Em "Godzilla" inspirado no original, ator japonês exigiu pronunciar Gojira
Quando Ken Watanabe teve de completar sua primeira cena como o cientista Ichiro Serizawa em "Godzilla", ele deixou claro sua única exigência ao diretor Gareth Edwards: “Não me peça para dizer Godzilla, como aparece no roteiro. No Japão, a gente pronuncia Gojira. E não aceito falar de outro modo”. Compreensível.
Além do sotaque intacto, a megaprodução estimada em US$ 160 milhões, parceria da Warner com a Legendary, inclui os indefectíveis urros e canhões de laser, marcas do personagem. O filme que chega nesta quinta (15) aos cinemas brasileiros, o segundo produzido 100% em Hollywood em torno do personagem-símbolo da cultura pop nipônica, não tem “nada a ver com as criações dos anos 70, 80 e 90, e tudo com o original, o clássico de 1954, que é um favorito pessoal”, garante Edwards.
O britânico Edwards, conhecido pelo independente "Monstros" (2010), jamais havia trabalhado em uma grande produção de Hollywood quando, incrédulo, recebeu o convite para dirigir "Godzilla". Mas tinha uma certeza: “queria esquecer de todo o resto e focar na experiência que eu mesmo tive um dia, sentado no sofá da minha casa, boquiaberto, vendo aquele filme tão original de 1954. Não há admirador de ficção científica e de filmes de fantasia que não tenha uma relação muito especial com aquela produção”, conta.
Para Watanabe, “o filme marca os 60 anos do primeiro 'Godzilla'". O ator de 55 anos, indicado ao Oscar de ator coadjuvante por "O Último Samurai" (2003), vive o cientista Ichiro Serizawa, cujo passado – é filho de um sobrevivente dos ataques americanos a Hiroshima e Nagasaki em 1945 – e tentativa de usar a energia nuclear para fins pacíficos representam, a seu ver, a consciência do Japão.
"O personagem nasceu do medo dos meus compatriotas de que Hiroshima e Nagasaki seriam repetidas se a corrida armamentista da Guerra Fria seguisse a todo vapor. Há três anos, tivemos uma experiência horrível no Japão, com o colapso da usina nuclear em Fukushima. E o medo era igual. O medo não mudou. Precisava fazer 'Godzilla' para expressar o meu medo também, como cidadão japonês, como ator, como habitante do nosso planeta", afirma. "No primeiro encontro com Gareth ele deixou bem claro: olha, é um filme-pipoca, queremos que seja um blockbuster, mas tem algo mais aqui. Queremos tratar de um tema que afeta a todos nós. Gostei da visão dele e decidi fazer o filme”.
Trailer legendado de "Godzilla"
Edwards explica que, para ele, o sentido de ressuscitar o personagem no cinema tem a ver com a "caixa de Pandora" que o poder nuclear representa. "Você não pode mais fechá-la. Há mais países ou desenvolvendo ou lutando pelo direito de dominar a energia nuclear de uma forma mais total. E sabemos que se – e quando – algo der errado, as consequências são terríveis. Hoje em dia, o foco é em eventos como os acidentes em usinas nucleares recentes, como a de Fukushima em 2011, de uma maneira respeitosa, espero. Na minha imaginação de cineasta, no mundo ideal, um mundo pós-Godzilla seria o do uso cada vez maior de energia solar e eólica, a fim de evitar mais destruição. Tentei fazer uma reflexão real, dentro dos limites do filme-pipoca", conclui.
Dentro desta perspectiva, o diretor apresenta Godzilla como uma espécie de animal pré-histórico, que se alimenta de energia nuclear e enfrenta --para alívio e adoração de cidadãos dos dois lados do Oceano Pacífico-- outros seres mitológicos despertos por conta da obsessão sem limites de governos pela exploração e controle das fontes de energia do planeta.
"O que me guiou foi uma tentativa de fazer um arco de personagem mesmo com Godzilla, de ser percebido primeiro como uma ameaça e depois como um possível salvador", conta Edwards. "O que me interessa é a jornada dele. E a oposição apresentada pelas outras criaturas me oferecia esta possibilidade, a de que o reencontro das plateias com este Godzilla que também é deles se desse com a possibilidade de você torcer abertamente por ele. Se você o odeia ou tem medo dele no começo do filme, depois passa a vê-lo, pelo menos, como um anti-herói".
Watanabe, que nem era nascido quando o primeiro "Godzilla" foi lançado, em 1954, diz que o personagem é parte de sua formação artística, desde criança, e que está satisfeito com o novo filme. "Estou bem satisfeito com o que o Gareth fez. Nem precisei dar muitos pitacos. Ele é um profundo admirador da cultura japonesa. A única coisa que precisei fazer foi mostrar a lógica de meu personagem falar sempre Gojira e nunca Godzilla, como os produtores queriam, pensando na audiência”.
Em pouco mais de uma hora e meia de ação, o novo “Godzilla” retorna às origens do monstro --com um elenco que inclui Bryan Cranston, Juliette Binoche, David Strathairn, Sally Hawkins, Aaron Taylor-Johnson e Elizabeth Olsen. A ação se dá, primeiramente, há duas décadas, com um acidente em uma usina nuclear no Japão em que trabalha o casal formado por Cranston e Binoche. O primeiro não se conforma com as explicações oficiais para a tragédia e inicia uma investigação que culmina com a descoberta, já no presente, de uma agência secreta dedicada a investigar a existência de enormes monstros prestes a serem despertos. Casado com a personagem de Elizabeth Olsen, com quem tem um filho, o militar inicia uma relação de parceria mais ou menos clara com Godzilla, que tem tudo para ser explorada em possíveis próximos capítulos desta história.
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