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Depois de reinventar o faroeste, Eastwood não fez sequer um filme ruim

Roberto Sadovski

Do UOL, em São Paulo

28/06/2014 06h00

Clint Eastwood já deixou de ser astro para se tornar lenda há tempos. Aos 84 anos, continua trabalhando como nunca, com "Jersey Boys: Em Busca da Música", seu 33° longa como diretor, aterrissando agora nos cinemas. Clint começou a carreira ao fim dos anos 50 em um sem número de pontas no cinema e na TV. A série "Rawhide", com oito temporadas e mais de duzentos episódios, o tornou sinônimo de western, imagem que ele solidificou ao lado do diretor Sergio Leone em três clássicos: "Por Um Punhado de Dólares"," Por Uns Dólares a Mais" e, sim, "Três Homens em Conflito" – este último, uma das maiores obras primas já concebidas no cinema.

Lançado em 1966, o faroeste de Leone era o ápice de um gênero ainda eterno. O título original, “O Bom, o Mau e o Feio”, trazia um trio de atores tão diverso quanto inesquecível. O mau era Lee Van Clif, de feições magnéticas e olhar gélido. Eli Wallach era o feio, ator versátil e eclético, que trabalhou sem parar até sua morte, há poucos dias, aos 98 anos – Van Clif se foi em 1989, aos 64. Para Clint, sobrava o papel do “bom”, o mocinho de feições duras e coração nobre.

Clint - Montagem UOL/Reprodução - Montagem UOL/Reprodução
Clint Eastwood nos filmes "Por um Punhado de Dólares", "Por uns Dólares a Mais" e "Três Homens em Conflito"
Imagem: Montagem UOL/Reprodução

Diretor

Logo ficou claro que ele não se contentaria com um só adjetivo. Nos anos 70, Clint já saltou para o lado oculto da câmera, dirigindo a si mesmo em "Perversa Paixão", um suspense que o colocava como objeto de adoração de uma fã obcecada. No mesmo ano, 1971, deu corpo a um dos personagens mais icônicos do cinema casca grossa: o policial Dirty Harry de "Perseguidor Implacável" – dirigido por outro gênio, Don Siegel.

Nos anos e décadas seguintes, o astro consolidou sua carreira, ora à frente, ora atrás das câmeras, não raro dividindo as duas funções. O faroeste, sempre onipresente, surgiu em pérolas como "O Estranho Sem Nome", "Josey Wales: o Fora-da-Lei" e "O Cavaleiro Solitário". No “mundo real”, Clint colocou suas ideias políticas em prática e se tornou prefeito da pequena Carmel, na Califórnia. Ao lado de Charles Bronson e, depois, Sylvester Stallone, personificou o americano que, na superfície, soltava um sorriso irônico enquanto resolvia as coisas com os punhos.

Aos poucos, porém, Clint se revelou um artista de insuspeita sensibilidade. A cinebiografia de Charlie Parker, "Bird", de 1988, mostrou sua paixão pela música e seu comando da narrativa sem contar com sua presença onipresente em cena. O passo para além do passado foi dado em "Os Imperdoáveis", de 1992, que o consagrou com o Oscar e desconstruiu com precisão cirúrgica o próprio gênero que ele ajudou a construir. Como o pistoleiro decadente, velho e aposentado, obrigado pelas circunstâncias a aceitar um último trabalho, Clint fez o faroeste definitivo e não olhou mais para trás.

Clint 2 - Divulgação - Divulgação
"Bird", de Clint Eastwood, é baseado na biografia do músico Charles Parker, um dos mais famosos jazzman americanos
Imagem: Divulgação

Depois do faroeste

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Meryl Streep e Clint Eastwood em cena de "As Pontes de Madison" (1995), de Clint Eastwood
Imagem: Reprodução

A verdade é que, depois, ele não fez sequer um filme ruim. Nem sempre acertou a mão por inteiro ("Poder Absoluto", "Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal", "Dívida de Sangue"), mas expôs um cineasta eclético e sem medo de explorar gêneros inesperados (romance em "As Pontes de Madison", aventura espacial em "Cowboys do Espaço", suspense em "Sobre Meninos e Lobos", drama esportivo em "Menina de Ouro"). Prometeu se aposentar de ao menos uma das funções, a de ator, com "Gran Torino", de 2008 – mas lá estava ele mais uma vez no batente em "Curvas da Vida", de 2012, sob o comando de Robert Lorenz, seu produtor e assistente de direção ocasional desde "Dívida de Sangue".

"Jersey Boys", adaptação do musical da Broadway, até parece estranho em seu currículo. Mas a verdade é que a cinebiografia do grupo vocal The Four Seasons parece se encaixar perfeitamente na ampla filmografia de Eastwood. Embora o drama tenha alguns tropeços no roteiro, que deixa no vazio pontos da trajetória do cantor Frankie Valli, a direção de Eastwood é impecável. Quando "Jersey Boys" abraça sua música, o filme decola. É um pouco como o ritmo do próprio Eastwood, que, assim como Woody Allen, trabalha sem parar, entregando um filme a cada temporada. Depois de "American Sniper", sendo rodado agora com Bradley Cooper, ele disse que vai tirar um ano de folga. O que pode mudar, claro, se alguém com um roteiro perfeito lhe bater à porta.