Galã aos 60 anos, Pierce Brosnan revela mágoa ao largar papel de Bond
Quando a diretora dinamarquesa Susanne Bier começou a procurar alguém agradável e sofisticado para estrelar sua comédia romântica "Amor É Tudo O Que Você Precisa", talvez tenha sido inevitável bater na porta de Pierce Brosnan. O ex-James Bond passou a maior parte da carreira fazendo esse papel e parecia perfeito para interpretar o viúvo inglês solitário que se encanta por uma cabeleireira dinamarquesa (Trine Dyrholm).
É o tipo de papel que, há 50 anos, poderia ter sido interpretado por Cary Grant -- que, por acaso, é o modelo de ator de Brosnan. "Quando consegui o papel em 'Remington Steele' (1982-1987), assisti a todos os filmes de Cary Grant para tentar imitá-lo. Acho que alguma coisa ficou", confessa.
O irlandês fala por telefone de sua casa de férias, no Havaí, onde está com a mulher, Keely Shaye Smith, e os dois filhos, Dylan, de 16 anos e Paris, de 12. Ele prossegue: "Não cresci num ambiente sofisticado, mas, às vezes um homem se torna aquilo com que sonha. Era o que eu queria e foi o que consegui, só que meio que acabei impondo limitações a mim mesmo porque todos os meus personagens têm uma coisa em comum: a sofisticação".
Câncer na ficção e na vida real
Em "Amor É Tudo O Que Você Precisa", que estreia nos EUA em três de maio, Philip (Brosnan) é um homem amargo. Mora na Dinamarca e nunca se recuperou totalmente da morte acidental da mulher, ocorrida anos antes. A caminho do casamento do filho, em Sorrento, na Itália, Philip conhece Ida (Dyrholm), a mãe da noiva, quando ela esbarra no carro dele no Aeroporto de Copenhague. Ele está azedo, ela, distraída -- afinal não só acabou de descobrir que o marido tem uma amante como ainda se recupera de um tratamento de câncer de mama.
Câncer numa comédia romântica? Brosnan jura que Bier encontrou o meio certo de inseri-lo na história. "É preciso encarar o humor da situação toda. Ida é uma mulher que tem câncer, mas é forte. Já de cara o público se solidariza porque está passando por várias dificuldades. Ela tem consciência de quem é, embora esteja meio sem saber que caminho seguir", prossegue ele. "Uma boa comédia romântica começa com as realidades da vida, aí você vai adaptando aqui e ali. Se for muito piegas, a coisa vira um pastelão."
Brosnan não ficou surpreso ao receber a oferta. "Intelectualmente entendi o motivo e por ter perdido minha mulher para o câncer, me senti um tanto quanto tocado com a coisa toda", confessa.
A primeira mulher de Brosnan, Cassandra Harris, tinha 43 anos quando morreu de câncer ovariano, em 1991. Sozinho, ele lutou para criar o filho Sean, que tinha oito anos na época, além dos filhos dela, Charlotte e Christopher, que adotou quando o pai, Dermot Harris, morreu em 1986.
Ao contrário de seu personagem, porém, Brosnan finalmente conseguiu tocar a vida para frente, se apaixonou novamente e se casou. Aliás, hoje a data é especial. "Keely e eu nos conhecemos há 19 anos e ainda hoje temos essa coisa de namorico, de novidade." E acrescenta: "É verdade que o amor que faz o mundo girar, mas não é única coisa. É preciso também disciplina, ética de trabalho e paixão, mas o amor é, sim, a essência de tudo".
Reflexão sobre a idade
Brosnan, que completa 60 anos em 16 de maio, anda pensando mais na vida. "Sessenta não é pouca coisa. Tenho um leve remorso, sim, tipo, será que desperdicei meu tempo? Será que deveria ter feito mais? Será que poderia ter feito mais?", filosofa. Porém, o astro admite que não se rende a arrependimentos.
"Quando olho no espelho, vejo um cara que viveu uma vida plena e teve a sorte imensa de estar no lugar certo na hora certa. Agora estou tentando me manter em evidência e ligado no que acontece à minha volta enquanto a lei da gravidade age no meu corpo", brinca.
Ele ainda vai à academia com frequência. "Conforme você vai envelhecendo, tem que se manter forte. Sendo ator, é preciso ter a energia para trabalhar 16 horas por dia. Para segurar essa, só controlando o peso e a cintura. Aí um dia você olha e diz: 'O que aconteceu com os meus olhos?'. O negócio é ter senso de humor e não se estressar muito."
