"Classificação de 18 anos é proibição", diz Sonia Braga sobre "Aquarius"
Em Gramado para divulgar o filme “Aquarius” e receber o troféu Oscarito pelo conjunto de sua obra, a atriz Sonia Braga, 66, falou com exclusividade ao UOL, na tarde do último sábado (27). Sorridente e bem-disposta, mesmo com os colegas já a esperando no restaurante para almoçar, Sonia tirou os sapatos, calçou chinelos e dobrou as pernas para trás no assento da poltrona. Antes de começar a responder às perguntas, lembrou que já namorou um dos filhos de Elizabeth Taylor e que tem duas grandes dúvidas na vida.
"Por que existe divisão entre equipe e elenco", se no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos —onde há um sindicato para cada categoria—, o sindicato é de Artistas e Técnicos [em Espetáculos de Diversões – Sated]? “Temos que acabar com isso”, diz.
Sua outra dúvida existencial: “O que a rainha da Inglaterra leva naquela bolsinha? Chave de casa, carteira de identidade? O que ela precisa carregar ali?”, questiona-se, rindo, antes de confessar não ter problema em ser chamada de sensual a esta altura da carreira. “Melhor do que me acharem feia, né?”
A seguir, você lê a íntegra da entrevista com Sonia, na qual ela fala sobre sua trajetória, uma “tentativa de golpe” contra "Aquarius" e o diretor Kléber Mendonça Filho, além de revelar o desejo de filmar com o espanhol Pedro Almodóvar e de fazer uma animação com o brasileiro Carlos Saldanha.
UOL - Além de estar em “Aquarius”, você já fechou um projeto com a Netflix [a série "Luke Cage", em parceria com a Marvel], vai gravar “Going Places” com John Turturro, derivado do "clássico indie" "O Grande Lebowski", e será a mãe de Julia Roberts em “Extraordinário”. É um momento mágico da sua carreira?
Sonia Braga - Mas eu só vou ser a avó [do ator mirim Jacob Tremblay, de “O Quarto de Jack”] no filme da Julia Roberts! Mas tá bom, são nomes [importantes]. Fico muito orgulhosa. Achei bem legal de eles terem me convidado para fazer esses dois filmes. Não sei [se é um momento mágico], mas não mais importante que os outros. Você devia ter perguntado para o Bruno Barreto o que foi “Dona Flor”! Eu morava no Brasil nessa época e fazia muito sucesso aqui. Aí cheguei em Nova York e falaram: “Olha, gente, tem uma página inteira do “Dona Flor” no “New York Times”. E eu falava: “É, claro”, porque para mim não era uma coisa excepcional. Hoje eu entendo o quanto foi excepcional!
Já “Aquarius” está crescendo, tomando volume e, quando chega agora ao Brasil, o bacana e bonito é que ele já vem como um filme internacional, com críticas de verdade. Esse tipo de crítica eu nunca recebi na minha vida, com exceção de algumas do “Eu Te Amo” [filme de Arnaldo Jabor, de 1981, pelo qual Sonia ganhou um Kikito de melhor atriz em Gramado], do “Dona Flor”, críticas incríveis. Mas as que eu recebi de “Aquarius” são coisas profundíssimas. Acho que a gente deu um mergulho muito grande mesmo.
E o filme nem estreou ainda. Assim que isso acontecer, deve repercutir mais.
É, reclamaram aqui: “Quando é que vai estrear?”. As pessoas têm que ter noção de que todos os filmes começam a carreira em festivais, depois estreiam, tem um calendário. Então as pessoas têm a sensação de que a gente primeiro estreou no mundo e agora vem para o Brasil, mas não é verdade. A realidade é que eu acho que nenhum filme criou tanto barulho, então ele já chega assim, gritando.
Barulho por conta do filme, do elenco e também do protesto em Cannes...
Por conta de tudo. Mas, basicamente, as críticas foram sobre o filme. É isso que, pra gente, conta. Existe a vida paralela que “Aquarius” está criando, mas ele já passou em Cannes, ganhou prêmios em alguns festivais, então é o filme que está se internacionalizando. E chega assim ao Brasil, cheio de medalhinhas de ouro.
Você disse em entrevista que a personagem de “Aquarius” é a sua primeira protagonista "de verdade". Qual a diferença dessa personagem para Gabriela, Dona Flor, Tieta e tantas outras?
