Elogiada por estúdio americano, animação nacional estreia em apenas 6 salas
Em um bom momento da animação no cinema nacional, com mais produções do gênero e maior participação em festivais, a criativa safra que inclui filmes como "O Menino e o Mundo" e "Uma História de Amor e Fúria" tem outro representante. Dirigido por Otto Guerra e Ennio Torresan, "Até que a Sbórnia nos Separe" estreia em circuito nacional nesta quinta-feira (22).
Exibido pela primeira vez no Festival de Gramado de 2013, o filme entra em cartaz em 3D em apenas seis salas –três em São Paulo, uma em Ribeirão Preto (SP), uma no Rio e outra em Fortaleza (CE). Espaço injusto para um filme orçado em R$ 4 milhões, divertido e anárquico, que faz questão de não seguir o modelo de sucesso de gigantes do mercado, como a Disney.
Em uma exibição dentro do estúdio americano Dreamworks, onde o codiretor do filme, Ennio Torresan, trabalha desde 2003, “Sbórnia” ganhou muitos elogios. Responsáveis por franquias de sucesso como ‘Shrek’ e ‘Madagascar’, os animadores do estúdio ficaram impressionados com os traços do longa brasileiro e o seu esforço para fugir dos moldes americanos. “Eles ficaram intrigados com a história. Ninguém saiu da sala”, conta Otto Guerra ao UOL. “Na época, saiu uma reportagem por lá, dizendo que dois filmes deveriam estar concorrendo ao Oscar de animação. O filme do Alê ['O Menino e o Mundo', de Alê Abreu] e o nosso."
Otto Guerra
Há um preconceito local. Uma amiga foi ver o filme e viu o cara da bilheteria avisando os espectadores: "mas, olha, é uma animação adulta brasileira". Era uma advertência
Livremente adaptado da peça musical “Tangos e Tragédias”, criada em 1984 pela dupla gaúcha Nico Nicolaiewsky (morto em 2013) e Hique Gomez, o filme apresenta a fictícia Sbórnia, pequeno país isolado do resto do mundo e protegido por um grande muro. Depois que esse muro é destruído em um acidente, os músicos Kraunus e Pletskaya veem sua nação ser invadida por estrangeiros. Além disso, a bizuim, tradicional bebida local --que tem certo teor alucinógeno-- passa a ser explorada comercialmente.
Os elogios recebidos no exterior, no entanto, não facilitaram a estreia do filme por aqui. Apostando as fichas em Porto Alegre, onde a peça "Tangos e Tragédias" ficou em cartaz por mais de 20 anos, Otto Guerra bancou durante um mês, em regime de permuta, a divulgação do longa. As expectativas eram altas. O filme, no entanto, só atraiu 11 mil espectadores na capital gaúcha.
Para quem diz que quase passou fome para realizar o sonho de fazer animação no Brasil, Guerra demonstra um bom humor infalível. "Há um preconceito local. Uma amiga foi ver o filme e viu o cara da bilheteria avisando os espectadores: 'mas, olha, é uma animação adulta brasileira'", ele ri. “Era uma advertência.”
Guerra sabe que o cinema não passa por uma fase boa no mundo inteiro, mas, no Brasil, essa crise tem agravantes. “A Disney já esteve quebrada e renasceu das trevas. Um dos filmes deles, o 'Enrolados', foi refeito três vezes, até funcionar com o público. Gastaram milhões de dólares. A questão do público por aqui tem fatores imponderáveis.”
Em reportagem publicada pelo UOL em 2014, cineastas brasileiros que trabalham com animação apontaram que a produção nacional não decola por falta de distribuição, profissionais e escolas de formação.
O único antidoto que Guerra vê para o futuro é o investimento em uma cultura própria de animação. "O retorno que tivemos da Dreamworks e o bom resultado das produções brasileiras no Annecy [principal festival do gênero no mundo] mostram que o Brasil está em um patamar impressionante. Demos um passo imenso. Há um respeito e uma surpresa na questão da temática. 'O Menino e o Mundo' é super poético, e isso é uma coisa nova para o resto do mundo. Não seria legal repetir as fórmulas da Disney. Temos nossas culturas. Isso pode fazer com as coisas evoluam ainda mais", observa.
Cidade dos Piratas
Com filmes de curta-metragem quase prontos e a coprodução da animação espanhola “Bruxaria”, Guerra está há dez anos tentando finalizar a sua trilogia de filmes adaptados de quadrinhos brasileiros. Após o seu primeiro longa, "Rocky & Hudson" (1994), com os caubóis gays criados pelo cartunista Adão Iturrusgarai, e “Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll” (2006), inspirado na obra de Angeli, o cineasta está animando "Cidade dos Piratas", adaptação para as telas da tira "Piratas do Tietê", de Laerte.
Mais uma vez não haverá facilitação. Aos risos, ele comenta que “Cidade dos Piratas” está na 12ª versão do roteiro e que agora terá o alter ego do cartunista, Hugo, que, como o próprio Laerte, se descobre transgênero. "O Hugo será um falso autor, o cara que está tentando adaptar a história do Laerte, a história dos Piratas. Seria um falso documentário dentro do filme", promete.
O longa deve estrear apenas em 2016, sem repetir alguns erros na produção do "Sbórnia". "Uma coisa que deu problemas foi pegar dinheiro emprestado no banco. O exagero da animação de 'Sbórnia', algo além da nossa capacidade, nos obrigou a isso. Foi horrível, quase quebramos. Nunca mais."
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