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Já viu este filme? "Homem Irracional" reúne clichês de Woody Allen

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

27/08/2015 10h09

Você pode até ter uma opinião diferente, mas provavelmente já ouviu esta história: Woody Allen, diretor laureado por tantas comédias e dramas, sempre lançou o mesmo filme, variando apenas detalhes de enredos, personagens e estilo.

Exageros à parte, é fato a recorrência de diversas situações em suas histórias, quase sempre permeadas pela neurose, jazz e ironia. Basta puxar pela memória. Mas há explicação: autoral e autobiográfico, Allen também assina os roteiros de seus longas, transpondo para as telas todo um universo pessoal.

Sabendo disso, o UOL separou alguns desses clichês que aparecem no novo filme do cineasta, o drama “Homem Irracional”, que estreia nesta quinta (27) no Brasil. Se eles dão tempero especial ao filme ou não passam de repetições previsíveis, vai do gosto freguês. Veja a seguir (mas cuidado com os spoilers).

Joaquin Phoenix e Owen Wilson em cenas de "Homem Irracional" e "Meia-Noite em Paris" - Montagem/Reprodução - Montagem/Reprodução
Joaquin Phoenix e Owen Wilson em "Homem Irracional" e "Meia-Noite em Paris"
Imagem: Montagem/Reprodução

O intelectual/artista em crise criativa

Um sujeito neurótico, com sérios problemas psicológicos, atravessa um aparentemente inexplicável bloqueio criativo. A crise é tamanha que acaba se estendendo para o campo pessoal, tornando inviáveis o trabalho e os relacionamentos. Essa é a descrição de Abe Lucas (Joaquin Phoenix), o professor de filosofia de “Homem Irracional”, mas poderia ser a de qualquer outro protagonista criado por Woody Allen --ou seria sempre um alter ego do diretor? Roy Channing, de “Você Vai Conhecer O Homem dos Seus Sonhos”, e Gil Pender, de “Meia-Noite em Paris”, são apenas dois dos exemplos recentes do tipo. 

Cenas de "Homem Irracional" e "Crimes e Pecados", que lidam com dilemas morais - Reprodução/Montagem - Reprodução/Montagem
Cenas de "Homem Irracional" e "Crimes e Pecados", que lidam com dilemas morais
Imagem: Reprodução/Montagem

Matar ou não matar, eis a questão

O que é moral e imoral? Onde termina o que é intrínseco à natureza humana e começa a mera convenção social? Em outras palavras: vale tirar a vida de alguém se você tiver um bom motivo? Reflexões dostoievskianas são tão comuns nos filmes de Woody Allen quanto suas musas inspiradoras. É a excitação dúbia da possibilidade do crime perfeito que conduz e motiva o personagem Abe Lucas. O mesmo já aconteceu, por exemplo, com Chris Wilton, de “Match Point”, e com o personagem de Martin Landau em “Crimes e Pecados”.

Cenas de "Homem Irracional" e "Hannah e Suas Irmãs"; a constância das traições - Montagem/Reprodução - Montagem/Reprodução
Cenas de "Homem Irracional" e "Hannah e Suas Irmãs"; a constância das traições
Imagem: Montagem/Reprodução

Traições

Hipergâmico, Woody Allen engatou numerosos relacionamentos durante a vida. Quase nunca ficou sozinho. Ou seja, desejos proibidos e traições são temas muito familiares a ele, que já se envolveu com atrizes de seus filmes. Com uma vida que parece ter sido escrita por Nelson Rodrigues, Allen dificilmente deixa de retratar nas telas as puladas de cerca. Em “Homem Irracional”, ela é, digamos, um pouco mais discreta. Mas está lá. A estudante Jill (Emma Stone) se entrega a Abe enquanto ainda namora o colega Roy (Jamie Blackley). 

"Homem Irracional" x "Tudo Pode Dar Certo": grandes diferenças de idades não são problema - Reprodução/Montagem - Reprodução/Montagem
"Homem Irracional" x "Tudo Pode Dar Certo": diferença de idade não é problema
Imagem: Reprodução/Montagem

Grandes diferenças de idade

Nos anos 1990, Woody Allen se separou da companheira de longa data Mia Farrow para, em seguida, engatar um polêmico romance com a filha adotiva da ex-cônjuge. A diferença de idade? 35 anos. Mas a arte mimetiza a vida. Em “Homem Irracional”, Jill, de 20 e poucos, se encanta pelo intelecto irrequieto do professor universitário quarentão. Você já viu esse filme antes? Não? Assista a “Manhattan” ou “Desconstruindo Harry”.

Os protagonistas de "Manhattan" e "Homem Irracional": referências enumeradas - Montagem/Reprodução  - Montagem/Reprodução
Os protagonistas de "Manhattan" e "Homem Irracional": referências enumeradas
Imagem: Montagem/Reprodução

Referências culturais

Em uma das clássicas cenas de “Manhattan” (1979), o personagem Isaac Davis (Woody Allen) usa um gravador para elencar todas as coisas que lhe fazem a vida valer a pena. Groucho Marx, Louis Armstrong, filmes suecos, Gustave Flaubert, Frank Sinatra, Paul Cézanne… São âncoras culturais, que depois passaram a ser citadas com frequência nos filmes. Nominalmente ou não. No novo longa, o espaço é ocupado por filósofos, a maioria de pendor existencialista. Immanuel Kant, Søren Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Hannah Arendt e Simone de Beauvoir conferem o “aporte teórico” à história.

Jazz e erudito como personagens

As fronteiras musicais de Woody Allen são claramente delimitadas pelo jazz e a música erudita (ou “clássica”, dependendo da definição). Como não lembrar a abertura de “Manhattan”, ao som de George Gershwin, que imortalizou a união entre esses dois gêneros? Em “Homem Irracional”, eles também são protagonistas. O violoncelo de Sebastian Bach dá o verniz barroco --e dramático-- a algumas cenas, enquanto os jazzistas do Ramsey Lewis Trio, com sua versão de “Wade in the Water”, cumprem o papel de “stalker” do professor Abe Lucas.

"Homem Irracional" e "O Sonho de Cassandra"; filmes têm praticamente o mesmo desfecho - Montagem/Reprodução - Montagem/Reprodução
"Homem Irracional" e "O Sonho de Cassandra"; praticamente o mesmo final
Imagem: Montagem/Reprodução

Final repetido

ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM SPOILERS. NÃO CONTINUE LENDO SE VOCÊ NÃO QUER SABER DETALHES DA HISTÓRIA

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Eis o fim de “Homem Irracional”: após matar o juiz do filme por envenenamento, Abe, já totalmente despido de escrúpulos, decide tirar a vida de Jill, que havia ameaçado contar toda a verdade à polícia. A ideia é jogá-la no fosso de um elevador, mas quem despenca lá é o próprio Ben, ao tropeçar em uma pequena lanterna que caíra da bolsa da jovem durante o embate físico. Trata-se do clássico recurso dramático da peripécia: quando o feitiço vira contra o feiticeiro. Ou um mero xerox das cenas finais de “Sonho de Cassandra”.