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Prêmios para "Tatuagem" reafirmam força do cinema pernambucano

Trupe do Chão de Estrelas em "Tatuagem", de Hilton Lacerda - Flávio Gusmão/Divulgação
Trupe do Chão de Estrelas em "Tatuagem", de Hilton Lacerda Imagem: Flávio Gusmão/Divulgação

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

23/08/2013 07h00

Não é de hoje que os filmes feitos em Pernambuco vêm chamando a atenção de público, crítica e dos outros países. “Baile Perfumado” (1996), de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, ganhou três prêmios no Festival de Brasília e abriu caminho para outro filmes que ganharam notoriedade. Nos últimos 12 meses, as produções do estado ganharam mais destaque ao conquistar vários prêmios dos festivais mais importantes do Brasil.

“O Som ao Redor”, de Kléber Mendonça Filho, foi o vencedor do Prêmio Redentor da Première Brasil, no Festival do Rio 2012, “Era uma vez eu, Verônica”, de Marcelo Gomes, e “Eles Voltam”, de Marcelo Lordello, dividiram o Candango de Melhor Filme no Festival de Brasília. A conquista mais recente foi de “Tatuagem”, estreia de Hilton Lacerda na direção, que ficou com o Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado deste ano. O filme ainda conquistou o prêmio de Melhor Ator, para Irandhir Santos, e Melhor Trilha Sonora para Dj Dolores. 

Para tentar entender esse sucesso, o UOL conversou com os diretores Kléber Mendonça Filho e Hilton Lacerda que refletiram sobre o ponto que une os filmes pernambucanos, por que eles agradam tanto a crítica e o incentivo do governo para o audiovisual na região. 

Leo Caldas/Folhapress
Não acho que as pessoas pensem: 'nossa, como somos corajosos fazendo esse filme'. Você simplesmente faz


Luta de Classes e Peculiaridade
Apesar do destaque evidente desses filmes, Hilton Lacerda chegou a dizer em uma entrevista coletiva sobre o “Tatuagem”, durante o Festival de Gramado, que acha meio boba essa história de cinema pernambucano. “A gente faz cinema, independente do local”, afirmou ele. Na conversa com o UOL, no entanto, ele contou que vem repensando sobre o termo e concluiu que é possível, sim, dizer que os filmes pernambucanos têm algo em comum. A maioria levanta a questão do conflito de classes.

“Cinema feito em Recife é muito de periferia. Periferia no sentido de percepção dos núcleos do problema. De minha parte, acho interessante essa informação que vem das bordas”, disse ele, que roteirizou filmes como “Amarelo Manga”, “Baixio da Bestas”, “Febre do Rato” e o próprio “Baile Perfumado”.

Para Kléber Mendonça Filho, é estranho apontar o conflito das classes sociais como o ponto que une o cinema pernambucano. “Porque para mim, o Brasil é isso. Trabalhar fora disso é estranho. Quando eu vejo ‘Doméstica’, ‘Baixio da Bestas’, ‘Tatuagem’, ‘Eles Voltam’, ‘Boa Sorte, Meu Amor’, eu penso: vivo nesse país aí”.

Segundo o diretor de “O Som ao Redor”, o que une essas produções é uma falta de vergonha e de medo, que não deve ser encarada como algo destemido ou corajoso. “Não acho que as pessoas pensem: ‘nossa, como somos corajosos fazendo esse filme’. Você simplesmente faz. Os filmes de Pernambuco são muito peculiares, têm detalhes que fazem parte da vida. O que me chama a atenção é uma capacidade de falar sem pensar muito, o que acaba sendo algo muito peculiar e com personalidade”, explica.

Kléber acredita que muitos filmes feitos em Recife carreguem a herança do Manguebeat, movimento nascido na música nos anos 90, que tinha a crítica social como forte característica. "Isso não deve ser visto como algo planejado. Assim como o Manguebeat apareceu de maneira espontânea, isso também pode ser observado nos filmes. O Manguebeat tem um sotaque pernambucano e os filmes também têm. Acho que tem essa coisa de falar de coisas universais sem nunca ter vergonha ou querer esconder o ambiente e a maneira regional de ver as coisas". 

TRECHO DO FILME "TATUAGEM", DE HILTON LACERDA

Preocupação com o termo
Tanto Kléber quanto Hilton têm a preocupação de não parecerem arrogantes ou marqueteiros ao falar sobre o sucesso cinematográfico em Recife. Kléber inicia a conversa dizendo que é natural que os olhos se voltem agora para o cinema da região depois das recentes conquistas. “Até o ano 2000, os recursos estavam voltados para a região sudeste. É compreensível que uma área que esteja fora dessa região chame a atenção”, disse ele.

O diretor ainda disse que também vem observando um desconforto e até um certo recalque nas redes sociais como reação ao sucesso da região. “Mas se pegarmos os números nos últimos dez ou 15 anos, dá para ver que algo particular vem acontecendo no estado”. O diretor, no entanto, fez questão de deixar claro que bons filmes são produzidos em várias partes do Brasil.

Já Hilton não gosta muito da nomenclatura. “’Cinema pernambucano’ é meio antipático. Parece arrogância de estado”, diz.


Incentivo do governo
Segundo os diretores, o incentivo do governo pernambucano para o audiovisual também é importante para que o ritmo de produção seja mantido. Para 2011 e 2012, A Funcultura disponibilizou R$ 11,5 milhões para a produção do audiovisual no estado. “Com isso, o cinema consegue se manter criativamente”, disse Hilton.

Edison Vara/PressPhoto/Divulgação
Minha questão é com a nomemclatura, É até meio antipática. Parece um pouco uma arrogância de estado

“O lado curioso é que o apoio não é uma garantia de que o filme dará certo. Poderia acontecer de o dinheiro investido não dar resultado porque a safra foi ruim. Isso não aconteceu ainda. Sempre tem algum longa ou curta que se destaca. O edital tem se sustentado como apoio e como resultado”, afirmou Kléber.

O diretor ainda falou de outra curiosidade sobre o cinema pernambucano. O sucesso da cinematografia do estado, segundo ele, é relativo. “Se o sucesso for medido pela bilheteria, o cinema pernambucano é um enorme fracasso. Agora, se for medido pela repercussão no exterior, ele é bem sucedido”. “O Som ao Redor” foi visto por pouco mais de 90 mil pessoas, mas participou de mais de 40 festivais e foi vendido para nove países. “Com esse filme eu descobri que existem maneiras diferentes de se medir o sucesso”.

Mostra de Cinema Pernambucano no Rio
Coincidentemente, a Caixa Cultural do Rio de Janeiro realiza até o dia 1º de setembro a 1ª Mostra de Cinema Pernambucano, com curadoria de Valéria Luna e Breno Lira Gomes. Muitos filmes citados na matéria estão na programação.

Ao UOL, Gomes disse que identifica que o cinema pernambucano é marcado pela ousadia. “A maioria dos diretores tenta contar uma história de forma diferente. Eles não têm medo de experimentar na forma”, disse. O curador também disse que os filmes do estado se destacam pelo roteiro. “Não há só uma preocupação técnica com luz, som, enquadramento. Você percebe que o roteiro é bem amarrado”. A previsão é que a Mostra receba ao todo de 3 a 5 mil pessoas.