Eu só não estou no início do filme. A Clara está, mas é outra atriz, no flashback. Fora isso, apareço em todas as cenas. Eu nunca tinha feito um filme em que estivesse nele inteiro, e isso me apavorou um pouco no começo, porque é muita responsabilidade. Eu não podia ficar doente nenhum dia. Então nas folgas eu ia num acupunturista, e assim foi a minha vida no Recife.
“Que Horas Ela Volta?” foi o grande filme de Gramado e do Brasil em 2015. Já podemos falar que “Aquarius” será o grande filme de 2016?
Acho que não seria justo dizer isso, pois não assisti a todos os filmes do ano. Se eu dissesse que “Aquarius” é o filme de 2016, eu estaria sendo injusta com os outros que eu ainda não vi. É o nosso filme, isso é como maternidade, é o nosso bebê.
Mas não há outro filme nacional este ano com uma discussão tão acalorada.
Acho que esse filme já tem uma carreira linda. Ele nasce de uma força do Recife [onde também teve sua primeira pré-estreia, no dia 20 de agosto], de uma coisa muito verdadeira. Talvez isso, sim, eu possa dizer, que “Aquarius” é o reflexo da verdade de uma cidade, e é o mesmo problema refletido para todo o país. Então só posso falar desse filme. E eu, normalmente, não gosto de comparar as coisas. Ainda quero ver os outros [longas de 2016]. “Boi Neon” eu assisti nos Estados Unidos, e quando estou lá procuro ir em algumas estreias.
Falando em “Boi Neon”, o filme tem uma cena de sexo mais impactante que a de “Aquarius". E a classificação indicativa dele é de 16 anos.
Para mim, cena de sexo não é impactante! A gente já fazia isso [no cinema] nos anos 1970. Esse negócio da classificação é um absurdo. E eu continuo achando que é o tubarão [o responsável pela classificação etária; o animal aparece na praia em uma cena do filme].
Você acha que “Aquarius” e o diretor Kleber Mendonça Filho estão sofrendo alguma perseguição? Há uma tentativa de golpe contra o filme, na sua opinião?
Estão! Sim, sim, sim, sim, sim.
Você já disse que os jovens menores de 18 anos devem protestar contra a classificação indicativa determinada pelo Ministério da Justiça, por conter cenas de sexo explícito e drogas...
Não é para protestar, é para exigir, falar que querem assistir. Porque a classificação 18 anos é uma proibição. Quando você classifica um filme 16 anos, se os pais acham que os filhos podem assistir, eles [adolescentes] podem ver, até com menos idade, desde que na companhia dos pais. Mas 18 anos é proibir o filme! Gente, hoje uma pessoa de 16 anos tem uma grande capacidade, já pode votar, escolher quem vai ser o dirigente de um país, nos Estados Unidos também pode dirigir.
Mas você não acha que isso pode gerar um marketing positivo para o filme e mais bilheteria?
Não, não. Quem é que quer gerar marketing? Você acha que a intenção do censor e do Ministério [da Justiça] é que o filme seja visto e, então, desenvolver um marketing? E não existe consequência positiva de um ato negativo, de uma injustiça. Não existe! Sérgio Silva. Levou um tiro no olho, ele é fotógrafo, foi numa manifestação. O juiz disse que ele foi o culpado [pelo tiro de bala de borracha da PM que o deixou cego de um olho, em 2013] porque se enfiou entre a polícia e os manifestantes. O que pode gerar de positivo nisso? Que ele vai ficar conhecido? Como Sérgio, o fotógrafo cego?
Eu vejo um pouco assim, é uma injustiça, e isso tem que ser resolvido de outra maneira. [Em outro caso, de um processo de indenização aberto por Sonia contra a Globo e o canal Viva pela reprise de “Dancin’ Days”] O juiz resolveu que eu não tenho os direitos, que eu continuo achando que tenho, de receber os meus direitos autorais e conexos, como diz a lei. Agora, se eu for para o Facebook e disser isso, vou ficar famosa? É bom? Não acho. Acho que as coisas têm que ser resolvidas com justiça e consciência. Então discordo de que qualquer coisa negativa em relação a “Aquarius” possa gerar marketing positivo.
Você já trabalhou com vários grandes diretores: Cacá Diegues, Hector Babenco, Bruno Barreto, Rogério Sganzerla, e agora Kleber Mendonça Filho. Ainda falta algum diretor com quem gostaria de trabalhar?
