Norma Bengell passava por dificuldades financeiras, conta funcionária
Luciene Marques, 31, que trabalhava como acompanhante de Norma Bengell, conta que a atriz vinha passando por dificuldades financeiras já há algum tempo.
"Norma reclamava que se sentia muito sozinha, que os artistas eram muito amigos quando ela tinha fama, mas depois sumiram todos", afirmou, durante o velório de Norma.
Segundo Luciene, artistas como Miguel Falabella, Jô Soares, Faustão e Daniel Filho chegaram a fazer algumas contribuições financeiras para ajudar a atriz. Ainda de acordo com ela, Ney Latorraca não ajudava financeiramente, mas ligava todos os dias, frequentava a casa da atriz e estava sempre preocupado.
"Ela não queria partir, tinha muita vontade de viver. Era uma pessoa muito forte", disse Luciene.
Norma não tinha herdeiros, mas, de acordo com Luciene, havia preparado um testamento. A atriz também lhe pediu que jogasse suas cinzas no Arpoador, desejo que a acompanhante pretende atender.
Luciene trabalhava com Norma há cinco anos e foi a única pessoa a ter acompanhado os últimos dia da atriz. Segundo ela, também foi a última pessoa a falar com Norma enquanto esta ainda estava consciente, por volta das 19h30 desta terça (8). "O médico me disse que o estado dela era terminal e que ela não passaria da noite", disse.
O casal de produtores de cinema Lucy e Luiz Carlos Barreto, que foram ao cemitério São João Batista, no Rio, prestar suas últimas homenagens, também comentou as dificuldades financeiras de Norma.
"Norma estava passando por um momento de dificuldade financeira. Ela me chamou para ajudá-la, mas se sentia constrangida em pedir dinheiro aos outros", contou Lucy.
Segundo Lucy, foi ela quem sugeriu que Norma alugasse a casa onde morava, na Gávea, para se manter com a renda do aluguel, e mudasse para um local menor, como de fato a atriz fez, ao ir morar em Copacabana. "Ela ficou mais tranquila. O dinheiro do aluguel bastava", disse Lucy.
O casal lamentou nunca terem trabalhado com a amiga e Luiz Carlos afirmou que vai rediscutir um projeto que Norma havia apresentado a ele há cerca de três anos. "Há dois ou três anos ela me mostrou um roteiro que havia escrito para um filme sobre sua vida", afirmou o produtor.
Ele também classificou como injustiça a acusação de irregularidades na prestação de contas do filme "O Guarani", de 1996. "A Norma foi injustiçada quando foi acusada de ter desviado dinheiro público. Ela não tinha esse espírito empresarial. Isso marcou a vida dela e a levou a perder o encanto pela vida", diz Barreto. "Entregou o filme, mas ficaram essas cobranças. Ela mesma se fazia essa pergunta, por que estavam cobrando?", completou Lucy.
Processos
Norma Bengell foi indiciada em 2007 pela Polícia Federal em dois inquéritos criminais, sob acusação de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e apropriação indébita, referentes à prestação de contas da captação de recursos para o filme "O Guarani". Os processos criminais não chegaram a ir para a frente, mas a atriz e sua sócia Sonia Nercessian ainda respondem a uma ação civil pública, já que as contas foram rejeitadas pelo Tribunal de Conta da União (TCU).
Os bens de Norma estavam bloqueados por conta de uma liminar relacionada à ação.
Como Sonia também faleceu, em 2007, e nenhuma das duas deixou herdeiros, o advogado de Norma, Fernando Drummond, diz não saber que rumo a justiça vai dar ao processo.
Norma também respondia a uma ação na Justiça Federal do Rio por sonegação fiscal devido a movimentação financeira. Segundo Drummond, o banco havia enviado um ofício na última sexta, afirmando que a conta que constava do processo não era de Norma, o que deve levar à extinção da ação. O advogado não chegou a dar a notícia à atriz.
Morte
Norma Aparecida Almeida Pinto Guimarães D'Áurea Bengell, conhecida como Norma Bengell, morreu por volta das 3h da madrugada desta quarta-feira, na unidade Bambina do Hospital Rio Laranjeiras. Ela tinha 78 anos.
Bengell foi diagnosticada há cerca de seis meses de câncer no pulmão direito, e estava no Centro de Tratamento Intensivo do hospital desde o último sábado.
