que ser dependente de nenhum homem de forma doentia."
Ela faz uma pausa para acrescentar: "Dependência mútua é outra história".
O casamento de Emma e Kenneth Branagh durou seis anos e terminou em 1995; em 2003, ela se uniu a Greg Wise, com quem contracenou em "Razão e Sensibilidade". Os dois têm uma filha de treze anos, Gaia, e um filho adotivo de 23, Tindyebwa Agaba, refugiado de Ruanda.
Na vida real, as relações familiares de Emma não poderiam ser mais diferentes das de Serafine; afinal, mora na frente da casa da mãe e no mesmo quarteirão que a irmã.
"Tenho muita sorte porque minha mãe mora pertinho", diz ela. "As três gerações estão juntas quase o tempo todo, assim todas podemos ser testemunhas do que acontece com cada uma."
"Quanto mais podemos nos observar, melhor", completa. "Se não nos encontrássemos sempre, a pressão seria enorme. Como nossa relação é diária, além de muito prazerosa é bem divertida."
"Rejeito quase todos", admite ela. "Fui criada com uma sensibilidade extremamente feminista, que ainda preservo. Prefiro escrever e ganhar dinheiro de outro jeito."
Coisa de que é perfeitamente capaz --afinal, ganhou o Oscar de melhor atriz por "Retorno a Howard's End" (1992), mas também por melhor roteiro adaptado com "Razão e Sensibilidade" (1995). Apesar disso, aceitou de bom grado a oportunidade de atuar no romance sobrenatural "Dezesseis Luas", baseado no livro de Kami Garcia e Margaret Stohl, que chega aos cinemas brasileiros neste fim de semana.
"Gostei porque mistura drama e romance", explica ela, por telefone, de sua casa em Londres. "Também achei legal porque está recheado de mulheres fortes, ressentidas, cheias de vontade de destruir. Sempre me interessei por bruxas e pelo lado oculto da feminilidade."
O filme, que se passa na Carolina do Sul atual, com flashbacks da Guerra de Secessão, conta a história de uma família com poderes sobrenaturais. Os novatos Alice Englert e Alden Ehrenreich interpretam jovens amantes que têm que lidar com muitos segredos e uma maldição. No elenco também estão Viola Davis, Jeremy Irons e Emmy Rossum.
Emma faz dois papéis: o público primeiro a vê como a conservadora Sra. Lincoln, que tenta livrar a comunidade de qualquer um que seja diferente, e depois encarnando a bruxa má Serafine, muito mais colorida e extravagante.
"Serafine é completamente amoral e só faz o que bem entende", explica, entusiasmada. "É claro que adorei a personagem. Infelizmente com a amoralidade vem uma qualidade meio antipática que não é lá tão legal assim."
O objetivo de Serafine é garantir que a filha (Englert) siga o caminho da Escuridão a partir do 16º aniversário. Para combatê-la está seu próprio irmão (Irons), que quer que a sobrinha siga o caminho da Luz.
"Aos 16 anos muitas garotas têm a impressão de que não podem controlar seu destino", declara. "Em grande parte do mundo elas não têm poder de decisão sobre o futuro do corpo. As norte-americanas podem ter o privilégio de receber uma boa educação e ter pais que as apoiam, mas são minoria."
"Nesse aspecto, 'Dezesseis Luas' é uma história extremamente importante e Alice é um ótimo exemplo."
Carreira
Desde que sua filha, Gaia nasceu em 1999, Emma se afastou da carreira várias vezes, por longos períodos. Mesmo quando aparece em algum filme, geralmente é participação especial ou em papel coadjuvante, quase nunca como protagonista.
O destaque foi sua versão para a Professora Sybil Trelawney em "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004), "Harry Potter e a Ordem da Fênix" (2007) e "Harry Potter e as Relíquias da Morte" (2011).
Quanto aos papéis principais, ela encarnou uma professora doente no filme para a TV "Espírito de Coragem" (2001) e foi a personagem título de "Nanny McPhee - A Babá Encantada" (2005) e "Nanny McPhee e as Lições Mágicas" (2010), sendo que escreveu o roteiro de ambos. Ela contracenou com Dustin Hoffman no romântico "Tinha que Ser Você" (2008) e teve participações de destaque em "Simplesmente Amor" (2003), "Angels in America" (2003), "Mais Estranho que a Ficção" (2006) e "Desejo e Poder" (2008), além de dublar a Rainha Elinor na animação da Disney/Pixar "Valente" (2012).
Atores falam sobre bastidores de "Dezesseis Luas"
Mesmo assim, trabalhou muito menos nos últimos dez anos do que anteriormente. "Desde que minha filha nasceu, o trabalho já não é tão importante", confessa. "Às vezes estou interessada, às vezes não. Adoro atuar, mas amo ser mãe e estar disponível. É tudo uma questão de equilíbrio", declara. "Trabalhei bastante o ano passado, então neste vou pegar leve. Adoro poder ver Gaia crescer."
Emma tem dois filmes aguardando estreia: "Love Punch", com Pierce Brosnan, e "Saving Mr. Banks", no qual interpreta P.L. Travers. "Minha personagem (em "Love Punch") participa de um roubo de joias", ela explica, "então fiz umas cenas malucas de perseguição; aí encarnei P.L. Travers, que foi quem escreveu os livros de Mary Poppins, uma pessoa que acabou muito marcada por uma infância difícil. É um trabalho que mostra que quem escreve para as crianças muitas vezes o faz para a sua criança interior, aquela que foi magoada ou ferida".
No momento, Emma está ocupada com os roteiros de "Minha Bela Dama" e "Annie". "Quero fazer uma versão hip-hop de 'Annie'", ela conta. "Não sou lá muito fã, mas sei que as meninas gostam e é o que rende." Emma também escreve livros, tendo concluído recentemente "The Further Tale of Peter Rabbit" (Warne, 2012) e já preparando uma história de Natal para o coelhinho.
Em relação ao cinema, ela espera estar na sequência de "Dezesseis Luas", se o primeiro fizer sucesso. "Quero ser pega no flagra em cima da mesa, pelada, tentando seduzir alguém", exagera. "Serafine é muito má e capaz de tudo. E divina de se interpretar."
* Nancy Mills é jornalista freelancer em Manhattan Beach, Califórnia
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