Tem um problema aí que é o fato de eu não conhecer já duas gerações de jovens cineastas, então não seria justo. Aliás, eu adoraria conhecê-los. O Pedro Almodóvar já veio aqui e disse que queria trabalhar comigo, então acho que a gente já está meio que flertando. A gente tem mais ou menos a mesma cara, acho que seria bacana. Eu também queria muito fazer um desenho animado, mas não me chamam. Não é dublagem, você cria o personagem. Com o Carlos Saldanha [diretor de “A Era do Gelo” e “Rio”], por exemplo, eu o conheço pessoalmente.
É engraçado isso, mas é verdade. [Voltando à pergunta] Acho que a base de tudo é um grande roteiro, e quem me apresentaria um grande roteiro como foi o de “Aquarius”? E que química vai rolar? Eu não sei escolher um diretor, é um processo. Eu me sinto como uma tenista, eu jogo tênis e fico com a minha raquete. Se alguém precisar bater uma bola e estiver sem parceiro, estou aqui. É sempre um convite. Eu resolvi não ser produtora, apesar de ser ótima nisso, como assistente de direção também. Talvez eu seja até boa diretora. Mas resolvi ficar nessa posição que, para mim, é mais aberta.
Para mim, cena de sexo não é impactante! A gente já fazia isso [no cinema] nos anos 1970. Esse negócio da classificação é um absurdo.
Sônia Braga sobre classificação indicativa de "Aquarius"
São dez anos desde sua última atuação na TV Globo. Faltaram convites, ou bons convites, neste período? Você ainda pretende voltar a fazer novela?
Não vou falar disso [dos convites], porque toda vez que eu falo soa —quando está escrito— como uma reclamação. Então vou falar do meu link com o público, é isso que é cortado quando eu não trabalho. Aliás, uma coisa que estou pedindo às pessoas que viram meus outros trabalhos é que venham assistir a “Aquarius”, estejam elas, neste momento que a gente está vivendo no Brasil, onde estiverem. Que me devolvam aquele voto de confiança que deram a “Gabriela”, a “Dancin’ Days”.
Mas novela é algo que ainda te encanta? Você faria?
Televisão aberta, esse que é meu ponto. A grande maioria das pessoas no Brasil, se for ao cinema, desintegra a condução. Pode até ir, mas não pode comer pipoca. A gente vive num país onde as pessoas trabalham 24 horas por dia e não têm tempo. Às vezes, eu ouço dizer: “Ah, é filme de arte, as pessoas não vão, só vai determinado tipo de gente”. Não, não subestime, as pessoas não vão porque não têm dinheiro.
Mas novela em TV aberta é uma opção agora neste seu momento de cinema?
Que eu saiba, não. Eu adoraria que tivesse uma outra rede de televisão.
Estamos vendo o julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado. A probabilidade é que ela sofra o impeachment na semana que vem. Você acha que o Edifício Aquarius pode ser uma representação deste Brasil que está quase ruindo, mas ainda tem uma resistente ali dentro?
O Kleber escreveu esse roteiro há mais de dois anos. Acho que tudo já foi dito, o que a gente pensa, como a gente acha, como a gente está se colocando em relação a isso. O Kleber até falou uma coisa engraçada, que, se ele fosse escrever sobre todos esses personagens [como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha], eles seriam totalmente inverossímeis.
O que fica [do processo de impeachment] é o seguinte: cria-se um precedente na nossa Constituição. Eu quero saber como é que isso vai ser resolvido? Se acharem que um presidente, um governador —eleito pelo voto direto e democrático— não estiver bem, se ele não for muito competente, ele poderá ser impedido de continuar sua função?
E você acha que existe essa metáfora do prédio com o país?
Sim, é o Brasil. [O filme] Só chegou nesse ponto [de repercussão] porque é. Quando caiu o Morro do Bumba, em Niterói [em 2010], eu fui imediatamente ajudar. Acordei, soube do fato e fui participar do trabalho como voluntária. Virou um escândalo no Brasil! Me chamaram num programa de televisão para perguntar o porquê disso. Fiquei impressionada. Eu, com a minha família, nos anos 1980, saíamos para varrer a rua. Por quê? Porque a rua estava suja, se estivesse limpa a gente não iria.
Eu parto do princípio de que ruas limpas não geram violência. Parques públicos unem as pessoas, são lugares para elas saírem de casa e irem fazer um piquenique, em lugares sem praia, por exemplo. A praia, em outros locais, é um ponto de encontro das famílias. [Quando faço algo para colaborar] Tudo vira uma coisa incrível, “o que você está fazendo?”, “por que você faz isso?”. É exercer a minha cidadania. Aí queriam que eu fizesse parte de grupos, e eu disse: “Não, esse é um ato de cidadã”.
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