Sem teles, cinema brasileiro pode viver catástrofe, diz Hector Babenco
Para Hector Babenco, o cinema brasileiro pode viver nos próximos anos uma catástrofe anunciada. Com 13 filmes no currículo, o mais recente, "Meu Amigo Hindu", chegando aos cinemas nesta quinta-feira (3), o diretor se refere à liminar que isenta as empresas de telefonia de recolher a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), que abastece o Fundo Setorial do Audiovisual. A Ancine (Agência Nacional do Cinema) já entrou com recurso duas vezes para reverter a situação e aguarda decisão da Justiça.
"Se as teles não recolherem esse dinheiro, que é o que faz o caixa da Ancine, do Fundo Setorial, pode haver uma catástrofe, mas será uma catástrofe anunciada. Talvez a Ancine tenha dinheiro para um ou dois exercícios, mas talvez a tempestade seja necessária para que haja a bonança", disse ele.
Ao lado de Wagner Moura, Fernanda Montenegro, Fábio Porchat, Fernando Meirelles e outros nomes da classe artística, Babenco participa de um abaixo-assinado que repudia a posição das teles. As empresas de telefonia alegam não integrar a produção do audiovisual. A Ancine e a classe artística afirmam que o argumento não faz sentido, já que as obras audiovisuais circulam cada vez mais em celulares, tablets e computadores, e as empresas de telefonia também atuam no setor de operadoras de TV por assinatura.
O modelo que temos hoje ao meu entender não é o ideal. É ainda um modelo que exime o produtor de toda e qualquer responsabilidade e que a resposta do mercado não seja levada em consideração.
Hector Babenco, sobre o modelo de finaciamento do cinema nacional
Quando Babenco menciona a bonança, ele pensa em um novo modelo de produção e distribuição que pode surgir justamente do medo da catástrofe. "Talvez seja importante que esses sinais de medo nos ajudem a pensar e formular melhor como podemos fazer cultura que se relacione mais com o público. É muito delicado o que eu to falando, mas o modelo que temos hoje ao meu entender não é o ideal. É ainda um modelo que exime o produtor de toda e qualquer responsabilidade e que a resposta do mercado não seja levada em consideração", disse.
Dirigindo há mais de 40 anos, Babenco já viveu muitas fases do cinema, desde Embrafilmes, pornochanchadas, Era Collor até a Retomada. "Já tenho certa idade e já vivi vários ciclos do cinema. Esse é mais um deles, com o qual estou convivendo com muita elegância".
Em "Meu Amigo Hindu", Babenco atuou como diretor e produtor, financiando o longa com economias pessoais, ajuda de amigos e com edital do polo cinematográfico de Paulínia (SP). Ele garante que essa é a última vez que fará isso. "Tenho mais um filme para fazer ["Cidade Maravilhosa"], mas não quero mais produzir. Ou encontro alguém para fazer isso, ou o filme não verá a luz do dia. Produzir é muito penoso, arriscado e eu não tenho mais saco".
O filme e a ideia da morte
No final de sua reflexão sobre a crise que pode se instalar no mercado cinematográfico brasileiro, Babenco retoma um pensamento: "É das cinzas que nasce a fênix". A história mitológica permeia a vida do diretor e a de seu novo filme. O argentino naturalizado brasileiro passou por um câncer nos anos 1990.
Em "Meu Amigo Hindu", o alter ego de Babenco é vivido pelo americano Willem Dafoe. "Hoje, depois de ser muito assediado pela ideia de fim, meu único pedido à morte era que ela me deixasse fazer mais um filme. E esse é o filme que a morte me deixou fazer", o cineasta já havia dito ao UOL. Ma,s ao divulgar o filme em São Paulo na última semana, o diretor quis deixar claro que é uma ficção com elementos de sua vida. "Eu nunca quis dizer com o filme 'olha o que aconteceu comigo'. Essa coisa de autoajuda me irrita. Se deter no aspecto biográfico é uma limitação para o filme".
Chegando em cerca de 60 salas, "Meu Amigo Hindu" ainda tem no elenco Selton Mello, Reynaldo Gianecchini, Maria Fernanda Cândido e a mulher do diretor, Bárbara Paz, vivendo ela mesma, com direito a menção à "Casa dos Artistas".
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