Tentativa de esquentar Festival de Veneza, "Everest" é recebido com frieza
A 72ª edição do Festival de Cinema de Veneza teve início na manhã desta quarta (2) com a exibição de um filme atípico para os padrões do evento italiano.
Historicamente habituado a dar a largada às projeções com filmes de perfil mais “autoral” ou por obras de cineastas prestigiados (no ano passado, quem abriu foi “Birdman”, que ali iniciava sua trajetória rumo ao Oscar), desta vez a mostra italiana investiu em uma aventura-catástrofe repleta de estrelas.
“Everest”, inspirado em relatos diversos (que incluem o best-seller “No Ar Rarefeito”, do jornalista Jon Krakauer), sobre uma trágica tentativa de escalar a montanha mais alta do mundo, traz Jake Gyllenhaal, Sam Worthington, Keira Knightley, Robin Wright, John Hawkes, Emily Watson e Josh Brolin no elenco.
Não é difícil observar nessa opção de abertura uma investida de Veneza em busca da visibilidade perdida –há anos o festival não tem o mesmo retorno midiático que já teve no passado, sobretudo desde que o concorrente Festival de Toronto passou a acontecer mais ou menos na mesma época.
Muitas estrelas de Hollywood têm preferido o tapete vermelho da mostra canadense, uma das molas propulsoras dos filmes da temporada de prêmios americanos, o que custou perda de apelo de mídia para Veneza nos últimos anos. “A visibilidade e a imprensa são muito importantes para a gente”, assumiu sem pudores Paolo Baratta, diretor da Biennale di Venezia, na entrevista coletiva que abriu o evento cinematográfico.
Pode até ser que a tática funcione, com mais flashes que de hábito no tapete vermelho da exibição oficial, no fim da tarde desta quarta. Mas, ao fim da primeira sessão para a imprensa, pela manhã, o que se sentia na sala era alguma coisa próxima de como deve ser a sensação de alguém no topo da montanha que dá nome ao filme de abertura: gelada e silenciosa. Não se ouviu sequer um bater de palmas, e embora não se tenha escutado também nenhum uivo de vaia, já é o suficiente para notar a pouca empolgação dos jornalistas com a produção.
Everest
O filme, exibido fora de competição, reconstrói a dramática aventura de um grupo de escaladores que subiu o Everest em 1996, quando um combo formado por exaustão, uma grande tempestade e alguma negligência humana resultou na morte de oito pessoas.
“Por que você quer escalar o Everest?”, pergunta um dos personagens aos amigos, a certa altura, ouvindo por resposta um coro em uníssono: “Porque ele está lá!”. O filme não se aprofunda muito na busca por compreender esse misto de sede de desafio, vaidade pessoal e sublimação de problemas pessoais que moldam o desejo por alguém arriscar a própria vida e subir ao topo do mundo; prefere mostrar a provação em si.
Na coletiva de imprensa, porém, o diretor do filme, o islandês Baltasar Kormákur, mostrou uma visão mais sólida. “Eu entendo quem faz isso por paixão ou por trabalho. Há algo de existencialista nessa atividade –as pessoas procuram saber um pouco mais sobre quem elas são e sobre sua função na natureza”, disse Kormákur.
O incidente de 1996 já foi diversas vezes narrado em reportagens e livros, mas o relato mais conhecido é mesmo o de Krakauer, que conta em sua obra, em primeira pessoa, como foi a experiência. Curiosamente, porém, no filme o personagem do jornalista mal aparece –e quando surge em cena, é para ter seu lado mais “covarde” evidenciado.
O grande protagonista é o guia da expedição, Rob Hall (Jason Clarke), que lutou bravamente para garantir a segurança dos membros da sua equipe. Em nenhum momento ela ajuda seus seguidores pensando em seu ego profissional: segundo o filme, faz por heroísmo.
“Pelas pesquisas que fizemos, Rob era essa tipo de pessoa que tinha prazer em ver os outros alcançarem seus objetivos”, defendeu-se o diretor. “Mas no filme não há papeis menores. Todos os relatos sobre o que aconteceu tendem a ser em primeira pessoa, mas a ideia do filme era mostrar o que ocorreu mesmo com as pessoas não diretamente envolvidas, mas que estavam no campo-base e não subiram ao topo”, disse.
“Foi uma grande responsabilidade reproduzir algo que aconteceu de verdade”, afirmou Jake Gyllenhaal, que vive um dos guias da expedição, morto na neve. “Meu personagem eu compus em contato com os filhos dele na vida real. Foi importante senti-lo por meio deles. No filme, a essência era o mais importante, tanto a da expedição como a das pessoas que participaram dela”.
No livro, Krakauer tece diversas observações sobre o comportamento humano nas páginas que antecedem a tragédia em si; há um crescendo emocional que se torna dilacerante nas páginas finais. O filme, porém, não consegue o mesmo resultado.
Kormákur até gasta parte do tempo com as necessárias preliminares da aventura, mas ele transparece uma certa pressa em acabar logo com as introduções e chegar logo ao que interessa: a tragédia em si. E quando ele se demora em conversas telefônicas entre os alpinistas e suas mulheres no conforto de suas casas, o espectador começa a achar que o diretor tinha razão e talvez fosse melhor, mesmo, chegar logo à tempestade.
Quando as cenas do desastre chegam, o filme se justifica: tem seus melhores momentos. Alguns trechos são aflitivos, atordoantes, além de visualmente belos. “Algumas imagens filmamos no Nepal, outras nas Dolomiti, na fronteira da Itália com a Áustria e, claro, muitas em estúdio. Quis submeter meu elenco à dor, sim, mas não aos riscos físicos”, disse o diretor.
Mas falta ao filme uma certa visão nuançada das coisas que havia no livro de Krakauer; o longa não passa de um monumento ao heroísmo de Rob Hall, de dimensões próximas ao do próprio Everest.
O filme é em 3D, e como é quase uma regra nesse formato, em mais da metade do tempo a tecnologia simplesmente não se justifica. Há, sim, porém, algumas cenas em que a tridimensionalidade amplia a sensação de aflição do espectador. Mas nem de longe tem a intensidade das páginas do livro de Krakauer.
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