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Em tempos politicamente corretos, novo "Carrie" perde erotismo da 1ª versão

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

05/12/2013 19h00

Se Brian de Palma não tivesse mostrado ao mundo, em 1976, sua versão para o romance de estreia de Stephen King, o novo “Carrie, a Estranha”, que chega aos cinemas brasileiros nesta sexta (6), seria um filme mais interessante.

Com direção de Kimberly Peirce (“Meninos Não Choram”), o longa moderniza uma história que é tão conhecida quanto familiar: Carrie White é uma garota marginalizada, oprimida em casa pelo fanatismo religioso da mãe e ridicularizada na escola pelas colegas. Eles a consideram esquisita e sem graça e desconhecem seus poderes telecinéticos. O cerne da trama é atemporal e primitivo --a necessidade de sermos amados e aceitos versus a incapacidade de aceitarmos as diferenças do outro--, mas o novo filme sofre com o peso deixado pela produção de De Palma.

Nem a introdução de novas tecnologias (como celulares com câmeras que tudo registram) e redes sociais esconde o fato de que esta é uma Carrie mais careta. A modernização da história contrasta com uma espécie de retrocesso moral ao retirar um elemento de erotismo que já era latente no livro de King e que foi abraçado por De Palma.

Ao adaptar a trama a uma protagonista e a um público mais jovem, a diretora elimina este elemento, que aparecia no filme de 1976 desde as primeiras cenas, quando encontramos a Carrie (interpretada por Sissy Spacek) acariciando o corpo durante o banho, antes de menstruar e ser ridicularizada pelas colegas. Ainda no filme de De Palma, essa sensualidade retorna em outros momentos, como quando Carrie experimenta o vestido que ela mesma fez para o baile, e dialoga com a forte concepção de pecado que tem a mãe da garota, Margaret, já que para ela o corpo feminino é um impuro instrumento de pecado.

"Tivemos que fazer coisas muito extremas" diz Julianne Moore

Em tempos politicamente corretos, esse erotismo facilmente seria condenado como incitação à pedofilia, mas Peirce parece ter descartado essa faceta da história de antemão ao escalar para o papel de Carrie a atriz Chloë Grace Moretz (“Kick Ass 2”), que tinha apenas 16 anos e legalmente não poderia aparecer em cenas sensuais.

A pouca idade da atriz também denuncia uma falta de maturidade para uma personagem tão intensa e que já havia sido interpretada de forma impactante por Spacek, que tinha 26 anos quando encarnou Carrie. Chloë exagera nas caras e bocas em um papel que deveria ser marcado pela introspecção, pelo turbilhão represado que só se liberta em momentos extremos, pela insegurança e surpresa da própria personagem com seus poderes.

Se a jovem mas experiente Chloë, considerada um dos expoentes da nova geração de atrizes, deixa a desejar, o mesmo não pode ser dito da veterana Julianne Moore, que impressiona logo na primeira sequência. Em uma cena ausente na primeira versão, somos recepcionados no novo filme pela imagem forte da mãe de Carrie aos gritos, ensanguentada e desesperada, sem se dar conta de que está em trabalho de parto.

Sem retomar a loucura quase histérica da interpretação de Piper Laurie no filme de 1976, Moore baixa o tom e apresenta uma versão da personagem que paradoxalmente consegue ser mais contida e mais assustadora. É uma mãe que recita trechos bíblicos em voz baixa e monótona e se automutila de forma aflitiva ao menor sinal de impureza e pecado.

Se Moore consegue superar as comparações, o resto do filme sofre com elas. Até passa despercebida a introdução das tecnologias modernas, já que elas têm pouca ou nenhuma função dramática. Mesmo quando Carrie se desespera com a primeira menstruação e as outras garotas sacam os celulares para fazer vídeos que acabam na internet, não são as novas ferramentas que desencadeiam os acontecimentos. No máximo, enfatizam a leviandade com que os jovens utilizam as redes sociais e mostram como ficou fácil espalhar ofensas sem precisar se expor.

Até há algumas outras pequenas diferenças em relação ao filme de 1976 --uma “vilã” com cara de Lindsay Lohan e índole de “Meninas Malvadas” é uma delas-- mas trechos inteiros de diálogos aparecem com as mesmas palavras e repetem-se, com pouca variação, os mesmos episódios principais: a menstruação no chuveiro da escola e o escárnio das outras garotas; a punição da professora Desjardin (Judy Greer) à turma e a desobediência de Chris Hargensen (Portia Doubleday), que é impedida de ir ao baile como castigo; o arrependimento da bonita e popular Sue Snell (Gabriella Wilde), que convence o namorado galã, Tommy Ross (Ansel Elgort), a levar Carrie ao baile; o plano de vingança de Chris, ajudada pelo namorado valentão Billy Nolan (Alex Russell); a tragédia no baile e o desfecho entre mãe e filha.

Mesmo que tudo isso se deva menos a uma reverência ao filme de De Palma do que à fidelidade ao livro de Stephen King – que já trazia a maior parte destes episódios e diálogos de forma muito bem construída –, é suficiente para nos questionarmos se uma refilmagem era mesmo necessária.