Roteirista de "Bridget Jones" fala sobre filme no Brasil e aposentadoria
A primeira impressão de Richard Curtis sobre o Brasil não foi das melhores. "Minha viagem foi para conhecer uma prisão barra-pesada e um lixão gigantesco", contou ao UOL o roteirista inglês de clássicos da comédia romântica como "Quatro Casamentos e Um Funeral" (1994), "Um Lugar Chamado Notting Hill" (1999) e "O Diário de Bridget Jones" (2001). "Foi um período sensacional e estranho."
O roteirista e diretor Richard Curtis
Há uma justificativa para isso. Durante boa parte de 2013, Curtis viajou ao Rio de Janeiro para escrever o roteiro de "Trash", adaptação do best-seller de Andy Mulligan pelo diretor Stephen Daldry, indicado ao Oscar por "Billy Elliot" (2000), "As Horas" (2002) e "O Leitor" (2008). "Eu podia ver a praia de Ipanema lá embaixo, mas não podia sair. Eu precisava terminar o texto", lembra-se.
E texto é a especialidade do britânico. Tanto que Richard Curtis está anunciando sua "aposentadoria" do cargo de diretor, depois de três tentativas: "Simplesmente Amor" (2003, com Rodrigo Santoro), "Os Piratas do Rock" (2009) e o mais recente, "Questão de Tempo", que estreia nesta sexta-feira (20) no Brasil. "No momento, não tenho nenhuma intenção de voltar a dirigir um filme. Ironicamente, a razão pode ser encontrada em 'Questão de Tempo'", confirma ele.
No longa, o jovem Tim (Domhnall Gleeson) ouve um segredo que mais parece uma brincadeira do pai (o sempre ótimo Bill Nighy): todos os homens da família possuem a capacidade de viajar no tempo, bastando entrar em um local tranquilo e pensar no momento desejado.
Como numa espécie de "Em Algum Lugar do Passado" (1980) com pitadas de ficção científica, o rapaz tenta conquistar uma garota (Rachel McAdams), mesmo que precise usar sua mágica diversas vezes --descobrindo, também, que qualquer mudança pode causar efeitos radicais no presente.
Assim como seu personagem, o diretor e roteirista percebeu que o tempo é limitado para todos, refletindo essa angústia em um texto emocionante, mesmo que derivativo. "É um filme sobre saborear as coisas simples e maravilhosas na vida", afirma. "Recentemente passei a me preocupar, porque tenho vivido para o trabalho, pensando apenas no trabalho e sem o menor equilíbrio. Então, eu pensei que poderia deixar a direção para outras pessoas".
Um trabalho que Richard Curtis já adianta que não vai pegar é a adaptação de "Louca Pelo Garoto", terceiro livro da franquia Bridget Jones, que mostra a personagem com 51 anos e enfrentando a morte do marido, Mark Darcy (vivido no cinema por Colin Firth). "Eu ainda não sei se haverá um terceiro filme, mas tenho certeza que não vou escrever a adaptação", afirma ele, que diz ter gostado da ousadia da amiga Helen Fielding.
UOL - Você tem falado sobre se aposentar da carreira de diretor depois de "Questão de Tempo". Por quê?
Richard Curtis - No momento não tenho nenhuma intenção de voltar a dirigir um filme. Ironicamente, a razão pode ser encontrada em "Questão de Tempo". É um filme sobre saborear as coisas simples e maravilhosas na vida. Recentemente passei a me preocupar, porque tenho vivido para o trabalho, pensando apenas no trabalho e sem o menor equilíbrio. Isso fica ainda mais complicado quando seus filhos começam a crescer e seus pais morrem. Muda a perspectiva sobre a vida.
Por que virar diretor, então?
Virei diretor para me manter vivo. A verdade é que estava muito difícil para outras pessoas dirigirem meus roteiros, porque eu tinha uma opinião sobre tudo. Qualquer homem ou mulher razoável me mataria por interferir tanto. Então, aprendi um bocado com os cineastas que trabalhei e peguei o trabalho pra mim.
