Filme sobre Tim Maia recupera fase Racional, que misturou suingue e ETs
Era final de julho de 1974. Tim Maia tomou uma mescalina e partiu para a casa do compositor Tibério Gaspar, a única numa praia deserta e selvagem no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Quando chegou, o amigo (autor de canções lendárias como "BR-3") estava no banho. Enquanto esperava na sala, começou a folhear um livro qualquer. O efeito do alucinógeno começava a bater.
Naquela noite, depois de ler algumas páginas do livro "Universo em Desencanto", de uma hermética seita chamada Cultura Racional uma estranha e súbita transformação começou a tomar conta do músico mais chapado da musica brasileira.
No auge do sucesso, o indomável Tim Maia (1942-1998) se tornou um fanático religioso e mergulhou de cabeça em umas das viagens mais alucinantes de sua vida.
Essa fase do artista, até hoje envolta em mistérios, já foi contada em dois livros do jornalista Nelson Motta, "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia" e "Noites Tropicais" (ambos da editora Objetiva). O transe esotérico do rei do samba-soul ganha espaço agora na cinebiografia "Tim Maia", do diretor Mauro Lima ("Meu Nome não é Jhonny").
"O filme aborda algumas décadas em duas horas, de modo que eu atravesso esse tema em coisa de dez sequências", avisa o diretor Mauro Lima. Mas ele reconhece ser uma fase importante do artista e conta que as histórias da estranha seita foram extraídas das diferentes fontes que usou na pesquisa para o longa.
"Além do livro do Nelsinho, trabalhei com um extenso material de arquivo, entrevistas gravadas, o livro do cantor Fábio, de onde tirei a ideia da locução, e conversas, formais e informais, com pessoas do convívio do Tim, como o cantor Hyldon, amigos e o filho Carmelo".
Procurados pela reportagem do UOL, integrantes da doutrina se recusaram a falar. "Estamos orientados a não conversar com a imprensa por causa do filme do Tim Maia", responderam por telefone.
O diretor do filme, entretanto, garante que teve apoio da seita. "Alguns deles encontraram os atores na rua durante a preparação, na Tijuca, e foram super amistosos".
Lima ressalta que tomou cuidado de não assinar embaixo da versão do Tim sobre sua saída. "Ele era famoso pro suas bravatas e desafetos repentinos. Foi como tratei". O cineasta se refere ao momento em que o músico se desencantou e decidiu sair da seita, bem ao seu estilo, ou seja, chutando o balde.
"Alguns membros, inclusive alguns conhecidos, asseguraram que parte do radicalismo que o Tim dizia haver ali, era coisa da cabeça dele, digo isso claramente no filme", acrescenta Lima.
Cultura Racional
A imunização proposta pela seita cultura racional, derivada da umbanda, ainda mobiliza milhares de fieis. A sede permanece no Rio, onde foi fundada em 1939, mas as livrarias da seita estão espalhadas por todo o país.
Apesar de informarem que não há templos, cultos, e que a salvação, ou imunização, está nos livros, o grupo organiza encontros que misturam extraterrestres, umbanda e campos magnéticos.
No total a obra que deve ser lida por seguidores soma mais de mil livros, que já foram traduzidos para outros idiomas, como o espanhol e o inglês. Uma banda musical formada por centenas de jovens também é usada para difusão da cultura racional.
O evangelho segundo Tim
Logo que conheceu a seita, Tim Maia foi rapidamente abduzido por ela. "Somos de um planeta distante, a salvação está na imunização racional, só assim podemos nos purificar e ser resgatados pelos discos voadores", disse Tim, com o livro embaixo do braço.
No começo, amigos acharam engraçado, principalmente a parte sobre os óvnis. Só que o músico falava sério. Pouco depois de ler o livro, numa casa velha e humilde de uma rua de terra na calorenta Belford Roxo, na Baixada Fluminense, o artista conheceu Manoel Jacintho Coelho (1903-1991). Além de mestre do grupo religioso, era o autor dos milhares de livros em torno dos quais está estruturada a doutrina da Cultura Racional.
A partir daí, Tim, mestre das fusões sonoras, colocou toda a força de sua sonoridade a serviço da nova causa esotérica, cheia de fé, esperança e discos voadores.
Mas não foi só musicalmente que o artista entrou na história. "O processo de imunização exigia dedicação total", escreve Motta em "Vale Tudo". Segundo conta o jornalista, Tim rompeu com a gravadora, cortou o cabelo, fez a barba, começou a se vestir de branco e se tornou um missionário da ala radical da seita.
Fundamentalista sim, mas sem perder o suingue
A fase obscura de Tim Maia na cultura racional, paradoxalmente, foi um de seus momentos mais criativos. A trip vertiginosa, que durou dois anos, inspirou dois discos geniais: "Tim Maia Racional vol. 1" e 2.
Ou seja, fundamentalista sim, mas sem perder o suingue. "Foi a melhor fase de Tim como cantor - porque ficou um ano sem fumar, sem beber e sem tomar drogas, a voz nunca esteve tão limpa e pura", comenta Nelson Motta.
Mas, renegada até pelo próprio músico, após se desencantar com a seita, a obra que mistura funks, souls, sambas, gospels e até xotes, permaneceu esquecida durante três décadas.
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