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Opinião: "Os Últimos Jedi" é tão incoerente quanto seu Luke Skywalker

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Imagem: Reprodução

Eduardo Pereira

Do UOL, em São Paulo

22/12/2017 04h00

ATENÇÃO: O texto abaixo contém spoilers de "Os Últimos Jedi". Não leia se você não quiser saber o que acontece.

A primeira coisa que vemos Luke Skywalker fazer em "Star Wars: Os Últimos Jedi" é receber das mãos de Rey o antigo sabre de luz de Anakin, seu pai, e arremessá-lo por cima de seu ombro. É um momento chocante, que quebra expectativas e qualquer lógica do personagem --já que aquele é também seu primeiro sabre, um estimado presente de seu mestre Obi-Wan Kenobi-- para informar ao público que o filme que se inicia rejeitará o passado para voltar-se ao futuro. É uma mentira.

O oitavo episódio da saga  é um filme sobre equilíbrio --entre trevas e luz, erros e acertos, passado e futuro-- que não consegue equilibrar o que homenageia e o que apaga de seus predecessores. É uma história que transmite com sucesso uma intenção nova, mas que não a consolida por cair na incoerência de resgatar elementos antigos, negá-los e reafirmá-los em sequência. Assim como sua própria versão de Luke Skywalker.

Leia mais

Em sua apresentação, o mestre Jedi rejeita a nostalgia proposta pelo sabre de luz ao entrar em sua cabana, tentando despistar Rey e seus pedidos por treinamento e ajuda. Lá dentro, guarda objetos de aventuras antigas (como a bússola encontrada em um dos games "Battlefront"). Ele se preocupa com a ausência de Han Solo a bordo da Millennium Falcon, mas logo dá de ombros à notícia de que o velho amigo foi morto por Kylo Ren --que, agora, se aproxima de dar cabo da vida de Leia-- e segue com negativas à jovem que o procurou, aparentemente imune às lembranças do passado.

De repente,  o mestre Jedi passa a se emocionar com lembranças, mudando radicalmente de ideia sobre treinar a jovem quando R2-D2 exibe a clássica mensagem de Leia para Obi-Wan Kenobi, de "Uma Nova Esperança". O que o filme nos informa é que a lendária arma perdida de seu pai, a morte de seu melhor amigo ou a vindoura morte de sua irmã têm menos peso emocional que um holograma. Por que? Não sabemos.

O isolamento de Luke

As incoerências aumentam conforme Luke inicia o treinamento de Rey, e o filme passa a revelar o real motivo do isolamento do Jedi na ilha paradisíaca de Ahch-To. Segundo Luke, ele passou a enxergar as hipocrisias da Ordem de "padres espaciais" e decidiu exilar-se para morrer, levando consigo o futuro da Ordem --negando toda a trama de "O Despertar da Força", centrada em torno de um mapa deixado por Luke para onde ele estaria.

Enquanto treina Rey, Luke vê que a jovem gravita naturalmente na direção da escuridão, e se apavora. "Eu vi esse poder só uma vez. Em Kylo Ren. Eu não o temi o bastante. Agora, eu temo", ele diz. Então descobrimos que, quando mestre de Ben Solo, Luke notou a inclinação que o sobrinho tinha para o Lado Sombrio da Força. Contrariado, foi até a cabana do jovem e decidiu matá-lo enquanto dormia, percebendo seu erro só depois de ligar seu sabre de luz. Era tarde demais: Ben havia se tornado Kylo Ren, e a vergonha do fracasso foi o que verdadeiramente fez Luke fugir e abandonar todos que amava.

E qual foi o motivo da ação? Medo. Teoricamente, aquele que não tinha sido sentido "o bastante". Mais importante, o medo de ver "tudo que ele amava" ser destruído pela escuridão de Kylo, em mais um mergulho do roteiro de Rian Johnson em elementos de filmes anteriores: Luke sempre se mobilizou em primeiro lugar por seus amigos e familiares.

Seria melhor se Johnson encontrasse outra motivação para a ação de Luke, ou desistisse da ideia de ter o Jedi tentando matar seu sobrinho. Porque, ao recorrer a filmes passados e mostrar que traços da personalidade de Luke foram preservados, toda a noção de que ele tentaria matar um familiar a sangue frio para proteger outros familiares, falharia. E então iria embora deixando os mesmos familiares que queria proteger à mercê do vilão que ajudou a criar. Só faz sentido com muita boa vontade ou ignorância do espectador.

Cena do trailer de "Star Wars: Episódio 8 - Os Últimos Jedi" - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Desequilíbrio narrativo

Quando Rey diz não enxergar Luke em meio à Força, por ele ter "se fechado", o roteiro levanta a possibilidade de que o Jedi tenha se isolado por estar impotente, incapaz de auxiliar no conflito, mas ainda capaz de guiar sua pupila --e de que talvez seja ela a chave para que ele volte a ter fé. Só que nada disso vai para a frente ou tem relevância, uma vez que momentos depois ele aparece levitando objetos com total desenvoltura, até mesmo em um confronto absolutamente desnecessário com a jovem guerreira.

No final, Luke até se redime com uma projeção astral feita por meio da Força que, num embate não-violento com Kylo Ren, garante a fuga de Leia e outros sobreviventes da Resistência. É uma cena espetacular. Mas é, também, a consolidação de que toda a trama do treinamento de Rey no filme não passa de placebo narrativo, fruto de um conflito interno mal pensado e incoerente de Skywalker, feito para ser resolvido rapidamente no terceiro para garantir algum apelo emocional.

Antes de desaparecer, Luke faz um belo discurso que solidifica a passagem geracional da franquia para Rey e todo o novo elenco, apresentado em "O Despertar da Força". Parece, mais uma vez, que será definido o mote do filme como o abandono do passado.

Mas, num último momento de desequilíbrio narrativo e temático, o filme se encerra com um grupo de crianças em Canto Bright narrando não os feitos de Rey, que consistem basicamente em levitar pedras sem que ninguém sequer veja, mas sim os novos feitos do velho Luke --mais uma vez contradizendo a ideia de que o passado deve ficar para trás para dar vazão ao futuro, martelada ao longo de 2h30 de projeção que realmente parecem 2h30 de projeção.