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Fofocas de salão: elfo de "O Hobbit" não depila e cabelão de ruiva é fake

Os elfos Thranduil (Lee Pace) e Tauriel (Evangeline Lilly) em cena do novo "O Hobbit" - Divulgação/Warner Bros.
Os elfos Thranduil (Lee Pace) e Tauriel (Evangeline Lilly) em cena do novo "O Hobbit" Imagem: Divulgação/Warner Bros.

Diego Assis*

Do UOL, em Wellington (Nova Zelândia)

14/11/2014 06h05

Em uma salinha apertada de Stone Street, complexo de estúdios na cidade de Wellington, Nova Zelândia, está o salão de Peter Swords King, barbeiro mais requisitado de toda a Terra Média. É deste inglês de 59 anos, cabelos brancos bem penteados e bigode cuidadosamente cofiado, a tarefa de criar e zelar pelas perucas e barbas do elenco de "A Batalha dos Cinco Exércitos", último filme da trilogia de "O Hobbit", que chega ao Brasil em dezembro.

"Depois de um dia de trabalho dos atores, removemos todas as perucas, sentamos e as limpamos", diz King, apontando para estantes repletas de cabeças de manequim cobertas com madeixas de diversos personagens do filme, da cabeleira acinzentada de Gandalf às barbas trançadas do anão Nori. "Isso tem de ser feito todo dia. Não tem um em que você diga 'Ó, não vou me preocupar com isso hoje'. São pelo menos mais umas três horas de trabalho depois que os atores acabaram para pegar e preparar as perucas para o dia seguinte. Não tem como escapar."

Poderia até não parecer tanta coisa não fosse o fato de todos - com exceção talvez de Bilbo, Bard e do dragão Smaug - os personagens precisarem de perucas ou barbas postiças. Gandalf, Radagast, Elrond, Thranduil, Legolas, Tauriel, Thorin, Fili, Kili, Balin, Dwalin, Oin, Gloin, Ori, Dori, Nori, Bifur, Bofur e Bombur.

"Temos de fazer um mínimo de três perucas para cada um. Porque os atores têm uma, os dublês têm outra e uma terceira que é feita em outra escala, maior ou menor [para os truques de filmagem do diretor]. Então, sempre que um novo personagem aparece, são três perucas. Três perucas, três perucas. Três vezes quatro são doze, você vai somando... e fica caro", enumera o peruqueiro, botando na conta do lápis o preço médio de cada madeixa: 4.000 libras, o equivalente a cerca de R$ 16 mil. Já as barbas custam "só" 1.000 libras cada uma (R$ 4.000).

Com tanto dinheiro em jogo, é natural que, por trás dos fios, sejam tomados alguns cuidados extras para que os apliques não se percam especialmente nas cenas de ação - que não são poucas. "Tivemos problemas terríveis com os anões. Especialmente quando eles caem na água e, por mais que a gente cole as barbas e as prenda com elásticos, algumas são tão pesadas que se perdem. Nós perdemos algumas no caminho. Não sei onde foram parar. É bem provável que já estejam na rede de esgotos de Wellington."

Cabeleireiro de O Hobbit fala sobre cabelos de Tauriel

  • Divulgação

    Peter [Jackson] queria algo completamente diferente e veio com esse cabelo ridículo de tão longo, olhou para mim e disse 'Assim, você consegue fazer?' Foi feito em pedaços porque era impossível conseguir um cabelo tão comprido como aquele"

    Peter Swords King, Cabeleireiro e maquiador da trilogia "O Hobbit"

Cada cabeça, uma peruca
Feitas com cabelos humanos - e em alguns casos com crinas de cavalo ou pelos de bufalo -, as perucas de King são confeccionadas sob encomenda em Londres e Bristol por antigos colaboradores e remetidas à Nova Zelândia pelo correio para serem usadas no filme. "Faço tudo pelo telefone ou por e-mail. Meço as cabeças do pessoal aqui, tiro os moldes, envio com algumas amostras de fios de cabelo e depois ligo para explicar o que eu quero", conta.

Na maioria das vezes, entretanto, a imaginação do diretor e do elenco entra no meio e King e seu time acabam fazendo algumas adaptações às perucas. Aconteceu com a personagem da atriz Evangeline Lilly, por exemplo, que tinha de "parecer bonita", distante da ideia do elfo "pálido", "andrógino", "que fica andando e filosofando por aí". 

