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Filme de chileno sobre Jackie Kennedy dá nova chance para Portman brilhar

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Veneza (Itália)

07/09/2016 13h22

A história de Jacqueline Kennedy já foi cobiçada por vários cineastas americanos, mas coube a um diretor chileno levá-la para o cinema. Pablo Larraín (de “O Clube” e "No") recebeu sólidos aplausos na manhã desta quarta (7) no Festival de Veneza por “Jackie”, drama que mostra a icônica ex-primeira-dama dos Estados Unidos nos dias que sucedem a morte de seu marido, o então presidente John F. Kennedy (morto a tiros em Dallas, em 1963).

“Por que não [fazer um filme sobre] ela?”, disse o diretor, em conversa com a imprensa. “Não sou americano, então não possuo uma ligação com a cultura dela como tenho com a do meu próprio país, mas achei que seria uma boa oportunidade. Eu me lembro de que li os relatórios da Comissão Warren em que ela narra como viu os fatos [da morte de Kennedy] estando ao lado dele. Então pensei: ‘E se eu contar a história do ponto de vista dela?’”.

Natalie Portman como Jackie Kennedy em "Jackie", de Pablo Larraín - Divulgação - Divulgação
Natalie Portman como Jackie Kennedy em "Jackie", de Pablo Larraín
Imagem: Divulgação

Na verdade, a ideia de o filme ser dirigido por Larraín veio do cineasta americano Darren Aronofsky, um dos produtores do longa. Certamente também deve ter sido ele quem escolheu a protagonista, Natalie Portman, cujo ápice da carreira se deu justamente em um de seus filmes, “Cisne Negro” (2010). Desde então, Portman ainda não conseguiu outro papel com a mesma envergadura, mas “Jackie” tem tudo para ser seu grande retorno ao primeiro time de Hollywood.

“Este papel foi definitivamente o mais perigoso que já interpretei”, disse a atriz. “Porque todos sabem como Jackie é, fala, anda. No filme, até a Casa Branca foi toda recriada como na realidade. Eu nunca me senti como uma boa imitadora. Mas tentei criar uma personagem de modo que fizesse as pessoas acreditarem que eu era Jackie”.

O público pode demorar um pouco até se habituar à maneira pouco natural e algo empostada da Jackie de Portman: ela fala de uma maneira sobrenaturalmente calma, porém firme. Mas basta assistir a vídeos da Jackie original para ver que o trabalho de imitação da atriz foi bastante bem-sucedido. E sua atuação, com o desenrolar da intriga, vai ficando cada vez mais marcante – a câmera de Larraín, que a enfoca em várias cenas em close, ajuda muito em aproximar o espectador da personagem. Sua Jackie é comovente.

“Olhando filmes em que Jackie surgia em público, vemos que o comportamento dela mudava. Ela se mostrava mais tímida, o tom de voz dela subia. Já se portava como uma primeira-dama mesmo antes de se tornar uma”, observou Portman. “Mas quando escutamos gravações [em áudio] de conversas dela com amigos, ela se mostra bem diferente. Fala com outro tom – e dá para ouvir o gelo batendo no copo dela ali perto. É parte do drama: quando se é alguém público, um símbolo, como é possível manter a própria humanidade?”, indagou a atriz.

A Jackie da vida real tinha um controle impecável sobre sua imagem pública, mas Larraín se dá ao direito de mostrá-la em momentos íntimos. A Jackie que ele nos apresenta é uma mulher dilacerada pela tragédia que sofreu, mas sempre muito atenta ao que se passa ao seu redor. E muito ciente de seu papel para a sociedade americana.

Mas ela também é uma mulher extremamente vaidosa – há uma sequência fantasiosa em que, ao se despedir da Casa Branca, Jackie veste de novo muitos de seus invejados vestidos, olhando-se no espelho, enquanto se intoxica com remédios e bebidas alcoólicas. Podia até não ser a mulher perfeita que imaginavam, mas mesmo nesses momentos era uma pessoa de extrema elegância e que não perdia o controle sobre si.

“Quando alguém faz um filme como esse, se vê diante de várias informações oficiais, mas também existem as coisas que aconteciam por trás das portas. E é isso que tentamos fazer, mostrar tudo isso por meio de uma ficção. E também brincar um pouco com tudo isso”, disse Larraín.

A trama

O filme começa com Jacqueline recebendo em sua casa um jornalista, para o qual contará sua versão sobre a morte do marido e seus dias na Casa Branca. “Mas vou editar toda a conversa”, ela adverte o repórter. Na conversa, conta detalhes de como foi ver de perto a morte do marido. Após uma dilacerante narrativa, surpreende o jornalista: “Mas é claro que você não vai publicar uma linha do que eu acabei de dizer!”. A ele, só resta obedecer.

A narrativa é fragmentada, com flashbacks e “tempos interiores”. “Tentamos trazer pedaços de memória, de momentos. Mais do que cronológica, a narrativa é emocional. Eu descreveria como uma tentativa de entrar no mundo dela, em suas circunstâncias. É um filme sobre alguém em uma enorme crise e em como a enfrenta”.

Inteligente e cauteloso, Larraín salva uma personagem que, nas mãos erradas, poderia render um descartável filme feito para a TV. “Jackie era uma pessoa extremamente misteriosa. Das mulheres conhecidas, ela era uma das mais desconhecidas. O filme não vai fornecer todas as respostas sobre ela. Mesmo que se diga muito sobre essa pessoa, jamais será possível entender integralmente que pessoa ela era”, disse o chileno.

O filme foi aplaudido e aprovado pelo crivo de Veneza, mas ainda é difícil saber como a sociedade americana vai recebê-lo – sobretudo por ser um longa sobre um de seus ícones modernos, dirigido por um forasteiro. Mas como Hollywood vem abrindo espaço para estrangeiros nos últimos anos (os últimos três Oscar de melhor direção foram entregues a mexicanos), pode-se dizer que “Jackie” e Natalie Portman podem ter iniciado hoje pela manhã seu primeiro movimento rumo à estatueta dourada.

Onde o “movimento” vai dar, só o tempo dirá, mas ele já começou.