O ator é categórico ao afirmar que plástica, nem pensar. "Não quero, não. Quem me quiser, que me aceite como eu sou." Depois de anos sendo considerado um dos galãs mais charmosos de Hollywood, hoje em dia Brosnan procura papéis fora do padrão. "É ótimo ser o protagonista, mas para funcionar preciso achar o trabalho estimulante. 'Remington Steele' me colocou dentro das casas dos norte-americanos e tive a honra de ser James Bond, o que me fez ser descoberto pelo mundo."
O legado como 007
Brosnan sucedeu Timothy Dalton como o espião em "007 Contra Goldeneye" (1995) e estrelou "O Amanhã Nunca Morre" (1997), "O Mundo Não É o Bastante" (1999) e "Um Novo Dia Para Morrer" (2002), conquistando os críticos e até os fãs que nunca tinham aceitado a saída de Sean Connery, décadas antes. Ele esperava se aposentar com dignidade do papel depois de mais um longa, mas, para "Casino Royale" (2006), os produtores da série decidiram escalar Daniel Craig, que na época tinha trinta e poucos anos. Aos 52, Brosnan ficou de queixo caído, mas logo se recuperou.
"Foi um capítulo glorioso na minha vida, mas não sinto saudade. Daniel encarna James Bond com graça e traquejo. É um personagem que pertence a outra pessoa. Quando interpreta esse papel, você se torna embaixador de um pequeno país. Da noite para o dia, vira celebridade mundial. Se tiver cabeça boa, aceitá-lo e aproveitá-lo, sua vida muda para sempre."
Para melhor ou pior? "Ah, para melhor. Fiz questão de sempre olhar o lado positivo. É o único jeito de lidar com a coisa, senão ela o destrói. É o tipo do negócio que pode acabar com você num piscar de olhos se permitir. É um jogo e tanto. E tem hora que o ataca com seu veneno poderoso."
Brosnan faz uma pausa. "É manipulação própria, sim, esse lance de lidar com o ego, consigo mesmo, claro. 'Eu sou querido? Não sou?' O importante é se manter senhor de si e saber quem é e o que tudo aquilo significa. Sempre me senti satisfeito com a minha carreira, mesmo quando ela dá a impressão de ter degringolado. Você precisa se recompor, seguir em frente e trabalhar."
Histórico na Irlanda
O trabalho sempre foi importante para Brosnan, que cresceu na cidade operária de Navan, no Condado de Meath, na Irlanda. O pai largou a família quando Brosnan era criança, fazendo com que o garoto acabasse passando grande parte de sua primeira década com os parentes. Sua mãe foi para a Inglaterra estudar Enfermagem e, aos onze anos, Brosnan foi encontrá-la em Londres. "Na adolescência eu não sabia o que queria da vida. Meu padrasto, William Carmichael, maravilhoso, queria que eu fosse encanador, pedreiro ou eletricista."
Em vez disso, o garoto, que tinha mostrado algum talento como pintor, arrumou um emprego de ilustrador. Aos 18 anos, porém, acompanhou um amigo a um workshop de teatro e decidiu entrar para uma escola de teatro. Depois de alguns anos em Londres e várias peças regionais, os filmes que fez para a TV o levaram a Hollywood e a "Remington Steele" -- mas foi só quando encarnou Bond que obteve o controle de sua carreira, fundando sua própria produtora, a Irish Dreamtime, em 1996.
Vida além-Bond
"Uma vez Bond, sempre Bond. No meu caso, ele permitiu que eu produzisse 'O Caso Thomas Crown' (1999), 'O Matador' (2005) e 'November Man', que vou rodar na Sérvia." Esse último é um suspense que o leva de volta ao mundo da espionagem. "Faço um agente que estava encostado e tem que voltar a trabalhar", resume.
Outro projeto é "Love Punch", no qual Brosnan e Emma Thompson interpretam um casal divorciado. "A nossa vida é destruída pela economia. Tomei uma péssima decisão e perdi tudo. Vou procurá-la para pedir ajuda e acabamos decidindo roubar um diamante. É uma brincadeira com o mundo que criei em 'Thomas Crown', aquela sofisticação, aquela elegância, só que dessa vez é num subúrbio qualquer da Inglaterra."
"A Long Way Down", comédia de humor negro baseada no romance de 2005 de Nick Hornby, está aguardando distribuição. "Faço um apresentador de talk show meio bichado, um cara que destruiu a própria vida por causa de sua estupidez e vaidade."
Chegando perto dos 60, o ator parece satisfeito com a vida e faz questão de dizê-lo. "Estou olhando para o céu azul, para as ondas, as palmeiras e a areia branquinha. Minha mulher acabou de voltar da praia e vai me preparar um hambúrguer espetacular", conclui.
* Nancy Mills é jornalista freelancer em Manhattan Beach, nos Estados Unidos
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