Única mulher brasileira na produção de "Moana" conta como chegou à Disney
Natalia Freitas é pioneira em vários aspectos. Única mulher entre os oito artistas brasileiros que trabalharam na equipe de "Moana", a mais nova animação da Disney, ela superou muitos obstáculos até chegar a um dos estúdios mais cobiçados do mundo.
O primeiro deles foi na vida pessoal, quando ainda bem jovem perdeu os pais e encontrou na arte uma forma de se expressar e se apoiar. A menina nascida em Belo Horizonte cresceu, quebrou estereótipos e conseguiu o trabalho que sonhava em um mercado dominado por homens.
"A última mensagem que aprendi com minha mãe foi: 'tenha uma carreira, tenha sua independência e siga seu sonho'. Por isso tenho muito orgulho de ser mulher, ter uma profissão e conseguir fazer minhas coisas de forma independente", contou Natalia Freitas, em entrevista ao UOL.
É aí que o enredo de "Moana", que acaba de chegar aos cinemas brasileiros, ganha para ela um significado a mais. A nova personagem da Disney não é uma princesa, e sim uma adolescente aventureira que se prepara para virar líder de um povo.
"Para mim tem um sentido muito maior pela questão pessoal", explica. "Moana" é forte e corajosa e não se curva nem mesmo diante do grandalhão e convencido semideus Maui, com quem acaba desenvolvendo uma amizade, que substitui o tradicional romance das histórias de princesas.
Na animação, a brasileira trabalhou no departamento de desenvolvimento de look, criando texturas e colorindo elementos dos cenários paradisíacos que representam as ilhas da Oceania e a cultura da região. "Fiquei muito feliz em representar o nosso país e o gênero feminino".
Animação também é arte
Determinada e estimulada por sua paixão pelo desenho e por produções da Disney, Nickelodeon e Cartoon Network, Natalia entrou para a Escola de Belas Artes da UFMG em 2005, onde se formou em 2009 com bacharelado em animação tradicional.
Depois de formada, ela percebeu que teria mais estabilidade se soubesse trabalhar com 3D. Autodidata, aprendeu a técnica estudando tutoriais e vídeos no YouTube. Em 2011, Natalia conseguiu uma vaga em estúdio onde pode colocar em prática esse tipo de animação pela primeira vez, em um comercial para um cinema de BH.
No final daquele ano, ela resolveu se candidatar pela segunda vez para uma bolsa de estudos na Alemanha com uma carta intitulada "Animação também é arte". "Eu nunca tinha ouvido falar de algum animador ou cineasta que conseguiu essa bolsa de artes, que beneficia mais artistas tradicionais, como pintores, músicos ou escultores. Então na carta eu dei todo um argumento, fiz um portfólio bem caprichado e consegui a bolsa", lembra.
Sem falar alemão, mas com passagem paga, uma mesada dada pelo governo e seguro de saúde, a brasileira chegou à Alemanha no início de 2012. "Foi uma bênção, não tem melhor definição, foi muito especial. Eu me senti bem-vinda na Alemanha, afinal, fui para lá com uma bolsa do governo do país. Sem isso eu não teria condições financeiras de me sustentar na Europa."
Mesmo com todos os benefícios da bolsa, dependia dela a aprovação na faculdade. Depois de um intensivo de quatro meses já dominava a língua e pode acompanhar as aulas ministradas na língua nativa na Filmakademie Baden-Württemberg. Natalia também foi a primeira brasileira na conceituada escola alemã.
Por lá ela teve a chance de dirigir seu próprio filme (o terceiro da carreira) e atuar em estúdios depois de formada, quando obteve um visto de trabalho. Ainda na escola, a animadora também trabalhou em um curta que viralizou na internet chamado "The Present", baseado em uma tirinha do brasileiro Fabio Coala. No filme, que ganhou 59 prêmios, ela fez toda a textura (mesmo tipo de trabalho desenvolvido em "Moana"), o making of, além de participar como representante em festivais pelo mundo.
Oportunidade na Disney
Natalia soube da vaga para trabalhar em "Moana" pela internet, quando já estava há quase quatro anos na Alemanha. Resolveu arriscar e um mês depois recebeu a resposta. A brasileira foi um dos três candidatos selecionados entre cerca de 200 inscritos. No primeiro dia de 2016, foi para a Califórnia e ainda passou por treinamento e adaptação por três meses antes de começar efetivamente a trabalhar com a equipe do filme, dirigido pelos experientes Ron Clements e John Musker ("A Pequena Sereia", "Aladdin", "A Princesa e o Sapo").
Nos bastidores, a mineira teve a oportunidade de trabalhar com outros sete brasileiros, dois deles na mesma área, de desenvolvimento de look. "Não me lembro de ter outro filme da Disney com tantos brasileiros", destaca.
As amizades a ajudaram a superar a saudade do país natal, além de agregarem ainda mais à sua carreira. "É uma honra ter trabalhado com artistas como o Pedro Conti, Victor Hugo Queiroz, e conhecer o Leo Matsuda, que dirigiu 'Trabalho Interno', o curta que abre ‘Moana’. É o primeiro brasileiro a dirigir um curta na Disney! Eu ergo a bandeira mesmo, tenho muito orgulho. Ele é o próximo Carlos Saldanha", aposta.
Minoria
Natalia conta que já se acostumou em ser a única mulher do grupo. "Na faculdade no Brasil já tinham bem mais homens. De cada 15 alunos, provavelmente 3 ou no máximo 5 eram mulheres. E também em estúdios onde trabalhei era sempre 15 homens e duas meninas na produção. Na Alemanha mesmo tinha uma salinha que ficava eu e mais 5 caras. Infelizmente, é um mercado que atrai mais homens", lamenta.
Uma das motivações que faz Natalia ter satisfação em compartilhar detalhes de sua carreira é justamente a oportunidade de mudar este cenário.
"Trabalhar em grandes estúdios parece uma coisa muito distante, mas não é. Basta você sonhar, querer e perseguir o que você quer fazer. Eu sempre quis trabalhar fazendo animação para cinema e não desisti. Já trabalhei fazendo campanha política, fiz comercial de TV, de tudo um pouco até chegar lá. Tem todo um processo, nada acontece em um estalar de dedos, mas é possível."
Para quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho da brasileira, basta acessar o site www.natfreitas.com.
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