O velório no cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio, é aberto ao público e a cremação será no Memorial do Carmo, no Caju, nesta quinta, às 14h. Além de Luciene e dos Barreto, foram ao local se despedir de Norma artistas como Ney Latorraca, Carla Camurati e Silvio Tendler.
Conheça a trajetória
Norma Bengell nasceu no Rio de Janeiro, onde começou a se apresentar como vedete do teatro de revista aos 16 anos. Também foi cantora e gravou versões de “A Lua de Mel na Lua” e “E Se Tens Coração”.
O primeiro LP, "OOOOOH! Norma", viria em 1959, no mesmo ano de sua estreia no cinema, na comédia “O Homem de Sputinik”, em que interpretava um símbolo sexual, em uma clara analogia com a atriz Brigitte Bardot.
Com o sucesso no cinema, Norma se voltou quase totalmente para a sétima arte. Em 1961, estrelou o filme "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Cena de "Os Cafajestes"
Primeiro nu frontal no cinema nacional
A atriz entrou para a história ao protagonizar a primeira cena de nu frontal do cinema brasileiro, aos 26 anos. A cena, um avanço para a época, fez parte do filme “Os Cafajestes”, de 1962, dirigido por Ruy Guerra.
A exposição internacional -- e a repercussão de “Os Cafajestes” -- a levou a trabalhar no cinema europeu. Segundo a própria atriz, chegou a conhecer e namorar o ator francês Alain Delon. Fez filmes na Argentina (“Sócio de Alcova”) e na Itália (“Mafioso”, de 1962, e “Os Cruéis”, de 1967).
Com o sucesso, engatou quase um filme por ano, participando de produções que marcaram a história do cinema nacional, como "A Casa Assassinada" (1971), de Paulo Cesar Saraceni; "A Idade da Terra" (1980) , de Glauber Rocha e "Rio Babilônia" (1982), de Neville d'Almeida. Em “Noite Vazia" (1964), de Walter Hugo Khouri, interpretou uma prostituta ao lado de Odete Lara e do ator italiano Gabriele Tinti, com quem foi casada de 1963 até 1969.
Por sempre atuar em peças e filmes alvos dos censores da ditadura militar, a atriz alegava ter sido perseguida, o que a obrigou a se exilar na França em 1971. Em 2010, a Comissão de Anistia reconheceu a atriz como anistiada política e concedeu uma reparação econômica de cerca de R$ 100 mil.
Carreira como diretora
Estreou como diretora em 1988, em “Eternamente Pagu”, sobre a escritora modernista. Ainda atrás das câmeras, adaptou o clássico "O Guarani", de José de Alencar, para o cinema, em 1997. Em 2005, voltaria a focar em histórias de grandes mulheres como “Infinitamente Guiomar Novaes”, um documentário sobre a pianista morta em 1979, e “Magda Tagliaferro - O mundo dentro de um piano”.
No teatro, subiu aos palcos em 1968, sob a direção do então estreante Emilio Di Biasi em "Cordélia Brasil", primeiro texto do escritor e dramaturgo Antônio Bivar. Em 1976, faz "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues. A atriz retornaria ao texto clássico, em 2008, com a Cia. Os Satyros, sob a direção de Rodolfo García Vázquez.
Em 2007, em sua volta aos palcos, após 20 anos, teve uma crise de stress que a fez abandonar a apresentação de “O relato íntimo de Madame Shakespeare". Na época, Norma passava por um processo judicial, no qual era acusada de desviar verbas na captação de recursos para os filmes “O Guarani” e “Norma”, projeto que nunca foi concluído.
As atrizes Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell em 1968, durante a passeata dos cem mil, em protesto contra a ditadura militar no Brasil, no Rio de Janeiro
Últimos trabalhos
Na televisão, apresentou e participou de alguns programas da TV Tupi e na TV Rio, como “Noite de Gala”. Reapareceria apenas em 2008, com a personagem Dayse Coturno, no humorístico “Toma Lá, Dá Cá”, da TV Globo.
Em 2010, uma foto sua em uma das passeatas históricas da década de 1960, durante o processo de ditadura militar, foi utilizada pela então candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, causando a acusação de uso indevido de imagem e associação da atriz. Na época, Norma desmentiu qualquer mal-estar e manifestou apoio à candidata.
Seu último trabalho foi no teatro, no mesmo ano, quando protagonizou a montagem de "Dias Felizes", de Samuel Beckett, com a direção de Emílio Di Biasi. No palco, sua vida se fundiu à história de Beckett e trechos preciosos de sua trajetória eram exibidos ao fundo.
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