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Palhaços brasileiros estão revoltados com "It": "É um complô universal"

Pennywise em "It: A Coisa" - Warner Bros. Pictures/New Line Cinema/Entertainment Weekly
Pennywise em "It: A Coisa" Imagem: Warner Bros. Pictures/New Line Cinema/Entertainment Weekly

Rodolfo Vicentini

Do UOL, em São Paulo

01/09/2017 04h00

Os palhaços brasileiros, assim como seus colegas ingleses, não estão nada felizes com a popularidade do filme "It: A Coisa". Segundo eles, a história sobrenatural de um demônio que se transforma no pior medo das crianças -- e sua figura mais comum é como o palhaço Pennywise -- atrapalha o trabalho de profissionais e contribui com a manutenção da ideia de que o personagem colorido é perigoso. "Poderiam colocar uma borboleta, barata, aranha ou qualquer outra coisa que algumas pessoas têm medo. Mas colocaram logo a figura distorcida de um palhaço que é mau e obscuro", diz o palhaço Fux.

O UOL entrevistou quatro profissionais experientes na área para falar do impacto do filme para a classe artística. Cada um deles tem seu próprio estilo para atrair a molecada, mas a proposta é a mesma: levar alegria e colocar um sorriso no rosto dos pequenos. "Com certeza vai atrapalhar a profissão. Desde as aparições dos 'palhaços assassinos' nos Estados Unidos, muita criança ficou com medo da gente, porque nos associavam com essa febre da internet", afirma Tico Bonito.

Os palhaços Fux e Tico Bonito - Reprodução/Montagem - Reprodução/Montagem
Os palhaços Fux e Tico Bonito
Imagem: Reprodução/Montagem

"Eu entendo o que eles [os produtores] querem, que é brincar com o imaginário. Mas não poderia trabalhar com outra coisa?", acrescenta. Para o palhaço Rogerito, a classificação indicativa do filme, ainda não definida no Brasil, pode ser um fator que ajude os mais pequenos a não terem contato com a figura sinistra, já que "meu público não vai até o cinema para ver um filme desse". Mas o medo continua: "Quando a gente chega nas festas, geralmente, tem alguma criança que tem trauma de palhaço. Sempre tem alguma criança que precisa ir embora da festa ou até precisa chamar a mãe, justamente porque tem medo de nós".

O palhaço Xibum salienta que o problema não é só a classificação etária. Os adultos que virem o filme também poderão ficar aterrorizados e não vão optar por uma imagem "semelhante" na festinha de aniversário do filho, por exemplo. "Os pais veem e têm medo de contratar [palhaço] e deixar a criança com medo. E hoje ainda é pior, porque as crianças têm acesso às redes sociais, então elas acabam criando seus medos. Quando geralmente aparece uma história de gangue de palhaços ou filmes sobre o tema, o número de trabalhos cai mais de 50%", decreta.

Classe artística não tem a força (nem apoio) para mudar a situação

"A mídia que constrói [esse medo]", acredita Tico Bonito. "Os caras [produtores] querem ganhar dinheiro e não importa quem eles vão prejudicar. Isso entristece, porque as pessoas preferem divulgar o ódio e a violência. A função do palhaço é tropeçar, cair e tentar ganhar o sorriso da plateia e a partir do momento que alguém paga o ingresso para ver um filme sobre um palhaço assustador está desvirtuando a situação toda".

"O palhaço não tem acesso à mídia, só o Patati Patatá. Quando teve a história dos palhaços nos Estados Unidos, a gente fez algumas ações na Avenida Paulista. E não teve repercussão alguma. É impossível, por exemplo, competir com a indústria cinematográfica", analisa Xibum.

Os palhaços Rogerito e Xibum - Reprodução/Montagem - Reprodução/Montagem
Os palhaços Rogerito e Xibum
Imagem: Reprodução/Montagem

Dá para tirar o medo de palhaço?

"O problema é que 90% dos palhaços realmente dão medo", acrescenta Xibum, aos risos. "O artista profissional tem um cuidado muito grande. Eu, por exemplo, demorei 10 anos para deixar meu personagem como está hoje, estudando gestos, maquiagem, figurino e até tipo de fio de cabelo para usar. Mas muitos não fazem isso, com qualquer R$ 100 você compra uma roupa de palhaço e vai para uma porta de qualquer loja. Chega um palhaço mal vestido e mal pintado, que não é profissional da área, dá um grito e acaba assustando a criança", arremata.

Rogerito, por sua vez, tem uma técnica que ajuda a conquistar a atenção das crianças -- e espantar o medo. Além de não usar roupas muito coloridas e apenas "um branquinho na boca, uns risquinhos nos olhos e um nariz vermelho", o profissional faz questão de se "transformar" na frente dos pequenos. "Eu inicio o espetáculo me maquiando na frente delas e contando a história dos palhaços. Com isso, eu consigo tirar o medo delas e faço com elas entendam que somos artistas. Às vezes até chamo uma criança para me ajudar".

Não é só em "It: A Coisa"

"A gente tem como exemplo 'Bingo - O Rei das Manhãs', que é um baita de um filme, só que influencia negativamente os palhaços. A gente sabe da história do Arlindo Barreto [o Bozo original], mas envolve o palhaço com o uso de droga, por exemplo. E eu digo que não são palhaços, é um cara que usa de um personagem para alcançar as coisas que quer. Está todo mundo contra a gente, é um complô universal", reitera Xibum.

A minissérie dos anos 90 "It - A Obra-prima do Medo", baseada na obra de Stephen King, colocou uma geração contra os palhaços, e o filme que chega aos cinemas no dia 7 de setembro, 27 anos desde a última aparição de Pennywise, consolida a imagem. 

Fux, por outro lado, continua acreditando na profissão e vocifera: "Essa arte cultural existe há muitos anos e não foi um filme de terror que vai atrapalhar isso". Tico Bonito concorda: "Temos que enfatizar o riso, o amor e a gentileza do palhaço que tem de tropeçar para ver o riso da plateia".