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Aos 80 anos, Zé do Caixão fará cinebiografia: "Meu filme mais assustador"

Carlos Minuano

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/03/2016 12h37

"Tenho medo de políticos". A frase é do mestre brasileiro do terror, José Mojica Marins, mais conhecido por seu célebre personagem, o temeroso coveiro de cartola preta e das unhas enormes, Zé do Caixão. "É muita corrupção", disse ele ao UOL, por telefone, de sua casa no centro de São Paulo, onde vive com a mulher e netos.

Do alto de seus quase 80 anos --que serão completados no próximo domingo (13)--, Mojica parecia animado do outro lado da linha, pouco antes de sair para uma consulta no dentista. Um de seus filhos, Crounel Marins, explicou que Mojica sofre de bruxismo, e o distúrbio que faz ranger os dentes durante o sono lhe arrancou uma prótese dentária na noite anterior.

Mojica desfruta hoje de um sucesso singular. Sua obra atravessa gerações. E não poderia ser de outro jeito, já que Zé do Caixão é parte da cultura pop nacional. Além do cinema, seu estranho mundo já foi parar na TV, no rádio, em discos e quadrinhos. Já teve até xampu e cachaça com seu nome. Mas nem sempre foi assim. Sofreu perseguição da censura nos tempos da ditadura, e seus filmes, feitos com poucos recursos e excesso de clichês, eram vistos com um certo desdém por parte da crítica e de produtores. Passou muita dificuldade, teve que comer quase sempre pelas beiradas, e conseguiu ainda assim lançar mais de 30 filmes, sem ajuda oficial ou favores. O público sempre lhe foi fiel.

Antes tarde do que nunca, há tempos o estigma de gênio esquecido já não lhe cabe mais. Tanto é que homenagens não faltam pelos 80 anos do Drácula de botequim brasileiro, como o chamou o cineasta Rogério Sganzerla, no livro "Zé do Caixão – Maldito: A Biografia", de André Barcinski e Ivan Finotti (Darkside Books). A obra relançada no ano passado em edição de luxo, inspirou a série "Zé do Caixão" do canal Space, que reprisa os seis episódios, neste domingo, seguido da estreia do seu longa "As Fábulas Negras" (2014).

No Canal Brasil, onde o cineasta das trevas pilotou sete temporadas até 2014 do talk show "O Estranho Mundo de Zé do Caixão", a "Mostra Zé do Caixão - 80 anos" vai exibir aos domingos, a partir do dia 13, seis filmes de Mojica, entre eles "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" (1964) e o "O Despertar da Besta" (1990). A Cinemateca Brasileira, em São Paulo, também vai celebrar a vida e a obra de Zé do Caixão com uma mostra especial de 20 filmes em sessões gratuitas, durante quatro semanas, até dia 3 de abril.

A saúde, porém, é que não anda tão boa. Depois de duas paradas cardíacas e cinco meses na UTI em 2014, tem de encarar atualmente três hemodiálises semanais. Mas, para quem acha que depois de cortar as unhas o Zé do Caixão vai pendurar a cartola, ele manda um recado: "No ano que vem vou filmar a minha própria vida, e será o meu filme mais assustador".

UOL - Na atualidade, o que renderia um bom filme de terror?
Zé do Caixão -
Ah, tem muitas opções, mas a política brasileira certamente daria um bom filme de terror. Teria que filmar lá em Brasília, mas se prometer aos candidatos que serão eleitos depois do filme, vai ter fila de políticos querendo fazer figuração de graça.

O que você acha dessa crise política que o país atravessa?
Não gosto de política. Quase virei deputado federal uma vez [em 1982, pelo PTB], junto com o meu amigo Jânio Quadros. Mas ele não entrou e eu também não. Mas éramos muito amigos, comíamos pão com mortadela lá pelas bandas da Vila Maria. Aprendi a gostar de mortadela com ele e como até hoje.

Mas ele não conseguiu fazer você gostar de política?
Não. É muita corrupção. Acontece do sujeito não querer entrar naquilo, mas não tem por onde sair e aí entra no jogo também. Já era assim no passado e continua a mesma coisa, ninguém consegue mudar.

E o Jânio era corrupto também?
Não, o Jânio era um dos poucos sérios, até por isso o mataram politicamente. Mas na época em que eu estava com ele me chamaram para a banda podre, ofereceram dinheiro, mas não quis. Tenho medo de políticos. Vejo muitas promessas, mas quando chegam ao poder, tudo muda.

O que acha do avanço da internet e das redes sociais?
Minha mulher e meus netos usam, eu não. Eles me mostram e vejo que mudou tudo. Podemos encontrar e falar com pessoas com as quais antigamente jamais falaríamos.

Seus fãs ainda podem esperar um novo filme?
Sim, claro. No ano que vem quero fazer um filme sobre a minha vida. Vivi coisas que ninguém pode sequer imaginar. Por exemplo, o período do esquadrão da morte, na década de 1960. Pegavam pencas de gente inocente e jogavam no mar para os tubarões. Foi uma época de muita violência e mentira.

A perseguição da censura então não foi o único problema?
Claro que não. Vi uma vez uma amiga sendo torturada e não pude fazer nada. Na Boca do Lixo [região central em São Paulo], tinha mãe vendendo a filha para produtores para que elas, as mães, aparecessem no filme. São histórias reais que vi com meus próprios olhos, um terror que jamais seria possível imaginar, é isso que quero filmar, e será meu filme mais assustador.

E você apontaria alguém como seu sucessor?
Está difícil de achar. Gosto do Rodrigo Aragão [de "A Noite dos Chupacabras"], sinto que faz as coisas com amor, é um dos que podem seguir por essa estrada. Já o Toninho do Diabo acho uma enganação. É meu amigo, mas é uma farsa.