Funkeiro que atua em "Alemão" ensinou linguajar do tráfico ao elenco
MC Smith é uma figurinha famosa no mundo do "proibidão". O funkeiro carioca de 26 anos se aventura agora como ator de "Alemão", um filme de José Eduardo Belmonte que mistura realidade e ficção. Wallace Ferreira da Mota nasceu no Complexo da Penha, vizinho ao morro do Alemão, e conhece a realidade das comunidades que viveram sob o domínio do tráfico. No filme, ele vive Mata Rindo, o braço direito de Playboy (Cauã Reymond). "Estou me sentindo em Hollywood", brincou MC Smith em conversa com o UOL.
Autor de músicas como "O Blindado Não Intimida" e "Coração de Ouro", MC Smith tem uma outra canção de sua autoria na trilha sonora do longa. É ao som de "Vida Bandida" que Cauã aparece dançando na laje e empunhando uma arma. "O reconhecimento depois desse filme está surreal. É muito gratificante por eu ser um funkeiro. Não sou aquilo que eu canto, eu sou um cara sensível, de família, não fumo, não bebo. Amo e transpiro arte. Esse é o meu vício", disse ele.
O reconhecimento depois desse filme está surreal. É muito gratificante por eu ser um funkeiro. Não sou aquilo que eu canto, eu sou um cara sensível, de família, não fumo, não bebo. Amo e transpiro arte. Esse é o meu vício
Além da participação como ator e cantor no filme, MC Smith também deu consultoria para o diretor e para o elenco de atores sobre a vida em uma favela e o linguajar do mundo do tráfico. "Convivi com isso. Eu morava no morro do Caracol, do lado do morro da Chatuba, onde rolava o famoso baile funk. A minha casa era embaixo de uma boca de fumo", lembrou.
MC Smith disse que, ao enveredar para o cinema, quis cruzar a linha de arte. "Porque funkeiro, para a mídia, é algo estranho, e tudo que incomoda é ruim", criticou. O funkeiro foi descoberto pela equipe de "Alemão" em março de 2013 durante os testes para o filme. Ele foi escolhido para contracenar com o núcleo do "movimento" (o tráfico liderado por Playboy) e virou amigo de Cauã Reymond. MC Smith cedeu sua casa para realizar laboratórios com o ator antes das gravações das cenas. "Ele ficou na minha casa uns dois dias para laboratório. É um cara super gente fina, muito dez".
"Dei dicas para todo mundo [do filme], eles me sugaram muito e eu suguei deles. Foi uma troca. Eu quis dar naturalidade aos atores no que eles sabem fazer de melhor, interiorizar o personagem. Quis passar como o policial lida com o bandido, como o bandido lida com o policial. Ali a lei é do mais forte", disse.
Trailer de "Alemão" tem música de MC Smith
Lembranças da mega operação no morro
Há oito anos circulando pelo universo funk, MC Smith contou que os traficantes do morro lhe diziam para não entrar para o tráfico. "Foi uma coisa louca. Todos os meus amigos entraram e falavam que o meu mundo não era o tráfico, não era o fuzil. Diziam que podia ser o último herói deles". Ele compara sua vida a do jogador de futebol Adriano, que viveu a infância na Vila Cruzeiro, no morro do Alemão, e começou a carreira no Flamengo.
Clipe de "Coração de Ouro"
Um dia marcante para o cantor é 28 de novembro de 2010. Naquela manhã, o complexo de favelas do Alemão foi ocupado em uma mega operação militar para expulsar o tráfico de drogas da região. MC Smith estava lá. "Eu morava perto. Tinha a mania de subir no morro quando terminava de malhar. Daí vi as viaturas e tanques chegando, fui rápido para casa para não ser abordado pela polícia. Tive que ir embora [do morro] para não sofrer represálias, por ser conhecido como o MC do proibidão".
Segundo o cantor, a época dos grandes bandidos e traficantes de drogas o ajudou a crescer. "Eles tinham a vida deles e seguiam o seu caminho. Eu traficava arte, fazia balé e jogava futebol". Mas nem sempre vida de Wallace foi de sucesso. O cantor foi preso em dezembro de 2010 acusado de apologia e incitação ao crime, associação ao tráfico e formação de quadrilha.
"Eu entro em comunidades rivais sem bonde, sem nada, só com a minha música, e consigo passar a mensagem. E se eles [policiais] entrassem com a mensagem como fazem grupos de teatro, o tráfico iria acabar. A pacificação só leva o militarismo, e não o social. É o que falta. O povo não quer cesta básica, o povo quer cultura".
Em menos de uma semana da estreia do filme nos cinemas, MC Smith já torce para uma sequência de "Alemão". "A gente não sabe como vai ser. O tráfico pode voltar, o Cauã pode se converter e entrar para a igreja ou virar funkeiro. O destino é implacável".
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