"Boom" de comédias e polêmica sobre Globo Filmes esquentam debates no 17° Cine PE

A recente aposta brasileira em filmes de humor, com estilos e formatos semelhantes ao modelo hollywoodiano, esquentou debates no 17º Cine PE, em Olinda. Seis das maiores bilheterias do cinema nacional em 2012 eram comédias: "Até que a Sorte nos Separe", "E aí, Comeu?", "Os Penetras", "De Pernas pro Ar 2", "As Aventuras de Agamenon, o Repórter" e "Totalmente Inocente".

A previsão de produtores, críticos e cineastas que circularam pelo festival em Pernambuco, e que termina nesta quinta-feira (2), é de que outras 13 comédias estejam prontas para serem lançadas ainda este ano. Parte da crítica torce o nariz para o fenômeno. O cineasta Cacá Diegues defende o gênero: "Quem dita o sucesso é o público".

Cacá diz que tem o direito de querer mudar o gosto do público, mas que não pode impedi-lo de ver o que as pessoas quiserem. Ele cita outro número que redimensiona o volume de produções no gênero. "Considerando os últimos 20 anos, e os filmes da chamada 'retomada do cinema nacional', somente duas são comédias: 'Se Eu Fosse Você' e 'E aí, Comeu?'. O resto é 'Carandiru', 'Central do Brasil' e 'Tropa de Elite'".

De volta às telas no elenco de "Vendo ou Alugo", a atriz Silvia Buarque acha que o buraco é mais embaixo. "Está havendo uma distorção, como se o problema fossem as comédias. Acho que quem gosta de filmes mais conceituais, mais profundos, não se incomoda ou não desgosta de comédia". Para ela, a questão é outra. "O problema é o mercado só se abastecer de filmes com uma formulazinha óbvia. Mas comedia não é sinônimo de tolice".

Durante a coletiva de imprensa de "Vendo ou Alugo", no Cine PE, a produtora do filme, Mariza Leão --que também produziu "De Pernas Pro Ar 2", de Roberto Santucci--, leu um texto de Jean-Claude Bernadet que faz uma defesa das comédias populares, como a de Santucci, que já ultrapassou a marca de 5 milhões de público. "Não só faz rir como reflete questões importantes no Brasil de hoje", diz o texto.

Bernadet fez ainda uma comparação com a crítica da década de 1950, que não reconhecia a qualidade das chanchadas. "Foi preciso esperar a morte da chanchada para que a elite percebesse que Oscarito e Grande Otelo eram grandes atores, e que 'Carnaval Atlântida' era um filme político".

Polêmica sobre a Globo Filmes
No meio desse fogo cruzado, que envolve também o antigo embate entre o cinema comercial e autoral, a polêmica chegou na Globo Filmes, criada em 1998 e que já produziu ou coproduziu 130 filmes. A empresa foi alvo de críticas ácidas do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, autor do aclamado "O Som ao Redor".

Em entrevista recente à "Folha de S.Paulo", o diretor afirmou que a empresa "adestra o público para um cinema institucional e morto". "Se meu vizinho lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes ele fará 200 mil espectadores", disse na ocasião.

Outro a atacar a Globo Filmes é o cineasta pernambucano Claudio Assis, amigo de Kleber Mendonça, que esteve na edição deste ano do Cine PE lançando o DVD do longa "Febre do Rato". "Falo exatamente a mesma coisa há dez anos e ninguém me escuta, mas como o Kleber é mais educado e se veste melhor gerou essa polêmica".

Embora reconheça o valor de ambos, Cacá Diegues não concorda com as críticas de Kleber. Para ele, o problema é que o crescimento do cinema nacional trouxe uma complexa equação que precisa ser resolvida. Apesar do aumento do número de filmes, em 2012, a fatia do mercado para o cinema nacional foi de 10%. "Não adianta fazer crescer a produção sem ampliar a difusão", observa. "Se filma cada vez mais para um espaço reduzido de exibição".

Na prática, a boa notícia traz também a má notícia. "O tempo em cartaz é cada vez menor, às vezes o filme fica apenas uma semana", completa Diegues. Para ele, há uma tendência mundial que o Brasil não está acompanhando. "No mundo todo tem filmes que vão direto para a TV, para o DVD, para a internet". Diegues defende o investimento no consumo, e não mais tanto nas produções.

O cineasta Claudio Assis também defende politicas para o cinema nacional, mas ataca a lei de cotas de telas, que estabelece um espaço mínimo obrigatório para o a produção brasileira em salas de exibição. "Quem precisa de cotas são os estrangeiros".

Sucessão de equívocos
O ator José Wilker, que estreou na direção com "Giovanni Improtta" lançado também no festival, não acredita em saídas políticas. "Eu particularmente não acredito nas boas intenções das autoridades. Em geral atendem a interesses políticos partidários bem imediatos".

Wilker cita como exemplo a Lei Sarney, que teria servido para promover o próprio político, o então presidente José Sarney, e que foi derrubada por Fernando Collor de Mello, que também extinguiu a Embrafilme e o Concine. "Ele alegou que a Lei Sarney facilitava a corrupção, isso equivale a dizer: 'se o boi tem carrapato, mata o boi'. Na verdade, ele fez isso porque não teve apoio da classe artística".

O ator e agora diretor também ataca as mais recentes leis de incentivo, como a polêmica Lei Rouanet, de fomento à cultura por meio de incentivo fiscal. "Era tão complicada que precisava de especialistas e professores para ajudar a entendê-la".

Segundo Wilker, há uma sucessão de equívocos na construção de políticas. "Hoje não precisamos mais das leis para fazer filmes, mas as majors muito corretamente usam esse recurso em benefício próprio". O artista refere-se a um dispositivo da Lei do Audiovisual, implementado pela Ancine, que concede incentivo fiscal para os grandes conglomerados de mídia, que detém juntos 86% do mercado audiovisual global.

Sobre os ataques de Kleber Mendonça à Globo Filmes, Wilker diz que "foi uma briga de egos, já resolvida". A polêmica culminou na mudança no comando da empresa. Depois de uma década no cargo, Carlos Eduardo Rodrigues foi substituído por Edson Pimentel, que desde 1979 era responsável pelo planejamento estratégico e controle de entretenimento.