"Questão de Tempo" é uma comédia romântica com uma pitada de ficção científica. Foi difícil fazer um filme sobre viagens no tempo? Geralmente, as pessoas acabam querendo descobrir as falhas no roteiro…
Quando escrevo um roteiro, tudo é difícil. Mas, na verdade, foi divertido lidar com os problemas das viagens no tempo. Lembro da alegria de caminhar um dia e, repentinamente, notar que, se pudesse viajar no tempo, eu nunca poderia voltar para antes do nascimento da minha filha, porque uma mínima mudança poderia me levar a ter outra criança. Eu literalmente corri para o escritório para começar a trabalhar no que poderia ser uma trama. Em relação às falhas, espero que não existam tantas assim.
Qual a dificuldade de escrever e produzir uma comédia romântica nestes dias em que filmes de super-heróis dominam Hollywood?
Sou o roteirista mais sortudo do mundo, porque a maioria dos longas que escrevi acabou sendo feita. Acho que, assim como na vida, tudo é uma questão de adaptação. Filmes podem ser feitos de forma mais ou menos barata, e acho que chegamos ao ponto em que os orçamentos precisam ficar menores. Se você escreve um filme romântico de forma honesta e sincera, ao invés de pensar no dinheiro, ele será produzido e encontrará seu público.
Você tem o talento de equilibrar comédia e drama como poucos roteiristas da atualidade. O que te inspirou no início da carreira?
Minhas inspirações são bem claras, na verdade. Há vários filmes pequenos, íntimos e engraçados como "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977), "A Paixão de Gregory" (1981), "Quando os Jovens se Tornam Adultos" (1982), "O Vencedor" (1979). Recomendo todos eles. Engraçado que eu nem tinha percebido que estava escrevendo uma comedia romântica com "Quatro Casamentos e Um Funeral".
Além de ter escrito a adaptação dos dois "Bridget Jones", você virou grande amigo da autora dos livros, Helen Fielding. Você vai escrever o roteiro do terceiro filme?
Eu ainda não sei se haverá um terceiro filme, mas tenho certeza que não vou escrever a adaptação. Tendo falado isso, eu gostei bastante do livro. Achei que foi muito inteligente ter feito Bridget envelhecer realisticamente e não mantê-la nos eternos 30 anos.
Você já sabia da morte do sr. Darcy?
Não, não sabia. E fiquei ainda mais irritado porque minha filha, afilhada de Helen, sabia de tudo havia vários meses e as duas guardaram o segredo entre elas.
Você escreveu a adaptação de "Trash", que foi filmada no Brasil por Stephen Daldry ("As Horas"), apesar do livro tomar inspiração no sudeste asiático. Por que a mudança?
Decidimos basear o filme no Brasil por muitas razões, a mais importante delas sendo o fato de que nos apaixonamos pelo país e que tudo no livro tem um equivalente real brasileiro. Igualmente importante é a competente indústria cinematográfica brasileira, que nos guiou. E, claro, atores maravilhosos como Wagner Moura e Selton Mello. Acho que o filme vai ficar bem parecido com o livro. Andy [Mulligan, o escritor do original] estava o tempo todo no set e pareceu gostar de tudo. Daldry é um diretor interessante e que pergunta as questões certas durante todo o processo.
Como foi a estadia no Brasil?
Foi um período sensacional e estranho. É um país maravilhoso, com um povo incrível e com muito talento. Mas foi estranho, porque durante três das minhas visitas eu fiquei trancado em um quarto de hotel. Eu podia ver a praia de Ipanema lá embaixo e não podia sair, porque precisava terminar o roteiro. Além disso, minha primeira viagem para o Brasil foi para uma prisão barra-pesada e um lixão gigantesco.
Você escreve roteiros para filmes menores, mas também para Steven Spielberg, caso de "Cavalo de Guerra". Há diferença?
Na verdade, o processo não é muito diferente. Sempre estou datilografando sozinho no escritório. A diferença é que Spielberg é um gênio, então ele tem ideias boas o tempo todo, mesmo em conversas comuns. Depois disso, o meu trabalho é colocar essas ideias no papel e ganhar o crédito.
Como inglês, você deve gostar de futebol.
Sou um fã de ocasião, mas meus três filhos são fanáticos pelo Tottenham, então gosto que vença. Na Copa do Mundo, vou torcer para a Inglaterra, mas se forem eliminados, sou Brasil!
Algum plano de ver a Copa no Brasil?
Eu vim ao Brasil seis vezes neste ano, mas adoraria achar uma maneira de voltar e gritar gol pessoalmente. Eu estava em Paris quando a França ganhou a Copa e foi uma das noites mais extraordinárias e inesquecíveis da minha vida.
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