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Novo Superman não é o trapalhão dos filmes antigos, mas busca inspiração em HQs importantes

Para filme de 2013, Superman também foi repaginado nas páginas das HQ"s em "The New 52" - Divulgação/DCComics
Para filme de 2013, Superman também foi repaginado nas páginas das HQ's em "The New 52" Imagem: Divulgação/DCComics

Thiago Costa*

Especial para o UOL

12/07/2013 05h00

Adaptar quadrinhos para o cinema tem se mostrado uma estratégia acertada para os grandes estúdios de Hollywood. Os números mostram isso: o filme mais assistido no Brasil este ano é "Homem de Ferro 3", e no ano passado foi "Os Vingadores". Agora quem está prestes a entrar para essa lista é "O Homem de Aço", a nova investida cinematográfica naquele que é o primeiro super-herói da História, o Superman.

A questão aqui não é superar o desafio de fazer o salto das HQs para o cinema, de uma mídia estática para outra com som e movimento. Mas sim de conseguir fazer um personagem tão complexo e mal compreendido funcionar na tela grande em um blockbuster de férias.

É muito complicado tentar explicar, por exemplo, o que faz um homem se tornar um Super-Homem. Seriam seus poderes sobre-humanos ou o que decide fazer com eles? Essa é, desde a sua criação, há 75 anos, a essência do Superman. Estranho visitante de outro planeta, Kal- El é criado no Kansas como Clark Kent e, conscientemente, decide usar seus dons extraordinários pelo bem da humanidade.

Zack Snyder, que já havia encarado o desafio supremo de adaptar o clássico quadrinístico "Watchmen" para as telonas, recebe outra tarefa hercúlea: traduzir esse conceito – que para muitos é pouco plausível e crível – para o cinema.

Fãs mais puristas podem se incomodar com nova roupagem

E em "O Homem de Aço" ele entrega algo bastante consistente, mas faz isso distorcendo a lógica de tomada de decisão do personagem. Nuances e motivações são acrescentadas para que Clark se transfigure de jovem fugitivo e solitário, no emblemático Superman. E é isso que faz o filme se sobressair em meio a tantas adaptações de super-heróis para o cinema.

  • Superman salva gatinho em HQ

O universo de O Homem de Aço é, na comparação com os filmes da Marvel, por exemplo, muito mais duro e seco. Isso faz com que uma coisa fique muito clara: este não é o Superman com o qual a maior parte do público cresceu. Esqueça um Clark Kent que tropeça em seus próprios pés, o sorriso frondoso e o salvamento de gatinhos de cima de árvores que fizeram a fama de Christopher Reeve na clássica série cinematográfica do século passado.

Aqui o que se tem é um Superman físico, visceral. Grave e profundo. Mas nem por isso menos heróico e inspirador. Afinal, como é mostrado muito claramente, ele está disposto a salvar a humanidade seja qual for o custo para isso.

Os fãs mais puristas do gibi podem até se incomodar um pouco com essa linha criativa, mas Snyder e o roteirista David Goyer são espertos e frequentaram Comic-Cons suficientes para saber quais ossos jogar para alimentar essa faminta matilha.

Se Nova Iorque sofreu em "Os Vingadores", nada consegue se comparar à destruição de Smallville e principalmente de Metrópolis. O Homem de Aço consegue mostrar, da maneira mais próxima quanto se pode imaginar, o que causaria em nosso frágil planeta a presença de seres poderosos como deuses.

Os fãs de gibis reclamaram muito dessa força desmedida. O Superman do filme, diferente daquele encontrado nas páginas dos quadrinhos, não parece se preocupar com os efeitos colaterais de suas ações.

Trama aproveita detalhes de HQ's importantes sobre o herói

A etapa de kryptoniana do filme deve agradar especialmente essa parcela do público, com inúmeras referências, especialmente a três arcos: o homônimo "Homem de Aço", de John Byrne; "O Legado das Estrelas", de Mark Waid; e o mais recente "Origem Secreta", de Geoff Johns.

O filme todo, aliás, parece ter misturado essas três histórias, mais o belíssimo "Grandes Astros Superman" de Grant Morrison, para chegar ao seu produto final. Quem conhece esses quadrinhos sabe que eles possuem pontos discordantes entre si sobre a origem do super-herói e pode se perguntar se o saldo dessa mistura é positivo. Mas é possível afirmar, sem medo de errar, que sim.

De cada uma dessas produções quadrinísticas "O Homem de Aço" pega os elementos certos. Dos escritos de Byrne da década de 1980 vem a sociedade asséptica de Krypton e o robô Kelex da Casa de El. Da visão mais romântica do personagem apresentada por Waid chega o questionamento sobre como o alien seria recebido entre os terráqueos. Já Johns emprestou seu conceito sobre o vilão General Zod e a divisão de funções da sociedade kryptoniana.

Para Grant Morrison ficou a relação com Jor-El: há diálogos (que podem ser vistos até no trailer) que foram tirados diretamente do gibi. E o nível de poder do herói é totalmente da obra de Morrison. Se em "Grandes Astros" ele é capaz de reiniciar o Sol, neste "O Homem de Aço" é apresentado um nível de batalha que os filmes de super-heróis nunca viram.

Filme tem essência dos quadrinhos

O longa tem uma estrutura narrativa que o aproxima de uma revista em quadrinhos, na qual o leitor faz sempre a conexão entre um quadro e outro, pois é um filme que exige muita suspensão de descrença do espectador, que precisa “completar” muitas cenas. Muita coisa ocorre entre uma sequência e outra sem ter explicação.  

E há quem possa se ofender pelo final do filme, que foge de tudo que já foi visto com o Superman, tanto no cinema quanto na TV. Mas não é nada que os leitores dos gibis não tenham vivenciado. Por outro lado, o final de "O Homem de Aço" é, também, um marco nos filmes desse gênero. Aqui se separaram os meninos dos homens e o primeiro super-herói da História mostra que continua tão relevante como quando foi criado por dois meninos da periferia de Cleveland, há 75 anos. Ele é a representação heróica dos nossos tempos, para o bem e para o mal.

Como o Superman mesmo diz no filme, o símbolo em seu peito significa esperança. E a esperança é de que tudo mude no panorama dos super-heróis no cinema. O primeiro passo foi dado, para o alto e avante.

* Thiago Costa é professor de comunicação da FAAP e pesquisador de quadrinhos, cinema e games.