"Peter [Jackson] queria algo completamente diferente e veio com esse cabelo ridículo de tão longo, olhou para mim e disse 'Assim, você consegue fazer?' E eu 'OK, OK', pensei em como fazer e, claro, voltamos lá e fizemos. Foi feito em pedaços porque era impossível conseguir um cabelo tão comprido como aquele", revela o designer, que também teve de passar por três processos de tintura até chegar ao tom de ruivo que Lilly, a queridinha do set, pediu.

"Tudo bem por mim. Se eu discordasse, eu teria dito não. Mas, hm, foi uma ideia adorável deixá-la mais ruiva. Claro, eram quatro perucas só para ela, e cada uma teve de ser colorida separadamente. E só fazíamos isso com papel alumínio. Então a gente praticamente acabou com o estoque de papel alumínio da Nova Zelândia para tingir cada peruca três vezes", completa o cabeleireiro, disfarçando qualquer irritação. "Sim, não... É ótimo que as pessoas se envolvam com seu personagem. Você não pode ignorá-las completamente. Que seja, contanto que seja razoável!"

Cocô nos cabelos dos outros é refresco
Como numa visita ao salão, a conversa de não mais que 20 minutos com King vai descontraindo e virando um prato cheio de  fofocas de bastidores. Como a da relutância do galã norte-americano Lee Pace em depilar partes das grossas sobrancelhas para encarnar o elfo Thranduil.

"Minha primeira reação foi 'Vamos depilar!' E ele disse categoricamente: 'Não! Vocês não vão tirar minhas sobrancelhas.' No final, acabamos tirando um tiquinho, mas fizemos outra coisa: as sobrancelhas dele são muito retas, então a gente prendeu umas fitas adesivas na peruca que as puxam para cima. No final pensei: 'Ele tem sobrancelhas fantásticas, por que eu faria mal a elas?'", diverte-se.

O mago Radagast (Sylvester McCoy), que tem ninho e cocô de passarinho nos cabelos e barba em "O Hobbit" - Divulgação/Warner Bros. - Divulgação/Warner Bros.
O mago Radagast (Sylvester McCoy), que tem ninho e cocô de passarinho nos cabelos
Imagem: Divulgação/Warner Bros.

Outro segredinho diz respeito à origem do ninho de pássaro que o mago Radagast usa na cabeça. "Peter e eu estávamos aqui rabiscando no papel e ele disse 'Por que não colocamos um ninho na cabeça dele?' Eu vou lá e começo a desenhar um monte de protótipos e, para nossa diversão, chega um dos filhos dele e fala 'Ei, olhem, eu achei um ninho de passarinho'. E é exatamente esse ninho que a gente usou", conta King. "A gente queria fazer com que ele parecesse bagunçado, como se nunca na vida tivesse cuidado da aparência. Daí o cocô de passarinho escorrendo pelo rosto dele. Porque isso não é importante para ele. A natureza é importante."

O cocô, por acaso, também é de verdade? "Farelo de milho", responde de pronto. "Criar o cocô de pássaro foi bem divertido. A gente misturou tudo nesses potes enormes, pingou um pouco [no ator] e o levamos para o set. E o Peter disse: 'Não, mais! Mais cocô! Ponham mais cocô nele. Mais cocô!' No final das contas, terminamos com muito mais cocô do que queríamos originalmente. Mas, hm, você sabe, é o Peter, ele gosta de forçar as coisas", entrega.

Vencedor de um Oscar em 2004 por "Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei", King trabalha com Peter Jackson desde o primeiro filme da trilogia, em 2001, mas apesar dos anos de colaboração, valoriza e se faz de humilde quando perguntado sobre sua relação com o chefão de tudo ali.

"A gente quase nunca conversa. O que é bom. Eu não atrapalho. Acho que ele confia em mim. Se tem algum problema, eu o procuro para conversar, caso contrário, continuo fazendo até que ele diga 'Não gostei daquilo'. E, graças a Deus, ele não faz isso com frequência. Mas tudo bem. Toda vez que vejo Peter, ele sorri para mim, então ótimo. Eu fico bem", resigna-se o cabeleireiro, despedindo-se dos repórteres e voltando ao trabalho em sua sempre apertada, mas não menos importante, salinha em Stone Street.

* O jornalista viajou a convite da Warner Bros.