Filhos buscam patrocínio para restaurar obra cinematográfica de Carvana
Ao longo de quatro décadas dedicadas ao cinema e à comédia, Hugo Carvana, 77 anos, morto neste sábado (4) e velado no Parque Lage, no Rio, neste domingo (5), deixou um legado de nove filmes e o décimo, com Antônio Fagundes no papel principal, em produção. Seus quatro filhos, todos envolvidos com cinema e audiovisual, pretendem recuperar e restaurar o acervo deixado pelo pai. Grande parte está arquivada na Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
O primeiro desses filmes a passar por um processo de remasterização e restauro foi “Vai Trabalhar Vagabundo”, de 1974, estreia de Carvana na direção, que foi exibido no final da tarde deste domingo no Ponto Cine em Guadalupe, na zona oeste, como parte da programação do Festival do Rio.
“Queria agradecer ao meu pai pela bonita história que deixou e da qual nós vamos cuidar. Cuidar da obra do meu pai é cuidar com uma maneira carinhosa da memória do Rio de Janeiro”, anunciou Pedro Carvana, 45, o filho mais velho do cineasta.
Falta de patrocínio
Também diretor de cinema, Pedro admitiu que o projeto de resgate do legado de seu pai ainda depende de patrocínio. “A gente está cuidando do acervo, mas estamos procurando apoio para viabilizar o resgate da obra do Carvana. Estamos encontrando alguns parceiros, mas é um caminho longo. Para cuidar dessa obra tão importante, a gente quer restaurar todo esse acervo, e estamos começando com ‘Vai Trabalhar Vagabundo’. É o primeiro da fila, que completa 40 anos”, confirmou o filho.
Pedro se mostra bastante conhecedor e entusiasta da obra do pai e o define como um “cronista da cidade através da lente do humor”. Todos os filmes de Carvana foram ambientados no Rio de Janeiro, e seus personagens eram característicos cariocas apaixonados pela cidade.
Seu décimo longa, “Curto Circuito”, estrelado por Fagundes, era um grande motivo de animação para o cineasta. “Ele estava querendo sair da cama para querer tocar o projeto”, contou Pedro.
O começo no cinema
Carvana atuou em mais de 90 filmes e começou ainda adolescente, entre 16 e 18 anos de idade, fazendo figuração nos estúdios da Vera Cruz no Rio. Depois, participou do Teatro Opinião e, nas palavras de Pedro, seu pai “mambembou pelo Brasil inteiro”. Ele também participou do
Cinema Novo, trabalhando ao lado de Glauber Rocha e Ruy Guerra. “Mas teve uma hora que ele começou a fazer os seus próprios filmes.”
Para a irmã de Pedro, Maria Clara, conhecida como Cacala, o trabalho de seu pai a influenciou muito em sua carreira, pois hoje ela também trabalha com cinema. Um filme que marcou a sua vida e do qual guarda boas lembranças é “Bar Esperança”. “O ‘Vai Trabalhar Vagabundo’ me emocionou muito. Tem imagens dele novo, muito bonito, cheio de vida. Mas eu, especialmente, tenho um carinho pelo ‘Bar Esperança’, do qual participei muito pequena. Eu ia aos cenários e estava nos sets. É um belo filme. Faço cinema hoje e tenho muito essa experiência de bastidores”, disse Cacala ao UOL.
Voz da crítica social pelo humor
Amigo de longa data de Carvana, o escritor e produtor musical Nelson Motta considera o cineasta uma importante voz da crítica social e política dentro das comédias. “O Hugo se revelou mesmo como diretor e ator nas comédias. Ele começou numa época dificílima, no auge da tortura e da repressão. E fazia uma crítica social. Ele tinha, sobretudo, a virtude de fazer rir mesmo na hora que as pessoas estavam no maior sufoco e desespero”, comentou.
Para Motta, a grande contribuição do cineasta foi mesmo ter sido capaz de fazer o público rir nos piores momentos. “Ele conseguiu trazer diversão e esperança às pessoas.”
Assim como Cacala, um grande filme que marcou Nelson Motta foi “Bar Esperança”, pois sua filha ainda pequena teve uma participação especial e sua então mulher, a atriz Marília Pera, foi uma das protagonistas junto com Hugo. “É um filme emblemático, ali se revelou toda uma vida da boemia carioca, um espírito de um tempo duríssimo, mas ao qual os artistas reagiam com arte, leveza, diversão, crítica social e política.”
Motta ainda lembra as aventuras de quando ele e Carvana eram jovens e frequentavam aos domingos a cobertura de Ronaldo Bôscoli, em Ipanema, e depois seguiam ao Maracanã para assistir às partidas do Fluminense junto com Elis Regina e Chico Buarque. “O Hugo é a encarnação do último malandro carioca no bairro de Copacabana”, contou.
O corpo do cineasta será cremado nesta segunda-feira (6) às 10h no Memorial do Carmo, no bairro do Caju, em cerimônia fechada para parentes e amigos próximos.
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