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Em ano de Brasil na competição, Cannes reforça segurança contra ataques

Thiago Stivaletti

Colaboração para o UOL

10/05/2016 06h00

As séries de TV ganham mais espaço e prestígio a cada ano; a Netflix faz mais gente querer ficar em casa vendo filmes no sofá; diminui cada vez mais o intervalo que separa o filme em cartaz no cinema da possibilidade de vê-lo no computador; os blockbusters de super-heróis dominam mais de 80% das bilheterias globais. O mundo muda, mas o Festival de Cannes mantém a sua força e prestígio, e o glamour de seu tapete vermelho atrai mesmo os que não são tão cinéfilos para se importar com os filmes romenos, filipinos ou coreanos que disputam a Palma de Ouro.

Cannes começa a sua maratona anual nesta quarta (11), estreando pela 12ª vez um filme de um dos raros queridinhos do cinema de autor: Woody Allen, com seu “Café Society”.

Mas este ano um fantasma vai rondar mais do que nunca o festival: a segurança. Esta será a primeira edição desde os atentados de Paris em novembro de 2015, que deixaram 130 mortos. Com todos os holofotes do mundo na Riviera Francesa, o festival teoricamente pode ser um bom alvo para os terroristas –apesar de não haver histórico nesse sentido em 69 anos de evento.

Para o Palácio dos Festivais, foi contratado um reforço de 500 seguranças especializados. Uma simulação de ataque terrorista com 200 pessoas, entre civis e militares, foi feita no final de abril. A Quinzena dos Realizadores, principal mostra paralela do festival, anunciou que deve reduzir um pouco o número de sessões para reforçar o protocolo de segurança na entrada.

Aquarius - Divulgação - Divulgação
Sonia Braga em cena de "Aquarius", filme brasileiro que concorre à Palma de Ouro
Imagem: Divulgação

Tapete verde e amarelo

O Brasil, que há anos não era convidado para a festa (desde 2012, quando Walter Salles apresentou o internacional "Na Estrada"), há muito tempo não marcava uma presença tão boa, com dois longas e três curtas.

“Aquarius”, novo longa do pernambucano Kléber Mendonça Filho (de “O Som ao Redor”) está na disputa pela Palma de Ouro trazendo de volta ao cinema a estrela Sonia Braga, de “Dona Flor e seus Dois Maridos”. Na seção Cannes Classics, dedicada à memória do cinema, Eryk Rocha, filho de Glauber, lança “Cinema Novo”, documentário em que disseca o movimento que revolucionou o cinema brasileiro nos anos 1960. Ele vai à Croisette junto com Nelson Pereira dos Santos, um dos grandes nomes do movimento, que há 53 anos chocou Cannes com as imagens da miséria em “Vidas Secas”.

Um curta brasileiro (“A Moça que Dançou com o Diabo”) está na disputa pela Palma da categoria, enquanto os outros dois (“Abigail” e “O Delírio É a Redenção dos Aflitos”) ocupam mostras paralelas.

A competição deste ano não traz algumas das figuras fortes de sempre –não teremos um novo filme de Lars Von Trier, ou Michael Haneke, ou Abbas Kiarostami–, mas conta com três nomes mundialmente conhecidos. O espanhol Pedro Almodóvar, que nunca ganhou a Palma de Ouro, tenta a sorte mais uma vez com o drama “Julieta”, que já estreou na Espanha com fraca bilheteria e crítica dividida. O americano Sean Penn, que dirigiu o ótimo “Na Natureza Selvagem”, volta com “The Last Face”, em que põe sua ex-namorada Charlize Theron no meio de um conflito na Libéria. E o holandês Paul Verhoeven, de clássicos como “Robocop” e “Instinto Selvagem”, lança o polêmico “Elle”, em que Isabelle Huppert vive uma relação mais de amor do que de ódio com seu estuprador.

Spielberg na Disney

Fora da competição pela Palma, nas sessões especiais, é o povo de Hollywood que vai atrair os holofotes. Além da diretora, Jodie Foster, o thriller “Jogo do Dinheiro” vai garantir no festival a presença de George Clooney e Julia Roberts. Seguindo os passos de Stallone, Robert DeNiro revive o universo de “Touro Indomável” agora como treinador em “Hands of Stone”. Russel Crowe e Ryan Gosling vão defender os detetives da comédia “Dois Caras Legais”. Steven Spielberg, um dos raros diretores que são uma estrela por conta própria, estreia a fábula “O Bom Gigante Amigo”, seu primeiro longa para a Disney. Até o roqueiro Iggy Pop vai estar lá, para acompanhar a estreia de “Gimme Shelter”, documentário sobre a sua vida e carreira.

Em tempos de Netflix e do crescimento das plataformas de vídeo on demand, todos vão ficar atentos em Cannes ao movimento dessa turma. A Amazon, grande concorrente da Netflix que por enquanto só opera nos Estados Unidos, comprou nada menos do que cinco filmes antes mesmo de o festival começar, para lançar com exclusividade aos seus assinantes (mas ainda respeitando o lançamento anterior nos cinemas), incluindo o filme de Woody Allen e o documentário de Iggy Pop (no Brasil, os filmes devem estrear pelas distribuidoras tradicionais, e o caminho no on demand é incerto).

Empoderamento feminino

Julieta - Divulgação - Divulgação
Cena do filme "Julieta", de Pedro Almodóvar
Imagem: Divulgação

Em tempos de maior espaço para as mulheres, Cannes aumentou o número de diretoras mulheres em competição de duas em 2015 para três este ano: a alemã Maren Ade, a britânica Andrea Arnold e a francesa Nicole Garcia. E pelo menos seis dos 21 filmes da competição trazem as mulheres no título, da “Julieta” de Almodóvar a “La Fille Inconnue” (A Garota Desconhecida) dos irmãos Dardenne. Sem contar Sonia Braga, protagonista absoluta de “Aquarius”. Ou seja, elas podem dominar o festival.

E há sempre as grandes surpresas que podem vir das mostras paralelas. No ano passado, a Quinzena dos Realizadores surpreendeu com filmes como o colombiano “O Abraço da Serpente”, que terminou indicado ao Oscar. Este ano, Nicholas Cage e Willem Dafoe passam longe do tapete vermelho para apresentar na paralela o policial “Dog Eat Dog”. O mexicano Gael García Bernal (“Diários de Motocicleta”) vai defender “Neruda”, filme sobre a perseguição do governo chileno ao poeta Pablo Neruda em 1948, do mesmo diretor de “No”.

Sem contar as polêmicas que podem surgir de qualquer lugar –uma cena pesada de sexo e violência nos filmes, as vaias numa sessão de imprensa, uma declaração infeliz como a de Lars Von Trier defendendo os nazistas na brincadeira em 2011. Tudo pode acontecer no festival mais midiatizado do mundo, que ainda garante ao cinema o seu status no mundo das imagens.