Coreano de "Oldboy" mantém estilo nos EUA com "Segredos de Sangue"
"Segredos de Sangue" começa com uma voz sussurrando, baixinho, parece até uma reza ou uma narração. Logo depois o filme mostra se tratar de outra coisa, embora aquele tom de quem sussurra uma confidência nunca se dissipe. A direção é assinada pelo sul-coreano Park Chan-Wook, que ficou famoso com sua trilogia da vingança, cujo episódio central, "Oldboy", está sendo refilmado por Spike Lee.
Esse é o primeiro filme do cineasta em língua inglesa. É bom ver que, mesmo do outro lado do mundo, ele não mudou, manteve seu estilo violento numa paleta de cores saturadas, dentro de uma história movida pela vingança. Como em seus outros filmes, "Segredos de Sangue" revela um mundo à parte, com uma história que parece perdida no tempo e espaço.
Quem conduz o espectador nesse mundo onde o vermelho-sangue é a cor mais vibrante é a adolescente India (Mia Wasikowska). Ela acaba de completar 18 anos, e, nesse mesmo dia, seu pai (Dermot Mulroney) morre num acidente de carro. No velório, ela conhece o tio Charles (Matthew Goode), irmão do pai, cuja existência ela desconhecia. Ele logo se instala na mansão da família, e cria laços fortes com a mãe da garota, Evelyn (Nicole Kidman). A proximidade entre eles é tão grande, que surgem comentários maldosos, e uma tia (Jacki Weaver) vai visitar a família para esclarecer a questão.
TRAILER LEGENDADO DE "SEGREDOS DE SANGUE"
É nesse ponto que surge a primeira reviravolta de "Segredos de Sangue". Porém, é bom lembrar, a história é contada pelo ponto de vista de India e ela é uma garota criativa, passando por um momento de luto profundo. Portanto, nem tudo poderá fazer muito sentido em sua própria narrativa. Até que ponto é possível confiar nas percepções da garota? As informações são reveladas aos poucos, de forma meticulosa, quase sádica. Descobrimos os segredos do passado junto com India.
Algumas imagens podem antecipar algo que nem sempre se coordena com a narrativa, como a de uma pequena aranha que sobe pela perna de India e se esconde dentro de sua saia ou quando gotas de sangue tingem um gramado verde. Apesar de seus exageros, o filme tende a um tom realista.
No fundo, trata-se da história do rito de passagem da garota. O amadurecimento é a dimensão alegórica do longa, que ganha força na fotografia assinada por Chung Chung-hoon -- parceiro de Park em diversos filmes. India era muito próxima de seu pai e o tio demonstra querer suprir a lacuna deixada por ele. Não é apenas Evelyn que parece sexualmente atraída por Charlie, India também, num jogo alimentado maliciosamente por Charlie.
Mia Wasikowska em cena de "Segredos de Sangue", de Park Chan-wook
A repressão sexual se materializando em violência cria um paralelo com a novela "A Volta do Parafuso", do norte-americano Henry James -- aqui, o elemento sobrenatural se faz presente nos flashbacks, especialmente o pai é visto caçando animais com a filha, por isso uma exímia atiradora.
Mia Wasikowska, que entre outros personagens, foi a Alice, na versão de Tim Burton de "Alice no País das Maravilhas", é uma presença magnética. Sua India começa ingênua e curiosa. À medida que ganha experiência e maturidade, deixa de ser uma adolescente e se transforma em mulher, numa transformação mais psicológica do que física.
Em "Segredos de Sangue", Park flerta com Hitchcock e Bram Stoker (o título original do filme é "Stoker", o sobrenome da família de India), sem vampiros, mas com predileção por sangue. Ao contrário de seus filmes coreanos, aqui a violência é mais orquestrada do que caótica -- às vezes, é quase um sussurro, mas sempre instigante.
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