Animação "Os Boxtrolls" remete a discussões sociais e filosóficas
Cinco anos após o seu belo e significativo começo com "Coraline e o Mundo Secreto" (2009) e o lançamento do sua segunda produção, o ótimo —mas um tanto relegado— "ParaNorman" (2012), a Laika já imprimiu sua marca, mesmo em pouco tempo de existência.
E o estilo do estúdio de Portland (EUA) não se restringe apenas à estampa artesanal derivada da escolha pelo stop motion frente a técnicas mais modernas de animação, mas também é resultado das temáticas abordadas, sempre mais sombrias e misteriosas do que o habitual em filmes infantis.
Esses traços reaparecem no novo trabalho da Laika, "Os Boxtrolls" (2014), mas de forma mais diluída. O longa de Graham Annable —com um extenso histórico na área de videogames— e Anthony Stacchi —co-diretor de "O Bicho Vai Pegar" (2006)— mistura stop motion com desenho à mão e computação gráfica. O filme estreia nesta quinta (2).
E, de fato, é a animação mais comercial do estúdio, já que seu conteúdo fantástico se aproxima mais do público infantil do que nas outras empreitadas mais ameaçadoras. Por conta disso, circula apenas em cópias dubladas.
O roteiro de Irena Brignull e Adam Pava transpõe à tela parte do universo escrito por Alan Snow nas mais de 500 páginas do livro "A Gente É Monstro!" ("Here Be Monsters!").
O espectador logo é apresentado ao trágico sumiço do bebê Trubshaw, que muda a história da cidade com ares vitorianos de Pontequeijo. Isso porque os Boxtrolls, pequenas criaturas envoltas por caixas que habitam o subterrâneo do lugarejo, são incriminados pelo sequestro da criança e perseguidos pelo terrível exterminador Arquibaldo Surrupião (voz de Ben Kingsley na versão original, infelizmente não disponível no lançamento nacional).
Ele impõe um toque de recolher à população durante a noite, momento em que os estranhos seres saem pelas ruas de paralelepípedos do local, remexendo lixos em busca de algo de interessante para suas inventivas criações.
Assim, não tarda para que o público conheça melhor os Boxtrolls, que mais levam sustos do que os provocam nos outros, além de terem um quê de Minions, com direito à língua própria e fofura quase similar. Basta acompanhar o carinho com o qual eles, especialmente Peixe, cuidam do garoto chamado Ovo.
No entanto, quando a filha do Lorde Roquefort, a jovem Winnie, descobre que um menino humano vive com os Boxtrolls, tão logo se revela os desejos por trás da investida de Surrupião: tudo o que ele quer é trocar o seu chapéu vermelho por um branco, igual ao do Lorde e, assim, sentar-se à mesa com os nobres para degustar queijo, mesmo que isso lhe faça mal.
É evidente que a trama não é um dos pontos fortes do filme, mas a história incita várias discussões sérias que, junto ao bom entretenimento, a tornam interessante para o público adulto também —praticamente, uma assinatura da Laika.
Uma delas surge da própria criação do Ovo pelos Boxtrolls, na qual é implícita a mensagem de que uma família nem sempre obedece àquela formação clássica "mamãe + papai", mas nem por isso será pior do que a tradicional, algo que até foi enfatizado no primeiro teaser da produção.
A questão do preconceito é igualmente marcante, assim como em "ParaNorman", que também trazia um microcosmo —que, obviamente, representa toda uma sociedade— onde o pensamento predominante é de que "se não conheço, repudio, e assim transformo meu medo em repulsa".
Mas se, no trabalho anterior do estúdio, a intolerância era personificada no protagonista e na jovem bruxa do passado, agora ela atinge toda uma espécie, aqui símbolo de classes, gêneros, raças e etnias sistematicamente vítimas de ações preconceituosas.
Por isso, não é descabida uma possível interpretação de que "Os Boxtrolls", com seu impecável design de produção —especialmente, em 3D— que remete ao Expressionismo Alemão, faria da fictícia cidade europeia de Pontequeijo uma representação de todo o continente no início do século 20, ao mostrar o genocídio das pequenas criaturas do título, executado por Surrupião e seus capangas.
Falando na equipe do vilão, fora o malvado Sr. Rude, a dupla formada pelo Sr. Picles e o Sr. Truta faz uma série de indagações existenciais e filosóficas durante a animação, especialmente sobre o bem e o mal a partir de suas próprias ações e, consequentemente, acerca da estrutura da trama em si.
A metalinguagem vai além na cena exibida durante os créditos, que não apenas permite avaliar a dimensão do trabalho que é fazer um stop motion e homenageia os profissionais da produção, mas menciona outro debate, até religioso, sobre o livre arbítrio.
No mais, o filme deixa clara à plateia a ideia de que é possível se superar, transformando sua própria natureza, mas que há condições de fazer algo mais: mudar o mundo à sua volta para fazê-lo se adaptar à sua realidade.
*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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