Incêndio na Cinemateca atingiu 1.000 rolos, na maioria cinejornais
O incêndio que atingiu a Cinemateca Brasileira, na madrugada desta quarta-feira (3) em São Paulo, destruiu cerca de 1.000 rolos de filme, que correspondem a aproximadamente 500 obras audiovisuais, sendo a maioria cinejornais e apenas um longa-metragem. A informação foi anunciada pela diretora da instituição, Olga Futemma, e pelo secretário do Audiovisual do MinC (Ministério da Cultura), Pola Ribeiro, em entrevista a jornalistas.
Os filmes atingidos foram produzidos nas décadas de 1930 e 1940 e eram feitos de nitrato de celulose, um material autoinflamável, característico da produção de películas brasileiras até aquela época. A instituição ainda está fazendo o levantamento do acervo destruído, mas Futemma estima que a maior parte das obras perdidas no incêndio possuam cópias em formatos mais modernos ou digitalizadas.
Segundo a diretora, o local que armazenava os filmes não tinha seguro. "Temos um projeto elaborado pelo Corpo de Bombeiros e protocolado no Conpresp (Conselhor Municipal de Perservação do Patrimônio Histórico). É um projeto de adequação dos depósitos", disse Futemma.
Pola Ribeiro, secretário do Audiovisual, justificou a ausência de seguro. "Que seguradora asseguraria um prédio com nitrato de celulose e quanto cobraria? Possivelmente se a gente tivesse um seguro para aquela edificação não teríamos nenhuma outra atividade na Cinemateca".
Nesta tarde, a equipe da instituição se dedica a retirar os materiais das outras câmaras. Nenhuma outra estrutura da Cinemateca foi atingida, mas o local deve ficar fechado para o público por no mínimo uma semana, tempo necessário para a reorganização do delicado acervo.
Não houve vítimas e perícias ainda são feitas para que um laudo determine as causas do incidente. Acredita-se que tenha ocorrido autocombustão dos filmes, o que, segundo a direção da Cinemateca, é muito comum em películas de nitrato de celulose. "É um material altamente inflamável, que pode entrar em combustão espontânea se submetido a um calor muito alto, conjugado com algum desequilíbrio na sua conformação química", explicou Futemma.
Por causa desta característica do material, a indústria cinematográfica passou a utilizar, a partir da década de 1950, acetato de celulose, que foi posteriormente substituído por poliéster, já na década de 1980. Pola Ribeiro lamentou a perda no acervo da Cinemateca, mas comentou que o armazenamento de nitrato de celulose "é quase como uma morte anunciada".
A Cinemateca possui quatro câmaras projetadas seguindo normas internacionais para armazenar somente matrizes (originais) em nitrato de celulose, que guardam de 3.000 a 4.000 rolos. A câmara atingida pelo incêndio foi a de número 3, com 20 metros quadrados, e com cerca de 0,4% do acervo da Cinemateca. Ainda de acordo com a direção da instituição, os depósitos foram construídos em um local mais afastado da estrutura principal justamente pelo risco de incêndio.
Questionada sobre as condições ideais para armazenamento do nitrato de celulosa, Futemma citou a biblioteca do Congresso americano, em Washington, que tem um depósito subterrâneo com divisórias corta-fogo entre cada rolo de filme, Ela destacou, porém que "o armazenamento era o melhor possível ao nosso alcance".
Já o secretário Pola Ribeiro lembrou que a edificação foi construída especificamente para sua função seguindo normas internacionais de preservação. Para evitar faíscas, no local não existem interruptores nem ar condicionado e há um vão entre as paredes e o teto, além de paredes vazadas com cobogós.
A instituição já havia sido atingida por fogo em outras três ocasiões antes de se mudar para a sede atual: 1957, 1969 e 1982. A origem dos incêndios anteriores também foram por causa do armazenamento de nitrato de celulose.
Crise na Cinemateca
A Cinemateca Brasileira é uma unidade técnica da Secretaria do Audiovisual do MinC, destinada à preservação e memória do acervo audiovisual brasileiro.
A instituição passa por uma crise desde 2013, período em que foram dispensados mais de dois terços dos funcionários, o que afetou a preservação do acervo e causou a paralisação de atividades. Em entrevista recente à "Folha de S.Paulo", Ribeiro disse que a instituição passa por um processo de recuperação, com a recontratação de alguns funcionários e abertura do acervo para a chegada de mais filmes.
Em entrevista após o incêndio, Ribeiro reforçou que o incidente não vai influenciar nem atrasar os novos projetos e contratações previstos na reestruturação. "Pelo contrário, acredito que essa mobilização vá agilizar os processos. O ministro (da Cultura) já me ligou três vezes de Brasília. Tem uma preocupação grande. A Cinemateca é uma referência para a população brasileira. O projeto de difusão é um projeto estratégico do MinC. Não haverá interrupção nem atraso", disse.
Com o maior acervo do gênero da América Latina, a Cinemateca abriga cerca de 250 mil rolos de filmes, entre 45 mil títulos de longas, curtas e cinejornais. Além disso, lá estão guardados livros, revistas, roteiros originais, fotografias e cartazes.
Entre as relíquias audiovisuais preservadas na instituição, estão gravações da TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil, inaugurada em setembro de 1950 e com as atividades encerradas em julho de 1980. Estão também obras de ficção, filmes publicitários e registros familiares nacionais e estrangeiros, produzidos desde 1895.
Atualmente, a Cinemateca estava com duas mostras em cartaz, a de Cinema Brasileiro Contemporâneo, programada até 21 de fevereiro para exibir produções recentes e ainda inéditas no circuito comercial paulista, além das sessões especiais ao ar livre, na área externa, em homenagem a David Bowie. Ainda não há informação se a programação será mantida.
Incêndio destruiu Museu da Língua Portuguesa
Esta foi a segunda instituição cultural de São Paulo a ser atingida por um incêndio em pouco mais de 40 dias. Em dezembro passado, o Museu da Língua Portuguesa, perdeu todos seus equipamentos de alta tecnologia, que faziam do Museu um dos mais interativos e tecnológicos do Brasil.
O acervo, no entanto, foi salvo graças a uma cópia em datacenter. O Museu será reerguido em breve, em parceria do governo do Estado de São Paulo com a organização social ID Brasil e a Fundação Roberto Marinho, responsável pela implantação original em 2006.
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